VERDADES SOBRE O TEATRO (e o cinema).
(9 de outubro de 1985/12 de maio de 2020)
(Durante
a quarentena, fazendo limpeza nas gavetas, encontrei, em folhas amareladas,
datilografado, um artigo que escrevi, há 35 anos, e resolvi publicá-lo
agora, feitos os devidos ajustes, de acordo com o momento que vivemos.)
Sempre que, durante alguma conversa,
com pessoas, de uma forma geral, que não pertençam ao universo teatral e não o
conheçam de perto, o assunto é o TEATRO, os comentários se repetem, desfavoráveis, nos mais diversos aspectos.
A primeira acusação que pesa sobre ele
é de que se trata de uma arte “elitista”, voltada para as classes mais
favorecidas, principalmente em virtude dos “elevados preços cobrados pelos
ingressos”. Na verdade, temos de reconhecer que, para os padrões brasileiros,
o TEATRO é uma das artes mais “elitistas” e caras, e não sem
motivo; porém já o foi mais.
Ocorre que muitas das pessoas que
fazem esse tipo de reclamação não medem nenhum esforço para pagar, por exemplo, um valor
altíssimo, para assistir a uma partida de futebol, ou para ver o “show”
de algum astro da música internacional, ou, até mesmo, brasileiro, em estádios
ou arenas que comportam milhares de torcedores e/ou espectadores. Faltam
educação, estímulo e cultura teatral.
Na Grécia Antiga, onde teve sua origem,
pelo menos na forma como o reconhecemos hoje, no ocidente, o TEATRO também
era mais voltado para a aristocracia, porém era dirigido a todos, nos
anfiteatros, não fosse a religião (procissões dionisíacas) a verdadeira origem
daquela forma de expressão. E, onde há religião, lá está o povo.
O TEATRO surgiu das cerimônias e
rituais gregos, como as Dionisíacas, celebrações de caráter religioso a
Dionísio, o deus do vinho, do entusiasmo, da fertilidade e, posteriormente, do TEATRO.
As celebrações se davam uma vez por ano, na primavera, duravam seis dias e,
ainda que não se tenha certeza, cogita-se que tenham iniciado por volta do ano
550 a.C. Nelas, as pessoas bebiam, cantavam, dançavam, agradeciam e
reverenciavam seu deus. Havia algum espaço para o povo também.
Paulatinamente, as atividades do TEATRO
grego foram evoluindo e o ato de ir ao TEATRO foi sendo transformado numa
atividade social, como ainda o é, hoje, para muitas pessoas.
Saltando no tempo, um outro momento
em que a relação TEATRO/povo foi bem possível e teve uma certa duração
foi durante a Idade Média, na Europa, no interior das igrejas ou através do
trabalho dos grupos de saltimbancos, os quais encenavam seus espetáculos em
ruas e praças, abordando, quase sempre, temas religiosos, populares e sociais.
Principalmente a partir do período vitoriano, o TEATRO como forma de
lazer e/ou transmissão de cultura, passou a se revestir de um caráter mais
aristocrático, sim, que o tornou acessível, quase que apenas, à burguesia, em
todo o mundo.
Quanto ao aspecto do preço elevado
dos ingressos, é bom que se esclareça que o TEATRO, no Brasil, é um dos
mais baratos do mundo, muito embora, para os parcos recursos econômicos do
bolso do brasileiro médio, esse pouco represente muito.
Mas o TEATRO tem de ser uma
arte cara, já que não pode abrir mão da presença, “in loco”, do ser
humano. Para existir, o TEATRO precisa de gente, ao vivo, no momento em
que o fato teatral está existindo. Isso está presente na própria etimologia do
termo: do grego, “theatron”, que significa “local onde se vê” ou “lugar
para ver”, ficando estabelecido, portanto, que é um “lugar físico do
espectador", “lugar aonde se vai, para ver”.
