“MÃE DE SANTO”
ou
(“ERA O QUE ELA QUERIA TER DITO”;
MAS EU ESTOU DIZENDO POR ELA.)
ou
(UMA SÓ ESTRELA, VILMA MELO,
PODE BRILHAR MAIS QUE UM CÉU ESTRELADO.)
Mais
uma vez, deixei um Teatro em total “estado de graça”,
o que me faz muito bem, pois é com essa intenção que sempre saio de casa, para
assistir a algum espetáculo teatral. Se quiserem, também, vivenciar tal
sensação, assistam a “MÃE DE SANTO”, em cartaz no Teatro Laura
Alvim, na Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio de
Janeiro. Um espetáculo curto – apenas 45 minutos -, um monólogo,
que não requer um segundo a mais. Um raro exemplo de como se pode concentrar,
em tão pouco tempo, tanto talento e emoção. O solo, com dramaturgia
de RENATA MIZRAHI e interpretado por VILMA MELO, existe a
partir de textos e relatos da filósofa HELENA THEODORO e “joga luz sobre o papel poderoso e fundamental da mulher
negra na sociedade”.
Reivindicar um lugar de fala, os
seus direitos legítimos, o reconhecimento de injustiças seculares e
uma “retratação” por elas e a importância de uma raça, numa
sociedade organizada, é direito e dever de todos. No caso, aqui, falo,
especificamente, do negro brasileiro. Por outro lado, confesso que me
incomoda, profundamente, a questão da “vitimização”, em qualquer
sentido, principalmente em dose “over”, como tenho visto
bastante, nos últimos tempos, e, muitas vezes, feito com péssima qualidade,
quando o veículo escolhido para tal posicionamento é o TEATRO. Façam,
sim! Têm que fazer! Mas que o seja na medida certa e com a melhor qualidade
possível, sob risco, caso assim não aconteça, de estarem “dando um tiro
no pé”. E ninguém bem intencionado e totalmente simpatizante da causa,
como eu, deseja isso. Tenho consciência do que estou falando, embora saiba que
corro um grande risco de “ser cancelado” por quem não consegue
atingir o meu pensamento. Que fazer? Assumo, conscientemente, essa
possibilidade. Sei que alguns podem achar que, como homem branco, de classe
média, privilegiado, por ter estudado, vivendo num país cruelmente injusto, eu
não posso falar sobre a dor dos negros, “a dor e a delícia de ser o que
é”. Mas sei, e muito bem, o que é empatia e como aplicá-la, na
prática, além de ser bisneto de um negro retinto, com quem apreendi muito, na infância. E quem fala sobre isso, na peça, não sou eu.
Quem se reuniu para levantar um excelente
espetáculo, como “MÃE DE SANTO”, fez tudo como acho – não sou
dono da verdade - que deve ser feito. Em primeiro lugar, partiram de textos
e depoimentos de uma mulher digna do maior respeito e consideração
de todos os brasileiros, independentemente de raça, credo ou posicionamento
social ou político das pessoas: DONA HELENA THEODORA. Se eu fosse discorrer
sobre sua vida, pessoal e profissional, seria obrigado a ocupar um considerável
espaço, nesta crítica teatral, mas aconselho a todos – e espero que o
façam, de verdade – que “deem um Google”, para saber quem é
essa mulher, um orgulho nacional. Vou me limitar, e já não é pouco, a
dizer que DONA HELENA – o “DONA” vale pela reverência que lhe devo –
é a primeira mulher negra a conquistar, por seus incomensuráveis
méritos, o título de doutora em Filosofia, no Brasil,
com sua tese, defendida em 1985,
“O Negro no Espelho. Implicações para a moral social brasileira do
ideal de pessoa humana na cultura negra.”, a qual descreve a pessoa negra a
partir do que ela chama de “a ideologia do Axé”, destacando suas
implicações morais e possibilidades civilizacionais. Há uma possibilidade de
que seja a primeira tese sobre filosofia africana, defendida em um Departamento
de Filosofia, no Brasil. Nascida no Rio de Janeiro, em 12
de junho de1943, às portas de completar oito décadas de existência,
Dona HELENA THEODORA ainda está ativa, trabalhando e militando em favor da divulgação da
cultura negra, no Brasil, com um importante trabalho de sua preservação. Concluiu Pós-Doutorado e, salvo engano, atualmente,
é professora do Programa de Pós-Graduação em História Comparada,
lecionando, também, em uma turma de Graduação de História, além
de integrar a Coordenadoria de Experiências Religiosas Tradicionais
Africanas, Afro-brasileiras, Racismo e Intolerâncias Religiosas (ERARIR),
do Laboratório de Histórias das Experiências Religiosas da UFRJ.
É, ainda, Conselheira do FUNDO ELAS, o único fundo brasileiro de
investimento social, voltado, exclusivamente, para a promoção do protagonismo
das mulheres. Tem muita atuação no carnaval carioca, tendo crescido na
quadra do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro.
