“ELES NÃO USAM
BLACK-TIE”
ou
(O “NÓS DO MORRO”
ESTÁ VIVO.)
ou
(TEATRO VERDADE
E ATEMPORAL.)
ou
(“AMADOR”
É A VOVOZINHA!)
Frequentei muito o Casarão, do Grupo
“NÓS DO MORRO”, no alto do Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro,
para assistir às montagens de TEATRO que lá se realizavam,
algumas das quais, depois, eram convidadas a vir para o asfalto, em temporadas
brilhantes, em Teatros de todo o Rio de Janeiro. Sempre adorei ir
lá, subindo e descendo de carro, sem medo algum, dobrando aquelas intermináveis
curvas, muito mais bonitas que as da Estrada de Santos. Sim, porque, lá
de cima, se tem, indiscutivelmente, o privilégio de admirar a mais bela paisagem
do Rio de Janeiro. Gostava de ir bem antes de os espetáculos
começarem. Eram sempre à noite, mas eu chegava no final da tarde, para admirar
o pôr do sol e ficar proseando e tomando uma “geladinha” com o
pessoal de lá. Que gente boa! Saudade de Guti Fraga e de
um batalhão de gente talentosa, que, hoje, muito merecidamente, faz sucesso, no
TEATRO, no cinema e na TV, e reconhecida pelo grande público, como Thiago
Martins, Roberta Rodrigues, Renan Monteiro,
Marcello Melo Jr., Babu Santana, Douglas
Silva, Darlan Cunha, Jonathan Azevedo, Leandro
Firmino, Jonathan Haagensen, Micael Borges,
Roberta Santiago, Sabrina Rosa, Cintia Rosa, Mart Sheila, Juan Paiva e
tantos outros.
Mas isso faz um bom tempo, porque, depois que a violência se
tornou mais robusta, nas favelas cariocas (Recuso-me a utilizar o termo “comunidades”.),
temi voltar lá, embora o Morro do Vidigal, pelo que sei, e constatei, na
última vez em que lá estive, no dia 25 próximo passado (março de 2022),
seja um lugar tranquilo de se ir, se bem que não subi tanto, já que eles estão
utilizando, para as apresentações, um lugar chamado de “Teatro do Vidigal”,
mais conhecido, carinhosamente, como “Teatrinho”, bem mais embaixo da
sede do “NÓS DO MORRO”. Fui, confesso, com bastante receio, embora já
tivesse sido informado, por amigos, que não haveria perigo nenhum. Perigo há,
sim, de uma colisão com as dezenas e dezenas de motocicletas, utilizadas pelos “motoboys”,
importantíssimos para o transporte dos que lá residem. (RISOS.)
Fui
para assistir a uma montagem, dirigida por JOÃO VELHO, com atores
e atrizes “amadores”, de um clássico da dramaturgia
nacional, “ELES NÃO USAM BLACK-TIE”, do inesquecível grande ator
e dramaturgo, GIANFRANCESCO GUARNIERI, um texto de 1958,
mas que continua muito atual, visto que se trata de uma peça teatral de
cunho sociopolítico. Na sua primeira montagem, encenada pelo emblemático Teatro de Arena, no mesmo ano em
que foi escrita, destacavam-se nomes que viriam a fazer parte da galeria dos
nossos grandes atores e atrizes, como, por exemplo, o próprio GUARNIERI,
além de DONA Lélia Abramo, DONA Miriam Mehler, SENHOR Milton Gonçalves e o SENHOR Flávio Migliaccio. A peça tem, como tema
central, a greve e a
vida operária, com preocupações e reflexões universais do ser humano.
Em 1981
foi realizada uma versão para o cinema, premiadíssima, no Brasil e no exterior, dirigida por Leon Hirszman e
protagonizada, também, por GUARNIERI, trazendo, no elenco, nomes
como os de DONA Fernanda Montenegro, SENHOR Milton Gonçalves, Carlos Alberto Riccelli, Bete Mendes e Flávio
Guarnieri, filho do autor do texto.