O TEATRO não é como o cinema,
embora também este seja um “lugar aonde se vai para ver”, entretanto, no caso,
normalmente, os investimentos numa produção cinematográfica superam, em muito,
os de uma montagem teatral, por mais elevado que seja, por exemplo, o orçamento
de um super musical. Uma vez, porém, montado o filme, podem ser reproduzidas centenas de
cópias, as quais são exibidas a milhares de pessoas, simultaneamente, em várias
partes do mundo, várias vezes por dia, durante todo o tempo que se deseja. (Isso era em 1985. Hoje, os processos de reprodução de cópias são outros, muito mais modernos.)
É óbvio que o cinema tem a obrigação
de ser mais popular, no sentido de chegar a um número maior de pessoas e, em
consequência, pode cobrar bem menos pelas entradas, se bem que, hoje em dia, algumas
vezes, o ingresso para uma peça de TEATRO custe menos do que uma entrada
para o cinema.
O tíquete que dá acesso ao TEATRO
custa caro, porque o tempo do profissional é caro, porque o aluguel do TEATRO é
caro, porque todas as despesas que envolvem uma montagem teatral, e sua manutenção
em cartaz, são muito caras e as casas de espetáculo são pequenas (média de 300
lugares). Além disso, os atores conseguem fazer, no máximo, dois espetáculos
num dia, o que somaria nove apresentações, no máximo, por semana. Uma pausa: isso
era antigamente (Cansei de fazer, quando atuava, e os espetáculos ficavam em
cartaz por muito tempo.), Hoje, é uma utopia, visto que, de muito tempo para
cá, as peças ficam em cartaz por uma média de um mês, apenas de 6ª feira a
domingo; algumas, de 5ª a domingo, sem falar nos horários alternativos, duas
vezes por semana, às 3ªs
e 4ªs feiras.
Um chavão, embora não mentiroso,
porém não tão verdadeiro, atribuído ao TEATRO é o de que ele está em
crise. Sim! Não se pode deixar de admitir que, a cada dia, se torna mais
difícil a batalha contra os “monstros”, para se conseguir erguer, e manter erguida, uma peça. Nem
me darei o trabalho de dizer quem são esses “monstros”. Vale a pena lembrar que já dizia, se bem
que a título de piada, o saudoso, também dramaturgo, Millôr Fernandes, que tal
crise existe há milhares de anos, desde a sua origem (Do TEATRO, é
claro!).
É verdade, sim – e isso é muito
triste - que os TEATROS não estão sempre lotados. Quando acontece, muito
amiúde, de estarem cheios, um ou outro, e com a lotação esgotada, isso é digno
de grandes celebrações. Na verdade, não sejamos eufemistas: estão cada vez mais
vazios, por inúmeras causas, que não o valor dos ingressos, já que, por conta
das “benesses” dos (des)governantes, os quais, como dizia a vovó Leonor, adoram
“fazer cortesia com o chapéu alheio”, quase todo mundo paga meia entrada.
Algumas vezes, como amante e assíduo
frequentador, diário, desta arte maior e milenar, sinto a tristeza e a frustração de
constatar que belíssimos e importantíssimos espetáculos não estão recebendo o
devido reconhecimento, por parte do público, o qual não chega a ocupar, muitas
vezes, a metade do auditório (E muitos vão como convidados ou por força de
contrapartidas.), mesmo que não seja por falta de divulgação e que, no elenco, haja atores conhecidos do grande público.
Por outro lado, felizmente, o
contrário também se dá, ainda que raramente, principalmente nos últimos tempos, quando as temporadas teatrais, no Rio de Janeiro
e em São Paulo têm sido das mais ricas e vemos, embora atipicamente, pessoas
voltando das bilheterias de alguns TEATROS, porque a lotação já está
esgotada (Alguns aceitam sentar no chão.), sendo obrigadas a fazer uma reserva
ou compra antecipada, para alguns dias depois.
Outra inverdade muito levantada é a
de que a televisão seria uma das grandes responsáveis pelo esvaziamento dos TEATROS.
