“A FLOR DO MEU
BEM-QUERER”
ou
(POLÍTICA POR DEBAIXO DOS PANOS.)
ou
(POLÍTICA “À BRASILEIRA”.)
ou
(UM MARTINS PENA DO SÉCULO XXI?)
Espero que não considerem nenhum absurdo
ou “heresia” eu afirmar que Martins Pena, dramaturgo, diplomata e introdutor da COMÉDIA de costumes no Brasil, que viveu no século XIX, possa ser
considerado o "Molière brasileiro", visto que sua vasta obra caracterizou, pioneiramente,
com muita ironia e humor inteligente, as graças e desventuras da sociedade brasileira e
de suas instituições, principalmente a Igreja Católica, e os políticos.
Sem qualquer cabotinismo, posso dizer que conheço, com uma boa profundidade, a
obra desse grande dramaturgo, quase 30 peças, dentre COMÉDIAS, sátiras, farsas e dramas (Nestes, era considerado “fraco”.),
fruto de um excelente curso que fiz, com uma das maiores conhecedoras do
seu acervo dramatúrgico, a Professora Maria José da Trindade
Negrão, grande mestra, durante a minha formação em Letras,
na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Martins Pena
fundou uma variante da COMÉDIA, a “COMÉDIA de costumes”,
nas quais retratava, como um crítico ferino, o caráter do brasileiro da
época, com a maior fidedignidade. Muitas de suas peças apresentavam
situações de pouca verossimilhança e coerência, porém, “ainda assim,
construiu muitas passagens de grande vivacidade e situações surpreendentes e é
constantemente elogiado pela espontaneidade dos diálogos e pela perspicácia no
registro dos costumes brasileiros, mesmo que quase sempre satirizados”.
Aprendi, com Dona Maria José, que, sem nenhum exagero, na extremíssima
hipótese de que um cataclisma acabasse com a vida na Terra, mas,
por um acaso, a obra de Martins Pena tivesse sido preservada, num
“bunker”, se o planeta voltasse a ser habitado e esses textos
fossem resgatados, seria possível se chegar a uma ideia de como era a vida, no Rio
de Janeiro, a sua sociedade, apenas tomando por base os costumes
retratados nas peças do consagrado autor, consideradas, por
alguns, verdadeiros “tratados sociológicos”, o que considero um
certo exagero.
Mas por que essa introdução, para se
escrever uma crítica sobre uma COMÉDIA, excelente, diga-se de
passagem, escrita no século XXI? Simplesmente porque JUCA DE OLIVEIRA,
em “A FLOR DO MEU BEM-QUERER”, parece ter bebido na mesma fonte que
inspirou o Pena, ou teve este como modelo, guardadas as devidas
proporções. Martins Pena, nas COMÉDIAS urbanas, costumava,
com muita sátira e ironia, construir tipos maliciosos e escrever
sobre temas que representavam muitos dos problemas da época, como o casamento
por interesse, a carestia, a exploração do sentimento religioso, a
desonestidade dos comerciantes, a corrupção das
autoridades públicas, o contrabando de escravos, a exploração do país,
por estrangeiros, e o autoritarismo patriarcal, manifesto tanto na escolha de
profissão para os filhos quanto de marido para as filhas, por exemplo. E o que
faz JUCA DE OLIVEIRA aqui?
“A FLOR DO MEU BEM-QUERER” também
é uma COMÉDIA de costumes, farta em quiprocós (Do latim
“quid pro quo”, que significa “tomar uma coisa por outra”
e que, em português e demais línguas latinas, tem o sentido de “confusão”
ou “engano”.), a qual aborda, de forma bastante realista,
as fraquezas do ser humano e os conluios de um político corrupto,
além de pôr em relevo os inconcebíveis contrastes entre classes sociais,
utilizando-se de jogo de intrigas, criados dentro da construção de uma magnífica
carpintaria teatral, capaz de despertar e prender atenção do público, de
todas as idades, provocando-lhe uma sucessão de gargalhadas, as quais geram, a
meu juízo, uma fantástica catarse. Todos riem muito e deixam o Teatro
Renaissence (VER SERVIÇO), se não com a alma lavada, pelo menos com o “fígado
desopilado”. O “bandido” corrupto leva uma lição,
mas ainda é pouco, pelo que merecia, de fato.