SINOPSE:
A peça tem, como tema principal, a luta dos operários,
para melhorias das condições de trabalho, na década de 50, pós-ditadura Vargas,
ambientando-se em um morro do Rio de Janeiro, onde os conflitos surgem a
partir da realidade de uma família operária e suas relações pessoais.
Um movimento
grevista se inicia numa empresa.
Um operário
está preocupado com sua namorada, que engravidou, e eles decidem se casar.
Para não
perder o emprego, ele resolve furar a greve, que é liderada por seu pai,
iniciando um conflito familiar que se estende às assembleias e piquetes.
O Grupo
“NÓS DO MORRO” surgiu em 1986, a partir da parceria de
alguns artistas que moravam no Morro do Vidigal, como Guti Fraga,
principal idealizador do Grupo, Fernando Mello da Costa,
saudoso e querido amigo, Luiz Paulo Corrêa e Fred Pinheiro,
com moradores da área, considerada como favela, situada na encosta do Morro
do Vidigal. A missão do Grupo é “dar acesso à arte e cultura a todos
que não a têm, através de oficinas de formação artística”. A proposta inicial
era um TEATRO feito “da comunidade para a comunidade”. Assim,
as peças desse período abordavam temas que refletiam a realidade dos
moradores, com o objetivo de formar uma plateia local. “Fundado para oferecer formação
técnica a jovens da comunidade do Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, o Grupo,
dirigido por Guti Fraga alterna a montagem de textos clássicos e criações
coletivas.”.
A qualidade do trabalho do Grupo é tão grande e
reconhecida, que, em 2006, o “NÓS DO MORRO” foi convidado a se
apresentar no “Festival Internacional de
Stratford-Upon-Avon”, vilarejo natal
de Shakespeare, com “Os Dois Cavalheiros de Verona”,
com direção de Guti Fraga, “comemorando 20 anos de
existência”. O “NÓS DO MORRO” reúne, hoje, mais de 50 pessoas,
entre diretores, atores, técnicos, autores e colaboradores,
em diversas áreas.
Mas falemos
do “NÓS DO MORRO” de hoje e de sua mais recente produção, a montagem,
como já foi dito, de “ELES NÃO USAM BLACK-TIE”, que encerrou uma curta
temporada no último domingo (27 de março de 2022). Assisti à
antepenúltima sessão, o que pode parecer não fazer sentido a publicação de uma crítica,
que, além de uma avaliação da obra, via de regra, serve para divulgá-la,
quando ela o merece, o que é o caso desta, entretanto dois são os
motivos que me levaram a me debruçar sobre um teclado de computador e escrever
este texto, além, obviamente de ter gostado da montagem: o primeiro é o
desejo de deixar o registro de uma crítica sobre ela (Não sei se haverá
outras.) e o segundo é porque há uma possibilidade de que a peça vá, como aconteceu
em tantas outras vezes anteriores, descer o Morro para ocupar um Teatro
da zona sul da cidade. E que os DEUSES DO TEATRO ajudem nessa
empreitada, que é um grande sonho daqueles atores e atrizes, os quais são “amadores”,
não pelo fato de não terem – acredito que todos, mas não tenho certeza, além de
JOÃO VELHO, que dirige o espetáculo e nele atua -
uma formação e uma atuação profissional, mas porque amam o que fazem –
e fazem-no muito bem -, como se profissionais fossem. “Amadores”, aqui,
entra como sinônimo de “Amantes”, aqueles que amam alguém, alguma coisa ou o
que fazem, como registram os dicionérios. Sendo assim, afirmo que, neste
sentido, não vejo por que poupar-lhes o adjetivo: atores AMADORES, com todas as
maiúsculas.
