sexta-feira, 3 de junho de 2022

 

“HERIVELTO

COMO 

CONHECI”

ou

(VOCÊ SABE

O QUE É

“DOR DE

COTOVELO”?)


 



        Você sabe o que significa ter ou estar com “dor de cotovelo”? Essa expressão surgiu com um sentido, que não vale a pena ser explicado, porém seu significado evoluiu para como hoje é aplicada. É comum utilizar a expressão para designar o despeito provocado pelo ciúme ou a tristeza causada por uma decepção amorosa. Muitos atribuem o atual sentido a um dos grandes compositores brasileiros, Lupiscínio Rodrigues, por conta das letras de seus muitos sucessos. Mas não é dele que o espetáculo aqui analisado trata, e sim de HERIVELTO MARTINS. Mas também podemos encontrar muita relação entre a tal expressão e a obra desse outro grande compositor.


(Capa do livro que deu origem à peça.)

        

      HERIVELTO foi um um grande artista, um dos maiores compositores brasileirosalém, também, de cantor, músico e ator. Ficou conhecido como criador do célebre conjunto vocal "Trio de Ouro", que, durante as primeiras décadas do século passado, foi um dos mais importantes grupos vocais brasileiros. Suas canções já foram regravadas por diversos artistas, dos mais variados estilos musicais, sendo sua obra considerada uma das mais importantes da época de ouro da MPB.



(Foto: Autor desconhecido.)


 Em 1935, conheceu a grande cantora Dalva de Oliveira e passaram a cantar em dueto. Iniciaram um namoro e, no ano seguinte, uma convivência conjugal, oficializada em 1937, que durou até 1947, quando as constantes brigas e traições da parte dele deram fim ao casamento (É o que dizem.). Em 1949, depois da separação oficial do casal e o fim da primeira formação do "Trio de Ouro"HERIVELTO e Dalva iniciaram uma discussão, inclusive através das composições que gravaram, bastante explorada pelos jornais e revistas da época. Depois de uma pequena turnê, na Venezuela, HERIVELTO saiu de casa, e tirou, de Dalva, a guarda dos filhos, Pery e Ubiratan, mandando-os para um internato. A separação do casal não foi uma brisa de um fim de tarde de outuno; foi um furacão, destruidor e que deixou muita mágoa, dor e sofrimento. Um bom legado, porém, ficou desse triste fato: uma “briga musical”, que rendeu verdadeiras “pérolas” da MPB, as quais foram apelidadas de “canções de guerra”, de um para o outro. HERIVELTO compunha, e lançava, uma canção, em cuja letra provocava Dalva, e esta, por sua vez, pedia a compositores famosos que compusessem outra, “dando o troco” ao “ex-marido”. E assim por diante, sem que se saiba – eu, pelo menos, não fui pesquisar – quem deu a “primeira estocada”, o que pouco importa.



  Mas não é para falar de HERIVELTO e Dalva que estou aqui, e sim para analisar uma excelente peça musical, que trata de um grande amor, que durou 38 anos, entre ele e Lurdes Nura Torelly. Eles se conheceram, num voo de avião, ela trabalhando como aeromoça. Em 1946, começaram a namorar. Ela era uma mulher desquitada, que tinha um filho do primeiro casamento. Trabalhava fora, e como aeromoça! Um vedadeiro “absurdo”, um “escândalo”, para os padrões de moral, estabelecidos pela sociedade da época. Em 1952, o casal passou a viver juntos, tendo oficializado a união em 1978. HERIVELTO e Lurdes geraram três filhos: Fernando José, já falecido, YAÇANÃ MARTINS e Herivelto Filho, além de ele criar o filho de Lurdes como seu. O casamento durou 38 anos, até a morte de Lurdes, em 1990.




  Esses e outros dados biográficos são ditos, em “off”, na voz da grande atriz Irene Ravache, assim que começa o espetáculo, e não vale a pena a sua revelação aqui, mas é bom, também dizer que, antes de Dalva de Oliveira, a quem seu nome é sempre atrelado, HERIVELTO fora casado com Maria Aparecida Pereira de Mello, que conheceu no início da década de 30 e com quem teve os filhos Hélcio Pereira Martins e Hélio Pereira Martins, numa convivência que durou, aproximadamente, cinco anos. Que rapaz “casadouro”, ou “casadoiro”, para os irmãos portugueses, esse “rapaz”, ou “gajo”, idem!



(Foto: Regina Cavalcanti.)



 SINOPSE:

Com a direção, há dez anos, de CLAUDIO BOTELHO, numa versão anterior, essa linda história de amor, é contada, e cantada, em prosa e verso, agora dirigida por RUBEN GABIRA e CLAUDIA NETTO, na direção geral.

