sábado, 3 de dezembro de 2022

 

“NEVA”

ou

(O VIRTUOSISMO DE UMA COMPANHIA DE TEATRO

QUE SE SUPERA, 

A CADA NOVO ESPETÁCULO.)

ou

(A METALINGUAGEM, NO TEATRO, MUITO ME AGRADA.)

 

 


Para comemorar o seu 35º aniversário de fundação, a ARMAZÉM COMPANHIA DE TEATRO escolheu um excelente texto, de um dramaturgo chileno, chamado GUILLERMO CALDERÓN. Trata-se de “NEVA”, considerada sua OBRA-PRIMA. Confesso que não conhecia a produção dramatúrgica de CALDERÓN, e, por conta disso, tão forte sua obra me tocou, parti para uma pesquisa sobre ele.



GUILLERMO CALDERÓN Labra, nascido em Santiago do Chile, além de dramaturgo premiado, é ator, roteirista e diretor teatral. Estudou interpretação na “Escola de Teatro da Universidade do Chile e completou estudos de pós-graduação no "Actor's Studio", em Nova York, na “Dell'Arte School of Physical Theatre”, na Califórnia, e um mestrado em Teoria do Cinema, pela "City Univeresity" de Nova York”. Atualmente, é professor de interpretação, na "Escola de TEATRO da Universidade Católica do Chile". Um currículo “de peso”, para um homem de 51 anos. O viés em que ele mais atua, na produção de textos para o palco, é o TEATRO político, como é o caso da peça em tela, a primeira de várias, escrita em 2005 e encenada, pela primeira vez, em 2006. Interessei-me, e o farei, em breve, por ler os textos de “Clase”, “Dezembro”, “Vila + Discurso”, “Drink”, “Escuela”, “Metaluna”, “Feio” e “Dragão”. A ser confirmada, nessas peças, a mesma qualidade, ou próxima a ela, de “NEVA”, ficará fácil concordar com os que veem, em CALDERÓN, um dos mais representativos dramaturgos latino-americanos.


Guillermo Calderón.

(Foto: autoria desconhecida.)


 

SINOPSE:

“NEVA” se passa em São Petersburgo, então capital do Império Russo, em um dia de 1905.

Não um dia qualquer, mas em 9 de janeiro de 1905, que ficou conhecido como “Domingo Sangrento”, quando manifestantes que marchavam para entregar uma petição ao Czar, pedindo-lhe melhores condições de trabalho nas fábricas, foram fuzilados pela Guarda Imperial.

A ação se passa dentro de um Teatro, onde um ator e duas atrizes, que iriam se encontrar, para ensaiar “O Jardim das Cerejeiras”, do consagrado dramaturgo russo Anton Tcheckhov, acabam, meio sem querer, se abrigando do massacre que acontece nas ruas e que será o estopim da revolução que acontecerá, posteriormente, no país, em 1917. 

Uma das atrizes, trancada no Teatro, é a alemã Olga Knipper (PATRÍCIA SELONK), primeira atriz do famoso “Teatro de Arte de Moscou” e que foi casada com Tchekhov.

Sentindo-se incapaz de representar, depois da morte do marido, por tuberculose, acontecida havia seis meses, e na tentativa de seguir vivendo, enquanto, lá fora, a cidade desabava, Olga instiga Masha (ISABEL PACHECO) e Aleko (FELIPE BUSTAMANTE) a uma encenação, repetidamente, junto com ela, da morte de Tchekhov.

A partir desse desassossego, entre incertezas artísticas e embates políticos, a pergunta que mais se impõe é “Para que serve o teatro?”.

A discussão proposta pelos personagens oscila entre a afirmação da absoluta necessidade da arte (“Temos que fazer TEATRO. Temos que fazer uma peça que nos cure a alma.”) e da sua total irrelevância (“Pra que perder tempo, fazendo isso? O TEATRO é uma merda. Querem fazer algo que seja de verdade? Saiam às ruas!”).

 

 


Foto: Gilberto Bartholo.