A peça foi montada, pela primeira
vez, em 2003 e teve temporada de muito sucesso, no antigo Teatro
Cultura Artística. Quase vinte anos depois, ela volta ao cartaz, sendo
que o autor do texto a reescreveu, com todas as atualizações pertinentes
aos dias de hoje, pensando em “cutucar com vara curta” aqueles
aos quais “cabe a carapuça”, e arrancar muitas risadas do público,
o que consegue facilmente, muito embora, ainda que achemos engraçadas as
piadas, as críticas e as situações de corrupção, que flutuam, no ar, durante
os 80 minutos de duração do espetáculo, sabemos que o cerne de
tudo aquilo se trata de um problema muito sério.
SINOPSE:
Nhô Roque (JUCA
DE OLIVEIRA), casado com Dos Anjos (ROSI CAMPOS), é
um colono da Fazenda Bem-Querer. Ele vive o drama da afilhada, Flor
(NATALLIA RODRIGUES), que engravida do Senador Zé Otávio (LÉO
STEFANINI), com poucas perspectivas de que o filho seja
reconhecido pelo pai.
A Fazenda
Bem-Querer, de propriedade do Senador, é vendida e eles têm que
sair de lá, como tantas outras famílias de colonos, por imposição da esposa do novo
proprietário, o que é, em si, uma enorme tragédia.
Dos Anjos, como mulher responsável por Flor, potencializa os
problemas de Nhô Roque, porque o drama da afilhada a atinge com
mais força. O despejo da fazenda é a morte para ela.
Flor concebeu um filho, que "não terá pai", arrependeu-se e sofre a discriminação de mãe solteira, num mundo rural, ainda conservador. O que fará com o menino, sem um teto e sem qualquer trabalho para alimentá-lo? Gosta de Jacinto (JÚLIO OLIVEIRA).
Jacinto é
apaixonado por Flor, mas vive o drama da aceitação. Tem medo de que
a diferença de cultura entre ambos inviabilize a relação. Concebe um filho
com Flor, tem a prova de que o filho é seu, mas sua insegurança o
leva a vacilar e adulterar o exame de paternidade, para fugir à
responsabilidade.
O Senador Zé
Otávio está numa campanha à Presidência da República,
com sérios problemas. Com o dinheiro congelado na Suíça, tem
poucas chances de realizar uma boa publicidade e, por isso, é compelido a
vender a fazenda da família, para fazer caixa. Além disso, preocupa-se com a
indiscrição de suas namoradas.
Vanessa (BRUNA
MIGLIORANZA), uma de suas conquistas, gasta o dinheiro que lhe
resta e se constitui numa ameaça, caso o namoro venha a público.
Tati (voz de ÂNGELA
DIPPE), a secretária, é discreta, mas pode desandar.
Chico Lima (FÁBIO
HERFORD), assessor de Zé Otávio, seu braço
direito, estudou em Harvard, preparou-se para a vida
profissional, no entanto tem de se submeter ao autoritarismo megalomaníaco de
um homem insensível e corrupto. Ama Vanessa, em silêncio, já
que ela vive sob a proteção financeira de Zé Otávio.
Vanessa é aviltada, na sua relação de amante do Senador, mantém um
caso clandestino com Chico Lima, sem coragem para assumir, e quase
morre degolada no elevador do comitê.
Enfim, todos
em crise, sem nenhuma razão para o riso, para a brincadeira. Todos estão
amarrados às suas ansiedades e angústias. A situação é que tudo é muito paradoxal e,
portanto, muito engraçado.
Penso que a SINOPSE supra e as informações
contidas nos dois primeiros parágrafos desta crítica justificam
seus três subtítulos. Também nem seria necessário dizer o quanto essa
temática é atual, há três dias de uma eleição para a Presidência do país,
quando a estou escrevendo, um momento tão conturbado, tenso e perigoso, fruto
de uma extremas polarização e polemização, quando os dois candidatos que lideram as
pesquisas de votos se agridem, mutuamente, e, todos os dias, explodem escândalos
de corrupção, principalmente ligados ao candidato que disputa a reeleição,
e as chamadas “fake news”, um “câncer” da vida
moderna. O momento não seria mais oportuno para a reencenação deste excelente
texto, devidamente reescrito, com muitas pinceladas de contemporaneidade,
incluindo nomes de figuras públicas da política brasileira atual, que estão
presentes no dia a dia dos noticiários, em todas as mídias.