Assim é o espetáculo “HERIVELTO COMO CONHECI”, que revela detalhes do romance entre o músico e compositor HERIVELTO MARTINS e sua segunda esposa, Lurdes Torelly, através de cartas e telegramas, trocados entre os dois, no período entre 1947 e 1949.  

Em cena, TOTIA MEIRELES dá voz às inesquecíveis composições de HERIVELTO, além de interpretar situações e ler trechos dessas belas cartas de amor e telegramas, trocados entre eles. 

Um espetáculo delicado e comovente.

 

 



           Este espetáculo já foi encenado, em 2012, no, então, Theatro NET Rio, hoje CLARO (Para mim, será sempre NET.), no Rio de Janeiro, e dois anos depois, em São Paulo, pela estrelíssima Marília Pêra, sob direção de CLAUDIO BOTELHO. A temporada carioca foi curta, porém de grande sucesso. Assisti a ele, creio eu, três ou quatro vezes. Uma maravilha, que também arrancou muitos aplausos dos portugueses, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa.


(Foto: Gilberto Bartholo.)


         Neste ano de 2022, quando seriam comemorados, se vivo fosse, os 110 anos de HERIVELTO e 30 de seu falecimento, em 1992, coube a uma das maiores estrelas dos musicais brasileiros, a grande “cantriz” TOTIA MEIRELES, subir ao palco, a convite, para prestar, novamente, esta justíssima homenagem a HERIVELTO MARTINS. A peça foi escrita por CACAU HYGINO, baseado na obra com o mesmo título do espetáculo, lançada em 2010, de autoria de CACAU e YAÇANÃ MARTINS, numa excelente adaptação para as tábuas. Muitas das informações aqui contidas, acerca da proposta e execução do espetáculo, chegaram-me às mãos por meio de um “release”, que recebi da assessoria de imprensa (JULYANA CALDAS) e do diretor de produção, JOAQUIM VIDAL.


(Foto: Gilberto Bartholo.)


 Extraído do mencionado “release”: “Lurdes, aeromoça, de família gaúcha tradicional, desquitada, conheceu HERIVELTO a bordo de um avião. Foi amor à primeira vista. Ela, no entanto, fez de tudo para não ceder aos seus encantos. Mas não conseguiu. Em meio a tantas cartas de amor, a relação entre eles durou 40 anos (38 de casamento) e só terminou com a morte de Lurdes. Aliás, seu desejo era que as correspondências fossem queimadas, mas sua filha, YAÇANÃ MARTINS, não teve coragem de destruir aquelas declarações de amor, que culminaram num livro e neste belo espetáculo. Passados dez anos da primeira montagem, e com a morte de Marília Pêra, CACAU HYGINO e YAÇANÃ MARTINS resolveram voltar com o espetáculo, só que, dessa vez, convidaram a atriz TOTIA MEIRELES, para levá-lo aos palcos.”.


(Foto: Gilberto Bartholo.)


  A história é contada pela atriz e pela personagem Lurdes, ora por uma, ora por outra, e, embora seja, oficialmente, um monólogo, há vários "diálogos" com HERIVELTO, com voz em “off”, evidentemente, gravada por CLAUDIO BOTELHO, sendo que, todas as vezes que “HERIVELTO entra em cena”, um foco de luz deixa em evidência um belíssimo porta-retratos, antigo, colocado sobre o piano, com uma foto do homenageado, “em pose de galã de cinema americano”.



  Tenho, sempre, “um pé atrás”, quando se trata de musicais biográficos, porque, via de regra, são muito mal desenvolvidos, o que, absolutamente, não é o caso deste, que é ótimo, quer pelo formato da adaptação, quer pela direção, quer pelo brilho de TOTIA.



  Além da “presença virtual” do homenageado, TOTIA está muito bem acompanhada por dois exímios musicistas: THIAGO TRAJANO (violão e bandolim), que também faz a ótima direção musical, e GUILHERME JESUS (piano e acordeão). Quando vi o musical, na última 4ª feira, 8 de junho de 2022, THIAGO foi muito bem substituído por ANDRÉ DANTAS.



(Foto: Regina Cavalcanti)

  Quem assistiu à versão de 2012, como eu, pode verificar algumas (boas) alterações nesta montagem. Ainda que tenha sido mantida a “espinha dorsal” da direção original, a atual coube a RUBEN GABIRA, com direção geral de CLAUDIA NETTO, os quais fazem um excelente trabalho, deixando, a meu juízo, a atriz mais “livre e solta”, em cena. Longe de mim a intenção de querer estabelecer qualquer comparação, até porque ambas, Marília e TOTIA são duas estrelas de primeira grandeza, porém água e azeite não se misturam. Acho as duas “pimentas”, cada uma com sua “picância”; enquanto Marília é mais “malagueta”, TOTIA é “dedo de moça”. Espero que tenham compreendido as metáforas.