Helena Theodora
(Foto: autoria desconhecida.)
O grande mote deste espetáculo é “ressignificar
e enaltecer o poder da mulher preta na condução de suas comunidades”.
SINOPSE:
“MÃE DE SANTO” chama a atenção do olhar com os olhos de ver.
A peça é baseada nas vivências da filósofa, escritora
e professora HELENA THEODORO e de outras mulheres, como a própria
atriz que a interpreta, VILMA MELO, por meio de uma personagem
muito empoderada, que, ao dar uma palestra internacional, entrelaça as
histórias, provocando sobre o que, realmente, interessa contar e mostrar.
O que se espera de uma mulher que nunca foi uma coisa só?
Mãe, professora,
empregada, mãe de santo, estudante.
Quantas histórias cabem em uma única vida?
No palco, VILMA MELO se multiplica em várias mulheres
negras, contando histórias passadas por gerações e documentando “como
as mulheres afro-brasileiras são diálogos, corpos sagrados e que utilizam o
homem como complemento de suas narrativas e vivências”. Por trás disso,
ou à frente, percebe-se o orgulho de um pertencimento que tem que ser
respeitado e valorizado. No trecho a seguir, extraído do “release”
que me chegou às mãos, via ALESSANDRA COSTA (Assessoria de
Imprensa), DONA HELENA THEODORO justifica, de acordo com o seu olhar,
o título da peça: “‘Mãe de santo’ representa, para mim, as mil
possibilidades da mulher preta, que dá asas à imaginação, mostrando
musicalidade, poesia, espiritualidade, habilidade e maternidade, desde muito
tempo. Ser ‘mãe de santo’ é ser mãe do mundo, cuidando de gente de ontem –
seus ancestrais – ou de hoje – sua família, amigos, parceiros –, preservando o
mundo para um amanhã mais pleno, transformado pelo elo de afeto entre as
pessoas, pela arte e por toda a beleza que um olhar doce e meigo pode oferecer.
‘Mãe de santo’ é mulher que se orgulha de suas histórias e identidades,
entendendo que nada é mais profundo do que a pele preta que traz em seu corpo e
ilumina sua alma”.
Quem assiste ao espetáculo compreende bem as palavras de DONA HELENA, uma vez que não verá, no palco, uma atriz vestida com os trajes, normalmente, utilizados por uma ialorixá, uma sacerdotisa ou chefe de um terreiro de alguma religião de matriz africana, o que significa dizer que, ali, o conceito de “mãe de santo” ultrapassa um arquétipo. Isso não foi surpresa, para mim, uma vez que, num determinado momento mais agudo da pandemia de COVID-19, tive a oportunidade de assistir a uma versão da peça “on-line”, com menor duração, já tendo gostado muito daquele experimento cênico virtual, que não era TEATRO. O foco recai sobre o particular das mulheres, de uma forma geral; suas tristezas, perdas, felicidades, medos, angústias e papéis importantes na sociedade, com um enfoque maior para um diferencial: mulheres negras.
BRUNO MARIOZZ, idealizador e produtor do espetáculo voltou-se para o projeto desta encenação em 2018, após, segundo ele, ter conhecido Mãe Celina de Xangô. Naquele momento, vislumbrou a possibilidade desta montagem, que traz, à cena, histórias de tantas mulheres que ele admira e que o inspiram e o orientam. “Este espetáculo é a expressão da minha felicidade, do meu compromisso, da minha fé”, afirma BRUNO.
Bruno Mariozz
(Foto: Jornal de Brasília.)
RENATA MIZRAHI, uma das melhores dramaturgas de sua
geração, foi de uma precisão cirúrgica, ao dar um formato dramatúrgico
aos textos que selecionou. São depoimentos narrativos, que ganharam um
excelente toque teatral, pelas mãos de RENATA. Ela os costurou,
transformando pedaços soltos, independentes, num todo, centrado num potente
eixo.
Renata Mizrahi
(Foto: Renato Mangolin.)
A direção do espetáculo
cabe a LUIZ ANTÔNIO PILAR, que, em momento algum, parece ter tido qualquer
preocupação com o seu protagonismo e faz um trabalho bem simples,
descomplicado, sem “invenção da roda”. Com relevantes trabalhos
de direção no TEATRO, no cinema e na TV, foi ele,
também, quem dirigiu a versão digital da peça e parece que procurou
repetir, dentro do possível, as marcações do que foi filmado naquilo que se dá no
palco. Fez a sua leitura do texto e a entrega, ao público, com a maior
honestidade e competência.
Luiz Antônio Pilar
(Foto: Autoria desconhecida.)
Fiquei com a impressão de que a direção
“soltou bem as rédeas” da atriz, dando-lhe bastante liberdade,
em sua interpretação. Tenho quase que certeza de que foi assim que se
desenvolveu todo o processo de construção da montagem, considerando-se o
grau de naturalidade demonstrado por VILMA MELO, da primeira à ultima
cena. O que, também, me leva a pensar dessa maneira é o fato de PILAR
ter total consciência do material humano à mão. VILMA é uma das
nossas melhores atrizes, das mais completas, em qualquer que seja a mídia.