Um detalhe que muito me
chamou a atenção, no texto, que eu já conhecia, mas dele não me lembrava
muito bem, detalhe este já mencionado acima, a questão dos quiprocós, é
que, assim como Martins Pena, JUCA DE OLIVEIRA, com grande
maestria, consegue, com eles, fazer com que a narrativa “siga num
crescendo”, muito bem estruturado, situações tecidas, fio a fio, numa
rica trama, capaz de prender, cada vez mais o espectador ao palco.
Isso tudo é feito de uma forma leve e descontraída, com piadas que
funcionam muito bem – todas elas -, e, talvez, seja o motivo maior do sucesso,
de público e de crítica do espetáculo, que já fez temporada em outro
Teatro de São Paulo, este ano, e continua lotando o
Teatro Renaisssence, até mesmo com uma possibilidade de mais uma
prorrogação da atual. Oxalá os Deuses do TEATRO o permitam!
JUCA reúne, num mesmo palco, em dois
ambientes diferentes, duas realidades díspares; ou seja, o universo
sertanejo, de uma simples família caipira e o “glamour” da
riqueza, associada à corrupção, representada pelo poder de um Senador
da República. Há ou não total verossimilhança nisso? A solução, para
essa concepção, em termos cenográficos foi muito bem encontrada. Num
lado do palco, foi construída uma cozinha de uma habitação humilde,
da casa de um caboclo sertanejo, o cômodo mais importante desse tipo de
habitação, onde as pessoas se reúnem, em volta de um fogão a lenha, para “prosear”,
com ricos detalhes de móveis, peças e objetos cênicos, num excelente trabalho de
direção de arte. No lado oposto do palco, fica a sala onde funciona o
comitê de campanha do Senador, da mesma forma, com detalhes bem
realistas. Quase ao final da peça, este segundo espaço se transforma num
prolongamento da casa do colono. O cenário é uma obra a seis mãos,
assinado por LÉO STEFANINI, JANNE SAVIANI e WIL SIQUEIRA.
(Foto: Gilberto Bartholo.)
ISABELLA OLIVEIRA desenhou figurinos bem
ajustados aos personagens, deixando bem em destaque o contraste entre a
maneira de se vestir dos mais simples e dos mais
sofisticados.
A iluminação, a cargo de CLEBER ELI, não apresenta
nenhum detalhe que chame muito a atenção, porém faz-se necessário dizer que a luz
se adéqua a cada momento da narrativa, a cada exigência das cenas.
Há uma trilha sonora, de responsabilidade de ROBERTO
LAZZARINI, que embala alguns momentos da peça de forma “redonda”,
obedecendo a uma certa conveniência.
Para encerrar estas considerações, passemos a uma avaliação
do elenco da peça. O termo “avaliação” pode soar muito didático
e solene, ou como se eu me considerasse o “dono da verdade”, o
que faço questão de negar. Mas não se trata disso e, sim, de uma opinião que tenho
sobre o trabalho de cada um ator ou atriz do elenco, muito
bem encabeçado por dois dos maiores nomes do TEATRO BRASILEIRO: JUCA
DE OLIVEIRA e ROSI CAMPOS. É comovente ver em ação, um homem de 87
anos, com o peso da idade, é óbvio, porém defendendo seu personagem da
forma mais digna e com total competência. JUCA é um baluarte, não só do TEATRO como também da TV e do cinema. Seu currículo é extenso, como ator, diretor,
dramaturgo e sei lá mais o quê. JUCA é um “HOMEM DO TEATRO”,
um ator completo, que é aquele que consegue interpretar bem papéis dramáticos e
cômicos. Aqui, seu personagem é o que mais utiliza seu direito à voz para "disparar
sua metralhadora de ironias para todos os lados". E como o faz bem! Como lhe
agradeço, pelas gargalhadas que provocou em mim!
Com sua personagem, Dos Anjos, ROSI CAMPOS
nos presenteia com um belo trabalho de interpretação, “batendo um bolão”
com JUCA, comprovando, mais uma vez, em sua longa carreira de sucesso,
sua vocação para pisar, com propriedade, as tábuas, ambos, ela e JUCA,
demonstrando uma excelente “química”, com muita cumplicidade
no palco.
(Foto Ruvin Singal.)
LÉO STEFANINI assimilou, por meio de muita observação,
é claro, tudo o que de “podre” existe na figura de um político
corrupto, cafajeste, cínico, mentiroso, prevaricador,
“que quer levar vantagem em tudo” e, por isso mesmo, seu
trabalho de ator é excelente. Achei curioso, mas o texto contribui para isso, o fato de o público não reagir negativamente, contra o personagem.