 

     Ainda que a ação da peça se dê há quase 118 anos, sua SINOPSE nos leva a tirar algumas conclusões que têm a ver com uma época mais próxima a nós, chegando, até mesmo, aos dias atuais. E podemos, ainda, encontrar, no decorrer da trama, elementos capazes de nos levar a analogias com o mundo de hoje e dados simbólicos. CALDERÓN faz uso de um humor feroz, para escreve sobre uma Rússia conflagrada, politicamente, no início do século XX, mas, também, reflete sobre o seu Chile da década de 1970, após o golpe militar de 1973, que derrubou o regime democrático constitucional, encabeçado pelo general Augusto Pinochet, um traidor golpista, e que levou à morte o presidente eleito Salvador Allende. Há quem diga que Allende praticou suicídio, mas o que tudo indica é que foi, sumariamente, executado, por tentar resistir ao golpe. Além disso, podemos fazer uma leitura da obra que nos traga ao Brasil desses últimos quatro anos, obscuros, tempos onde “tudo o que tem água está congelado, inclusive os homens”.


Foto: Gilberto Bartholo.


     Os três personagens, que protagonizam o espetáculo, são atores à espera do resto do elenco, que não chega, sem que se saiba se não o fizeram por dificuldade de chegar até o Teatro, local de ensaio, ou se já haviam sido, também, mortos pela repressão. Um elenco que jamais se completará. De um rol numeroso de artistas, que “O Jardim das Cerejeiras” exige (17 personagens), restaram, apenas, três, que podem simbolizar a resistência, assim como o prédio físico de um Teatro tem a sua interpretação ampliada, metaforicamente, para aquela frase, tão repetida e, na minha visão, extremamente verdadeira, de que “O TEATRO SALVA”. A proposta de Olga, aparentemente, uma ideia estapafúrdia e desprovida do menor senso de “lucidez”, levada de forma tão obsessiva, pode ser encarada como a alma do artista - ou a sua “alienação” -, que sonha sem limites e supera tudo, por seu amor e dedicação à ARTE. "Dizem que sou louco por pensar assim / Se eu sou muito louco por eu ser feliz / Mas louco é quem me diz / E não é feliz, não é feliz" (Arnaldo Baptista e Rita Lee). GUILLERMO CALDERÓN, no fundo, tem por objetivo, com este texto, levar o público a refletir sobre a importância, ou não, do TEATRO, da necessidade, ou não, dele, na vida e na formação de um ser humano. A bem da verdade, “NEVA” propõe, aos espectadores, um desfio sobre tal importância ou necessidade, a questão que mais prende a plateia ao palco.



      Num depoimento, parte do “release” da peça, que recebi de NEY MOTTA (Contemporânea Comunicação – Assessoria de Imprensa), o diretor desta montagem, PAULO DE MORAES, se diz “encantado” com a proposta de “NEVA”, pelo fato de o autor nos apresentar um TEATRO eminentemente político, “mas que se propõe a mergulhar em uma linguagem poética cortante e num humor extremamente ácido”, algo como “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura” (Ernesto Che Guevara). Creio que, da mesma forma, essa combinação também é o motivo de um “encantamento” que me atingiu, tornado muito mais “robusto” com o acréscimo, ao texto, de todos os elementos que devem entrar numa boa encenação teatral.



     A tradução do texto original foi feita por CELSO CURI e, embora eu não o conheça, no idioma em que foi escrito, percebi que deve ter havido, por parte do tradutor, muito cuidado em manter características do estilo do dramaturgo. Há certas particularidades de sintaxe e o uso de um vocabulário, o qual, ao mesmo tempo que guarda um ar aristocrático, recebe lufadas de um leve frescor, que a língua portuguesa proporciona. As ações sucedem-se de modo a prender a atenção da plateia, ávida por saber a que destino levará aquele triálogo.



     Tenho PAULO DE MOARES na conta de um dos nossos melhores encenadores, mérito atingido em todas as montagens da AMNAZÉM COMPANHIA DE TEATRO a que assisti. E foram muitas, iniciando-se não sei bem quando nem com qual espetáculo, passando pelos que mais me marcaram: “Alice Através do Espelho”, “Casca de Noz”, “Toda Nudez Será Castigada”, “Mãe Coragem E Seus Filhos”, “Inveja dos Anjos”, “A Marca da Água”, “O Dia Em Que Sam Morreu”, “Inútil A Chuva”, “Hamlet” e “Angels In America”. Criativo, aberto a novas experiências e sem medo das novas tecnologias, que podem, e devem, ser incorporadas à linguagem teatral, PAULO nos brinda com uma direção bastante “solta” e “inovadora”, fazendo uso de muitos microfones, de tipos e tamanhos variados, espalhados pelo espaço cênico, como se a determinar as marcações a que o trio de atores precisa obedecer. Não há uma frase desse texto que não mereça ser valorizada. Aqui, ao lado do virtuosismo de cada um dos três artistas, entra o dedo de PAULO DE MORAES, apontando a melhor forma de atingir o que pretende passar, com sua assinatura para a obra do dramaturgo. Prepare-se para embarcar na excelente estética adotada pela direção. O contemporâneo também se faz presente nas notas da guitarra, executada pelo ator FELIPE BUSTAMANTE, sendo, aqui, o instrumento musical, quase um “actante”, em cena, “contracenando” e “dando o seu texto”, sem dúvida, uma brilhante ideia de PAULO DE MORAES.