  Interpretando ou cantando, TOTIA é um ímã, a atrair uma plateia inteira, feita de ferro. E lá estou eu a abusar das metáforas! Mas o que posso fazer, se elas me agradam muito, da mesma forma como me deixo, sempre, hipnotizar, me encantar, pelos trabalhos de TOTIA, muito aplaudida ao final de cada número musical, no espetáculo aqui analisado?



         E, já que entramos nesse assunto, devo dizer que a escolha do “set list” não poderia ter sido melhor e com a maior afinidade com a história contada. Cada canção entra na hora certa, a letra ligada a um determinado momento ou situação, ajudando, mais que ilustrando, a contar aquela linda história de amor.


(Foto: Instagram / Yaçanã Martins)


  Ele, o “set list” é este: “Dois Corações” (Quando dois corações se amam de verdade, / Não pode haver, no mundo, maior felicidade.), “PENSANDO EM TI” (Eu amanheço pensando em ti, / Eu anoiteço pensando em ti, / Eu não te esqueço, / É, dia e noite, pensando em ti. / Eu vejo a vida pela luz dos olhos teus. / Me deixa, ao menos, por favor, pensar em, Deus! / Nos cigarros que eu fumo, / Te vejo nas espirais. / Nos livros que eu tento ler, / Em cada frase, tu estás. / Nas orações que eu faço, / Eu encontro os olhos teus. / Me deixa, ao menos, por favor, pensar em Deus.), “A VIDA É BOA” (A vida é boa, meu bem, é boa, / Depende de a gente querer. / Se você chora, meu bem, à toa, / É porque não sabe viver.), “CULPE-ME” (Culpe-me! / E razão você tem, / Pois eu sei que errei. / Culpe-me! / Logo a você que eu fui enganar... / Cometi uma traição e lhe peço perdão. / Me condene, se quiser!), “CAMISOLA DO DIA” (A camisola que, um dia, / Guardou a minha alegria / Desbotou, perdeu a cor, / Abandonada no leito, / Que nunca mais foi desfeito / Pelas vigílias de amor.), “BOM DIA” (Num recurso derradeiro, / Corri até o banheiro / Pra te encontrar, / Que ironia! / E que erro tu cometeste! / Na toalha que esqueceste, / Estava escrito: "Bom dia!"), “CAROÁ”, “AMÉLIA NA PRAÇA ONZE”, “DESCULPA DE OCASIÃO”, “CABARÉ NO MORRO”, “ATIRASTE UMA PEDRA” (Atiraste uma pedra / No peito de quem / Só te fez tanto bem. / E quebraste um telhado, / Perdeste um abrigo, / Feriste um amigo. / Conseguiste magoar / Quem, das mágoas, te livrou. / Atiraste uma pedra / Com as mãos que essa boca, / Tantas vezes, beijou.), “CAMINHEMOS” (Não, eu não posso lembrar que te amei. / Não, eu preciso esquecer que sofri. / Faça de conta que o tempo passou / E que tudo, entre nós, terminou / E que a vida não continuou pra nós dois. / Caminhemos! Talvez nos vejamos depois.), “RECUSA” (A minha vida é uma vida / De mágoa, de dor e descrença / E eu sofro, ao sentir, na recusa, / Tamanha indiferença.), “SEGREDO” (Seu mal é comentar o passado. / Ninguém precisa saber / O que houve entre nós dois. / O peixe é pro fundo das redes. / Segredo é pra quatro paredes. / Não deixe que males pequeninos / Venham transtornar os nossos destinos! / O peixe é pro fundo das redes. / Segredo é pra quatro paredes. / Primeiro, é preciso julgar, / Pra, depois, condenar.), “IZAURA” (Ai, ai, ai Izaura! / Hoje, eu não posso ficar. / Se eu cair em teus braços, / Não há despertador / que me faça acordar.), “NEGA MANHOSA” (Deixei, embaixo do rádio, / Uma nota de cinquenta. / Vai à feira, joga no bicho, / Vê se te aguenta! / Economiza, olha o dia de amanhã! / Eu preciso do troco. / Domingo, tem jogo no Maracanã.), “A LAPA” (A Lapa está voltando a ser a Lapa. / A Lapa, confirmando a tradição. / A Lapa é o ponto maior do mapa / Do Distrito Federal. / Salve a Lapa!)  e “AVE MARIA DO MORRO” (Barracão de zinco / Sem telhado, sem pintura, / Lá no morro. / Barracão é bangalô. / Lá, não existe / Felicidade de arranha-céu, / Pois quem mora lá no morro / Já vive pertinho do céu. / Tem alvorada, tem passarada, alvorecer, / Sinfonia de pardais, / Anunciando o anoitecer. / E o morro inteiro, no fim do dia, / Reza uma prece / Ave Maria.).