Depois
de um longo período de pandemia de COVID-19, da mesma forma como atingiu a
todos, com as atividades artísticas suspensas, o “GRUPO DE TEATRO NÓS DO
MORRO” reabriu as portas do “Teatrinho do Vidigal”, para receber um
público ávido, como eu, pelo seu trabalho. E o fazem logo com um dos grandes clássicos da DRAMATURGIA BRASILEIRA, resultado do trabalho do diretor JOÃO
VELHO com a TURMA IC, apresentado na “19ª Mostra de Teatro Nós do
Morro”, em 2020, tendo que interromper sua trajetória, por conta da pandemia.
Esta
curta temporada, de 6ª feira a domingo, durante todo o mês de março (2022) serviu
para promover a revitalização do “Teatrinho” do “NÓS DO MORRO”,
idealizado e construído pelo grande cenógrafo e cofundador do Grupo,
FERNANDO MELLO DA COSTA (in memorian), um querido amigo
que eu e o “povo do TEATRO” perdemos, em 1919.
Esse primoroso texto marcou o
início do que se pode chamar de “o teatro novo brasileiro”. “Sua
narrativa, muito no estilo folhetim, consegue se comunicar com qualquer
plateia, transmitindo o compromisso entre clareza e profundidade, entre a razão
e o sentimento, essa tensão que se realiza numa síntese artística. A
experiência de gente que sofre os conflitos e as contradições sociais, a busca
por um espaço de participação política, o aumento do desemprego, o achatamento
dos salários, o autoritarismo dentro das fábricas, a revolta dos jovens, todos
esses problemas estão analisados na peça”. (Trecho extraído de um “release”
que me foi encaminhado por RAMAYANA REGIS, que também integra o elenco.
Nada mais, além disso, precisa ser escrito sobre esta magistral dramaturgia,
de GIANFRANCESCO GUARNIERI, um dos nomes mais representativos do TEATRO
BRASILEIRO, como autor, ator e diretor. Além de ter
marcado presença na TV e no cinema, numa longa carreira, escreveu, para o TEATRO,
além de “ELES NÃO USAM BLACK-TIE”, seu primeiro texto, algumas
outras obras-primas, como, por exemplo, “Gimba”, “A
Semente”, “O Filho do Cão”, “História de um Soldado”,
“Arena Conta Zumbi”, “Arena Conta Tiradentes”, “Animália”,
“Marta Saré”, “Castro Alves Pede Passagem”, “Botequim”,
“Um Grito Parado no Ar” e “Ponto de Partida”.
Qualquer texto de TEATRO,
por melhor que seja, pode se tornar “opaco”, se cai nas mãos de
um mau diretor, ou poder ganhar um brilho especial, se quem o dirige
consegue enxergar, nas entrelinhas, aquilo que, talvez, seja mais importante do
que o impresso, em papel, na forma de palavras e frases. JOÃO VELHO –
não sei se é sua primeira direção -, é um ator experiente e
versátil, um profissional de boa cepa, que soube mergulhar nas intenções do autor,
e trazer à tona o que ele queria que cada ator fizesse. E foi muito
feliz nessa direção.
NINO BATISTA e DROSA, que
também fazem parte do elenco, construíram uma cenografia bastante
fiel e realista, atentos aos mínimos detalhes do interior de um barracão, num
morro carioca. Quando a porta do “Teatrinho” se abre ao público e a
gente a transpõe, tem a impressão de estar adentrando um barraco de verdade.
Tendo sido um dos primeiros a me acomodar numa cadeira, na primeira fila, no
pequeno auditório, tive bastante tempo, até o início da peça, para correr
os olhos por todos os objetos e mínimos detalhes do cenário, uma humilde
sala, e tive a impressão de estar fazendo uma visita a alguém que morasse
naquele “cafofo”. Excelente trabalho da dupla!
O figurino, criado por EDER fERREIRA,
segue os padrões da condição social e da época em que se passa ação, de muito
bem gosto. EDER também se houve muito bem, em sua pesquisa e escolha das
peças que fazem parte dos figurinos de cada personagem. Outro
ótimo acerto!