Paulo de Moraes.

(Foto: autoria desconhecida.)


       Em quase todas as suas encenações, PAULO também chama a si a responsabilidade de preencher o espaço da representação com suas cenografias, cada uma mais arrojada e interessante que as outras. Lembro-me, perfeitamente bem, dos detalhes de todas, verdadeiras instalações plásticas, algumas. Em “NEVA”, optou por um cenário minimalista e que atraísse o público ao “palco”, o que consegue fazer com a utilização dos já citados microfones, além de uma cadeira, uma poltrona e uma bela maquete, réplica do “Teatro de Arte de Moscou”, além de alguns tapetes clássicos. Importante é dizer que nenhum dos elementos de cena marca uma determinada época, sendo, então, considerado, o cenário, como algo atemporal.


Maquete do "Teatro de Arte de Moscou"

(Foto: Gilberto Bartholo.)


       Acostumada a assinar os figurinos da COMPANHIA, CAROL LOBATO também se desprendeu da “obrigatoriedade” de criar peças clássicas, próprias do início do século XX, e partiu para uma proposta de escolher um guarda-roupa descontraído, sem o menor rebuscamento, trajes do dia a dia hodierno; “roupa de ensaio”.



     Um dos mestres da área de iluminação, MANECO QUINDERÉ também optou por uma luz bem comedida, totalmente a serviço de cada cena.



    Uma das marcas das encenações da ARMAZÉM COMPANHIA DE TEATRO, mormente nos últimos anos, é a presença de uma trilha sonora “ousada”, ora executada ao vivo, ora por meio de gravações, levando a assinatura de RICCO VIANA, sempre explorando o som metálico das guitarras, instrumento que domina, entre outros ruídos mais “leves”. Essa mistura é muito “saborosa” e sempre combina bem com as ideias da direção. Não seria diferente agora.



 PATRÍCIA SELONK e ANA LIMA cuidaram da preparação corporal do trio em cena, atingindo um excelente resultado.



Há um perfeito entrosamento entre os três atores. PATRÍCIA SELONK, que considero uma das melhores atrizes de TEATRO de sua geração, imprime, à sua Olga, um tom melancólico, em função da perda do amor de sua vida, a quem ela, diante de uma também possível proximidade com a morte, deseja homenagear, de forma bastante obsessiva, como já disse, mas merece ser realçado, e, por vezes, agindo, a personagem, como uma válvula de escape, no texto, para aquela situação quase limite, por meio de pequenas falas inseminadas por uma certa dose de humor cáustico e deboche. A ISABEL PACHECO, também em excelente momento de sua carreira, cabe, na pele de Masha, fazer uma espécie de contraponto às ações e à proposta de Olga, muito mais por se reconhecer humilhada, diante do talento desta. Masha é quem dispara sua “metralhadora política”, questionando o porquê de o TEATRO ter que existir, principalmente naquele momento em que a vida de todos está por um fio, em iminente perigo. Para completar o magnífico elenco, FELIPE BUSTAMANTE interpreta Aleko, a meu juízo, um típico personagem tchekhoviano, um idealista, como tantos outros encontrados na extensa bagagem do dramaturgo russo.


 Patrícia Selonk.