No momento, protagoniza uma série de TV, “ENCANTADO’S”,
com onze episódios, os quais “maratonei” em dois dias. E a
segunda temporada já tem data para o início de suas gravações. Atriz das
mais premiadas, VILMA reúne incomensuráveis recursos técnicos e muita
sensibilidade, para compor suas personagens. Seu brilho interior é
projetado, para a cena, como se um sol invadisse o palco. É muito comovente seu
trabalho - sua entrega, sua visceralidade -, merecedor de muitos aplausos. Faz rir e faz chorar, sem nenhuma
apelação nem exagero. Além de tudo, é dona de um carisma enorme e, ainda, nos
proporciona alguns momentos de um prazer diferente, quando entoa trechos de
algumas canções. Sua presença, no palco, apenas isso, já valeria a ida ao
Teatro.
Foi mantida a cenografia da
versão “on-line”, acrescida de um detalhe que faz toda a
diferença e é algo que jamais será esquecido pelos espectadores. Estou falando
de uma belíssima e icônica instalação cenográfica, que ocupa o fundo e as laterais do palco,
composta por dezenas de turbantes, os quais, pela quantidade exposta, remontam
à pluralidade das “mães de santo” e prendem a atenção do espectador,
quando recebem uma linda iluminação, parte do correto desenho de luz,
de ANDERSON RATTO. A direção de arte é assinada por CLIVIA
COHEN e a já mencionada simbólica instalação foi criada por RENATA
MOTA.
(Foto: Gilberto Bartholo.)
WLADIMIR PINHEIRO nos brinda com uma excelente trilha
sonora e VILSON ALMEIDA, com uma ótima sonoplastia. As canções
e os ruídos são totalmente necessários e ajustados às cenas. A parte sonora
do espetáculo, excetuando-se, obviamente, o que é dito, a palavra, o
verbo, concede, à montagem, bastante dinamismo.
VILMA se apresenta plena, em beleza
física, para o que conta bastante o trabalho de visagismo, criado pelo ESTÚDIO
BELEZURA, com destaque para o penteado da atriz, que lhe concede um
ar de realeza. Na FICHA TÉCNICA, não consta, especificamente, o nome de
alguém responsável pelo figurino, porém ele está contido na direção de
arte; ou seja, o mérito é de CLIVIA COHEN. Além de lindo, o traje é,
de certa, forma, desconstruído, ao longo do espetáculo, para que duas de suas
peças ganhem uma outra função, no corpo da atriz, para a criação de personagens.
FICHA TÉCNICA:
Argumento: Helena Theodoro
Dramaturgia: Renata Mizrahi
Direção: Luiz Antônio Pilar
Assistência de direção: Ruth Alves
Atuação: Vilma Melo
Direção de Arte: Clivia Cohen
Instalação de Turbantes: Renata Mota
Iluminação: Anderson Ratto
Trilha Sonora: Wladimir Pinheiro
Sonoplastia: Vilson Almeida
Visagismo: Estúdio Belezura
Direção de Fotografia: Daniel Leite
Fotos: Lapilar Produções e Valmyr Ferreira
Programação Visual: Patrícia Clarkson
“Design” Gráfico e Comunicação: Rafael Prevot
Assistente de Mídias Sociais: Natasha Arsenio
Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa
Direção de Produção: Bruno Mariozz
Produção e Idealização: Palavra Z Produções Culturais
SERVIÇO:
Temporada: De 25 de novembro a 18 de dezembro de 2022.
Local: Teatro Laura Alvim (Casa de Cultura Laura Alvim).
Endereço: Avenida Vieira Souto, nº 176, Ipanema, Rio de
Janeiro.
Telefone: (21)2332-2016.
Dias e Horários: Sextas- feiras e sábados, às 20h;
domingos, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00(meia
entrada).
Duração: 45 minutos.
Classificação Indicativa: 12 anos.
Capacidade: 190 lugares.
Gênero: Monólogo
“MÃE DE SANTO” é um espetáculo que qualquer
pessoa com um mínimo de conhecimento do que seja o TEATRO de boa qualidade ou dotada de bom gosto e apurada sensibilidade recomendaria. É muito
importante este registro teatral, porque ele “reposiciona o lugar da mulher negra na
sociedade, mas, sobretudo, enaltece o poder de matrigestão que essas mulheres
exercem, dentro e fora de seus terreiros”. Não há quem deixe o Teatro Laura Alvim
de outra forma, que não seja feliz e satisfeito(a) com o que viu.
FOTOS: LAPILAR PRODUÇÕES
e
VALMYR FERREIRA.
GALERIA PARTICULAR
(Fotos: Mariana Rodriguez.)
Com Bruno Mariozz.
Com Vilma Melo (1).
Com Vilma Melo (2).
VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
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O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
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