Pelo contrário, ela tem contribuído bastante na divulgação das peças e, ainda,
desperta, no grande público, um interesse em ver, de perto, o/a personagem “X”
ou “Y”, da telinha, seja o galã da novela das sete, a mocinha da novela das nove
ou o bandido do seriado das dez. E, ainda por cima, arriscar uma “selfie”,
já que autógrafo virou anacronismo.
Quanto ao aspecto da comunicação,
mais direta e objetiva, com o público, no que se refere à identificação deste
com a “verdade” encenada e questionada, no palco, não resta a menor dúvida de
que o TEATRO cumpre o seu papel com muito mais eficiência (Ou eficácia?
Confesso que, até hoje, não consigo distinguir bem a diferença entre os dois
vocábulos. E que atire a primeira pedra quem for diferente de mim!), pelo fato
de que a presença, ao vivo, de outros seres humanos, “vivendo” os conflitos
criados por um dramaturgo, e a pouca distância física entre o espectador e os
atores, isto é, a aproximação palco/plateia ao fato teatral, fazem com que,
muito mais facilmente, as pessoas se "projetem", da plateia ao espaço cênico,
identificando-se com algum(ns) dos personagens ou reconhecendo, neles, o parente,
o amigo ou, simplesmente, algum conhecido.
Muito embora, no cinema, o aspecto dramático
possa ser mais valorizado, muitas vezes, causando um grade impacto, graças à tecnologia,
que enquadra, em “close-up”, a lágrima, por exemplo, que escorre na
face do(a) personagem, realçando-lhe a expressão (Tal detalhe, dificilmente, pode
ser percebido no TEATRO, a não ser pelos que ocupam as primeiras fileiras.), além dos efeitos especiais, o grande fato é que, no fundo, consciente ou inconscientemente, o espectador do
cinema sabe que aquela “verdade” não está ocorrendo naquele momento e
naquele lugar. Foi gravada, sabe-se lá quantas vezes, para se chegar àquele
efeito. Trata-se de uma mensagem fria, por mais palpitante que seja a trama,
distanciada do público por duas categorias: tempo e espaço.
No que diz respeito à preferência do
público por este ou aquele, no sentido de ir a um ou a outro, enganam-se os que garantem a primazia do cinema. Em
geral, quem gosta de TEATRO também aprecia o cinema e frequenta os dois;
os cinéfilos, por outro lado, é que vão pouco ao TEATRO. Sim, esta é uma
verdade. Comparando-se, contudo, a quantidade de cinemas que foram fechados e
demolidos, numa velocidade cada vez maior, nos últimos anos, muitos sendo transformados em
templos “religiosos”, nos quais se pratica o “comércio da fé alheia”, em todo o
país, e o número de novos TEATROS, grandes e pequenos, que vêm sendo
abertos, embora, também muitos estejam, da mesma forma, desaparecendo, é fácil
verificar que o prestígio da chamada “sétima arte” parece estar um pouco
abalado ou, pelo menos, diminuído, em relação a outras épocas. E ainda há os “Netflix”
da vida.
Vaticinavam alguns, quando escrevi o
original deste artigo, que o futuro do cinema seria seu confinamento a pequenas
salas de exibição, principalmente dentro dos “shoppings”. Os chamados "cinemas de rua" , os quais comportavam muita gente, tinham seus dias contados. Não estavam
enganados, embora, naquela época, eu não ratificasse tal profecia, mas sou
obrigado a reconhecer, hoje, a verdade nela contida. Apenas como informação, não tenho o hábito de ir
ao cinema, embora, na infância e na adolescência, fosse comum eu ir duas ou três vezes por semana. Há muitos anos, muitos mesmo, faço-o muito raramente, pouquíssimas vezes por ano, apesar de achá-lo
uma bela arte.
Nada melhor, para concluir este
artigo do que uma conclamação geral: VAMOS AO TEATRO! E, por que não, ao cinema
também?
VAMOS AO TEATRO, MAS, POR ENQUANTO, FIQUE EM CASA!
ACREDITE NA CIÊNCIA!
VAI PASSAR, SIM, MAS "NADA SERÁ COMO ANTES AMANHÃ"!
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