 

FICHA TÉCNICA: 

Texto: Guillermo Calderón

Tradução: Celso Curi

Direção: Paulo de Moraes

 

Elenco: PATRÍCIA SELONK (Olga Knipper), ISABEL PACHECO (Masha) e FELIPE BUSTAMANTE (Aleko)

 

Interlocução Artística: Jopa Moraes

Instalação Cênica: Paulo de Moraes

Iluminação: Maneco Quinderé

Figurinos: Carol Lobato

Música: Ricco Viana

Maquete “Teatro de Arte de Moscou”: Carla Berri

Mecânica da Maquete: Marco Souza

“Design” Gráfico e Vídeos: Jopa Moraes

Fotografias: Mauro Kury

Preparação Corporal: Patrícia Selonk e Ana Lima

Técnico de Montagem: Djavan Costa

Assistente de Produção: William Souza

Produção: Armazém Companhia de Teatro

Assessoria de Imprensa: Ney Motta (Contemporânea Comunicação)


 

 

Isabel Pacheco.


 

SERVIÇO:

Temporada: De 11 de novembro a 18 de dezembro de 2022.  

Local: Fundição Progresso – Espaço Armazém.

Endereço: Rua dos Arcos, nº 24 – Lapa - Rio de Janeiro.

Dias e Horários: Sextas-feiras e sábados, às 20h; domingos, às 19h.

(Não haverá apresentações nas semanas de 2 a 4 de dezembro e de 9 a 11 de dezembro.)

Valor dos Ingressos: R$60,00 (inteira) e R$30,00 (meia entrada). Estudantes, idosos, menores de 21 anos, pessoas com deficiência, professores, profissionais da rede pública municipal de ensino e classe artística, apresentando identificação.

Venda na bilheteria do Espaço Armazém (uma hora antes das apresentações) ou pelo site www.sympla.com.br/armazemciadeteatro

Capacidade de Público: 107 lugares.

Classificação Etária: 14 anos.

Duração: 80 minutos.

Gênero: Drama

 

 


Felipe Bustamante.

 

        Se o espetáculo não tivesse tantos méritos, a ponto de merecer a minha modesta recomendação, já teria valido a pena a minha ida à Fundição Progresso (Espaço Armazém), pelo fato de a montagem ter sido levantada “sem nenhum patrocínio, mas com a colaboração fundamental de mais de 80 pessoas, que participaram da campanha “COLABORE COM O NOVO ESPETÁCULO DA ARMAZÉM”, divulgado nas redes sociais da CIA.”, e a solidariedade de tantos importantes artistas de criação do nosso TEATRO, que trabalharam sem remuneração, em respeito e consideração à ARMAZÉM COMPANHIA DE TEATRO, por sua linda trajetória e importância para o TEATRO BRASILEIRO, com muitas premiações, em território nacional, e algumas, no exterior, em Festivais de TEATRO.



Numa entrevista a Álvaro Machado, à qual tive acesso, durante a minha pesquisa sobre o autor, disse este: “O problema ético do TEATRO POLÍTICO é que ele se encerra entre as quatro paredes de um Teatro. Para mim, o principal propósito do TEATRO POLÍTICO não é convencer o público sobre determinada tese, mas juntar as pessoas, num lugar, para discutir, criar um espaço de discussão coletiva, nem que seja por uma hora.”. Tenha a certeza, senhor CALDERÓN, de que, com "NEVA", seu objetivo é altamente alcançado.



Para finalizar, com um antecipado pedido de desculpas à querida PATRÍCIA SELONK, permito-me uma inconfidência, que me deixou profundamente emocionado. A sessão, no dia em que assisti à peça, começaria às 20 horas, mas eu, que já vinha de outro espetáculo, no final de tarde/início de noite, há uma semana, cheguei à porta do “Espaço Armazém”, um pouco depois das 18 horas e testemunhei a grande atriz empunhar uma vassoura e varrer o chão, na parte de fora do “Espaço”. Isso prova a grandeza de uma magnífica artista, a sua humildade, e por que a ARMAZÉM COMPANHIA DE TEATRO conseguiu atravessar 35 anos de muitos sacrifícios e dificuldades, mantendo-se, sempre, no topo das grandes companhias do TEATRO BRASILEIRO. #prontofalei!


Anton Tcheckhov

(Foto: autoria desconhecida.)

 

 

 

FOTOS: MAURO KURY

 

 


VAMOS AO TEATRO,

COM TODOS OS CUIDADOS!!!

 

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO

 DO BRASIL,

COM TODOS OS CUIDADOS!!!

 

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!

 

RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!

 

COMPARTILHEM ESTE TEXTO,

PARA QUE, JUNTOS,

POSSAMOS DIVULGAR

O QUE HÁ DE MELHOR NO

TEATRO BRASILEIRO!!!




























































































Nenhum comentário:

Postar um comentário