COMÉDIA explica tudo. LÉO faz com que o Senador Zé Otávio “pareça
inofensivo”, como o era Odorico Paraguaçu, OBRA-PRIMA
de composição de personagem do inesquecível Paulo Gracindo.
FÁBIO
HERFORD não poderia estar melhor na figura do “capacho”
– até a página 5 – do Senador, compactuando com suas trapaças,
acobertando-as e facilitando-as, porque lhe era conveniente, não perdendo a
oportunidade de “colher as migalhas que o Senador deixa cair no chão”.
Que o diga VANESSA, a personagem de BRUNA MIGLIORANZA, a
amante – uma das – de Zé Otávio, com quem Chico Lima tinha
um caso, às ocultas. Muito bom o trabalho de ambos: FÁBIO, pelo
que já comentei, e BRUNA por vestir a pele de uma mulher consumidora,
fútil, exploradora, frívola e, até certo ponto, vulgar, interessada,
unicamente, nas “mordomias” que o Senador lhe proporciona,
em troca de prazeres na cama.
NATALLIA
RODRIGUES encarna, muito bem, o papel da jovem do interior,
criada pelos padrinhos, aparentemente ingênua, quando isso lhe é favorável, porém
conhecedora dos prazeres da carne, a ponto de não saber quem era o pai de seu
filho, de nome tão “exótico”: Israel Rodolfo.
Para
completar o elenco, JÚLIO OLIVEIRA, um jovem e talentoso ator,
cuja carreira acompanho desde seus primórdios, que entrou, na formação do atual,
com muita garra e disposição. Seu Jacinto rouba a cena, com uma
confidência, no final da peça, que surpreende a plateia. JÚLIO
“entrou em campo aos 44 minutos e meio do segundo tempo”, e conseguiu
se manter dentro do nivelamento positivo de seus colegas de cena.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Juca de Oliveira
Direção: Léo Stefanini
Diretor Assistente: Maurício Guilherme
Elenco: Juca de
Oliveira (Nhô Roque), Rosi Campos (Dos Anjos), Léo Stefanini (Senador Zé
Otávio), Fábio Herford (Chico Lima), Bruna Miglioranza (Vanessa), Natallia
Rodrigues (Flor), Júlio de Oliveira: (Jacinto) e Ângela Dippe (Tati –
secretária do Senador – voz em “off”)
Cenário: Léo Stefanini, Janne Saviani e Wil Siqueira
Cenotécnicos: Wil Siqueira e Rafael Junqueira
Figurino: Isabella Oliveira
Iluminação: Cleber Eli
Trilha Sonora: Roberto Lazzarini
Fotografia: João Caldas Fº
Assistente de Fotografia: Andréia Machado
Assessoria de Imprensa: Agência Taga
Direção de Produção: Keila Mégda Blascke
(Foto: Autor desconhecido.)
SERVIÇO:
Temporada: De 06 de agosto a 30 de outubro de 2022.
Local: Teatro Renaisssence.
Endereço: Alameda Santos, nº 2233 – Jardim Paulista -
São Paulo – SP. (Próximo à Biblioteca Mário de Andrade.).
Dias e Horários: Sextas-feiras, às 21h; sábados, às
19h; domingos, às 17h.
Valor dos Ingressos: Sextas-feiras e domingos =
R$120,00; sábados = R$140,00.
Duração: 80 minutos.
Capacidade: 448 lugares.
Classificação Etária: 14 anos.
Gênero: COMÉDIA.
(Foto: Ruvin Singal.)
Adorei o
espetáculo e o recomendo, com empenho, pelo conjunto da obra. Todos
os elementos de criação são perfeitos, direção e elenco excelentes e, ainda por
cima, o enorme prazer de ver atuando, repito, aos 87 anos, com seu inesgotável
talento, um ator do nível de JUCA DE OLIVEIRA, esbanjando “saber
teatral” e profissionalismo. Oxalá ainda possamos vê-lo, por muitos
anos mais, em atividade!!! Para encerrar, devo acrescentar que fiquei muito
emocionado com a homenagem, mais que merecida, que lhe foi prestada, no último
dia 21, durante a cerimônia do “Prêmio Bibi Ferreira”, em São Paulo.
(foto: Ruvin Singal.)
Salve o SENHOR JUCA DE OLIVEIRA!!!
(Foto: Ruvin Singal.)
FOTOS: JOÃO CALDAS Fº
(Oficiais)
GALERIA PARTICULAR:
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
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TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
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