   Creio não ser necessário fazer nenhum comentário elogioso ao texto, visto que já me referi a ele acima, assim como à ótima direção. Abordemos, então, os demais elementos da ficha técnica, a começar pela cenografia, de EDWARD MONTEIRO, simples e de muito bom gosto, limitando-se àquilo que seria uma espécie de escritório, ao centro/fundo do palco, com móveis de época, com destaque para um aparelho de rádio; nas laterais, um piano, à esquerda do palco, visto da plateia, sobre o qual há um já citado porta-retrato com uma foto de HERIVELTO; no lado oposto, bancos e instrumentos musicais, para o violonista. Ao fundo, uma cortina, de ponta a ponta do palco, em tecido brilhoso, que assimila todas as belas cores, oriundas da linda iluminação, de PAULO CESAR MEDEIROS. O belo figurino, único, usado por TOTIA é de MARIA ELVIRA MEIRELLES, que outra não é, que não a própria TOTIA. ERICK FIRMAMENTO assina um correto desenho de som, que nos permite ouvir, com perfeição, todos os sons que vêm do palco.



 Falar de TOTIA, como atriz e cantora, faz-me cair na redundância de dizer que se trata de uma das melhores “cantrizes” do TEATRO MUSICAL BRASILEIRO, que parece se superar, a cada novo trabalho. Já sabia que adoraria o espetáculo, porém confesso que ele superou todas as minhas ótimas expectativas, quase que por causa, totalmente, do trabalho de TOTIA MEIRELES, que demonstra muita segurança no que faz, do abrir ao fechar da cortina. Acho que vale a pena acrescentar, aqui, um detalhe que me faz admirar TOTIA mais ainda, a partir de agora. Refiro-me à sua coragem em aceitar o desafio de interpretar uma personagem que surgiu, no palco, especialmente adaptado, há dez anos, para uma diva, como Marília Pêra, que fez uma escola. Cada uma sendo ela própria, ambos os trabalhos são perfeitíssimos e nos encantam. Não há quem não saia do Teatro dos 4 que não elogie o trabalho de TOTIA. Testemunhei isso, durante bastante tempo, enquanto aguardava a querida amiga, para um abraço, guardado há mais de dois anos.     

 


 

FICHA TÉCNICA:

Baseado no livro “Herivelto Como Conheci”, de Cacau Hygino e Yaçanã Martins

Texto: Cacau Hygino

Direção: Ruben Gabira

Direção Geral: Claudia Netto

Direção Musical: Thiago Trajano

Cenário: Edward Monteiro

Figurino: Maria Elvira Meirelles

Desenho de Luz: Paulo César Medeiros

Desenho de Som: Erick Firmamento

Fotos: Cristina Granato

Assessoria de Imprensa: Julyana Caldas

Diretor de Produção: Joaquim Vidal

Realização: Calma Sumara Produção Artística

 

   


(Foto: Instagram / Yaçanã Martins:

Yaçanã Martins, Totia Meireles e Cacau Hygino.)


 

 

SERVIÇO:

Temporada: de 18 de maio a 16 de junho de 2022.

Local: Teatro dos 4.

Endereço: Rua Marquês de São Vicente, 52 (Shopping da Gávea), 2º piso – Gávea – Rio de Janeiro.

Tel: 2239-1095.

Dias e Horários: 4ªs e 5ªs feiras, às 17h.

Valor dos Ingressos: R$90,00 (inteira); R$45,00 (meia entrada).

Duração: 60 minutos.

Classificação: Livre.

Gênero: Musical.


 




         É claro que RECOMENDO, COM A MAIOR ÊNFASE, este espetáculo e gostaria muito de que a temporada fosse prorrogada e que, também, pudessem surgir outras, por sua excepcionalidade e desejo do público, o qual vem lotando o Teatro dos 4 e que merece assistir a bons espetáculos.


(Lurdes e Herivelto.)

(Foto: Instagram / Yaçanã Martins.)


         Nada melhor, para encerrar esta crítica, do que com uma frase de TOTIA MEIRELES, sobre “HERIVELTO COMO CONHECI”: “Uma história de amor, envolvida em belas músicas, mantém viva nossa sensibididade.”


(Foto: Regina Cavalcanti.)


(Foto: Regina Cavalcanti.)



FOTOS: CRISTINA GRANATO

 

GALERIA PARTICULAR:

 


 (Com a querida Totia Meireles.)





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