Considerando a falta de recursos
técnicos para uma iluminação a que estamos acostumados a ver em Teatros,
louvo o trabalho de ZEZINHO DA LUZ, que, com poucos pontos de luz, “fez
um verdadeiro milagre”, conseguindo criar, propositalmente, uma iluminação
precária, como a de um barracão de uma favela, com destaque para a luz de
vela, muito bem utilizada, quando necessária. Ao fundo do cenário, à
frente de imagens, muitas velas acesas, o que caracteriza, religiosamente, os
habitantes daquele lar, a família. Sim, é uma casinha pobre, mas não deixa de
ser um lar, onde reinava o amor, a paz e a tranquilidade, até o momento em que
os conflitos vão surgindo e causando um estado de instabilidade familiar.
Todos os demais nomes que fazem parte da
ficha técnica “colocaram seu tijolinho no lugar certo”, “para
que a parede fosse erguida, com segurança, sem o risco de desmoronar”.
(Abusei das metáforas. RISOS.)
Esta montagem não é um bolo de
uma cereja só, mas reservei para o final os comentários acerca do elenco
e seu rendimento na montagem. Por ver os cinco atores e as cinco
atrizes, em cena, em atuações bastante satisfatórias, num trabalho bem
homogêneo, não sinto que caiba fazer algum destaque especial a alguém, embora
não consiga me conter em falar, brevemente, sobre três membros do elenco,
um pouco abaixo. É evidente que aqueles que interpretam os personagens
principais da trama reúnem condições para serem mais exigidos e, em função
disso, podem atrair mais a atenção e a "cobrança" de um espectador. Vez
por outra, notei um pequeno deslize, aqui ou ali, mas que considerei um “pecadinho
por excesso”, fruto da paixão como todos se entregam aos seus personagens.
Nada, absolutamente, que desabone qualquer atuação.
DROSA e MURILO IQUE, pai e
filho, respectivamente, na peça, os quais se opõem em posição com
relação à greve, se saem muito bem, principalmente nos diálogos em que o embate
verbal se faz presente.
LAURA CAMPOS BRAZ, às vezes, exagera um pouco, na emoção, porém isso é perfeitamente compreensível, já que sua personagem é de difícil interpretação, porque é obrigada a se dividir, no apoio ao marido e ao filho. Dosar a emoção é algo indispensável, para qualquer ator, na mesma proporção em que não é uma tarefa muito fácil. Fiquei bastante emocionado com sua DONA ROMANA.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Gianfrancesco Guarnieri
Direção: João Velho
ELENCO / PERSONAGEM (em ordem alfabética):
Drosa (Otávio)
Gleice Uchoa (Terezinha)
João Velho (João, irmão de Maria)
Laura Campos Braz (Dona Romana)
Luã Batista (Chiquinho)
Murilo Ique (Tião)
Nino Batista (Jesuíno e Juvêncio)
Pamela Alves (Bráulio)
Ramayana Regis (Maria)
Tatiane Melo (Dalva)
Cenografia: Nino Batista e Drosa
Figurino: Eder Ferreira
Iluminação: Zezinho da Luz
Operador de Som: Henrique Oliveira
Preparação Vocal: Isabel Schulmann
Supervisão Musical: Gabriela Geluda
Orientação Corporal: Marcia Rubin
Produção Executiva: Laura Campos Braz
Coordenação de Produção: Nino Batista
Fotos: Anael Rocha
Realização: Projeto Cria
Agradeço, do fundo do meu coração, a
maneira como fui recebido e tratado por todos os que fazem parte da família
“NÓS DO MORRO” e espero, muito em breve, poder voltar lá, porque devemos
aproveitar bastante, ao máximo, o que a vida nos oferece de bom.
FOTOS: ANAEL ROCHA
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
COMPARTILHEM ESTE
TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário