A PONTE
(UM TCHÉKHOV
CONTEMPORÂNEO?
ou
UMA “PONTE” PERFEITA,
Nada de Tchékhov contemporâneo!!! A lembrança do
nome do grade dramaturgo russo, que nos legou algumas das maiores
pérolas do TEATRO universal, só me chegou pelo fato de a peça que
passo a comentar ter um ponto em comum com uma das grandes obras de Anton Pavlovitch Tchékhov, “As
Três Irmãs”. Lá, Olga, Irina e Macha, três irmãs, alimentavam uma utopia, a de abandonar a província
interiorana em que viviam, para morar em Moscou, na companhia de seu
irmão, Andrei. Fartas da mesmice em que estavam mergulhadas e da
falta de perspectivas, viam, na capital, a única salvação para suas vidas, metaforicamente,
uma motivação para que continuassem a viver. Em “A PONTE”, espetáculo em
cartaz no CCBB Rio de Janeiro – Teatro II (VER SERVIÇO.), trata-se de um
reencontro entre três irmãs, de temperamentos e “ways of life”
totalmente diferentes: THERESA (BEL KOVARICK), AGNES (DEBORA LAMM)
e LOUISE (MARIA FLOR), as quais se reúnem, para aguardar a morte da mãe,
condenada que estava a deixar o mundo dos vivos.
Talvez
o vocábulo “reencontro” seja até mal empregado, uma vez que o prefixo
latino “re-” significa um designativo de repetição, ação repetida ou
retroativa. Para haver um “reencontro” é necessário, antes, ter
acontecido um “encontro”. E será que este, realmente existiu, em algum
momento, na vida das três irmãs? Atentem para esse detalhe!
O
texto, muito bom, por sinal, é inédito, no Brasil, e foi escrito
pelo premiado autor canadense DANIEL MacIVOR, que consegue,
sempre, ser, profundamente, instigante no que escreve, o qual se tornou muito conhecido
por cá, com sua trilogia “It On It (2010”), “À Primeira Vista” (2012/2013)
e “Cine Monstro” (2013/2015). Chega a peça ao Rio depois
de ter feito vitoriosas temporadas, por seu mérito, com sucesso de público e de
crítica, nas sedes do CCBB de Belo Horizonte, São Paulo e Brasília.
SINOPSE:
Se, para o mestre Guimarães Rosa, “Viver é muito perigoso.”, viver “em família” pode ser, até, muito mais. Família é, ao mesmo tempo a melhor e a pior das coisas. Nem a escolhemos nem ela nos escolhe. É preciso andar na corda bamba, para se viver, harmoniosamente, “em família”.
O espetáculo trata, exatamente disso, da aceitação das diferenças
num reencontro entre três irmãs, separadas pela vida, que são obrigadas a se
reunir, para enfrentar a morte iminente de sua mãe.
Elas são THERESA (BEL KOWARICK), a mais velha do trio, uma freira,
moderna, de certa forma, que se isolou da família em um retiro religioso, numa
fazenda. AGNES é a personagem de DEBORA LAMM, a irmã do
meio, uma atriz falida, que foi tentar a sorte longe de sua cidade natal. Já MARIA
FLOR, a mais jovem das três, é LOUISE, obcecada por séries de TV
e completamente alienada, desinteressada pelo mundo além do virtual.
O reencontro, durante toda a peça, marcado por vários encontros,
dia após dia, se dá, sempre, na cozinha da casa onde foram criadas. É lá que as
três revelam os seus valores, crenças e diferenças, trocam acusações e
desculpas, em busca da possível reconstrução de uma célula familiar, há muito
tempo fragmentada.
Nas
relações humanas, é muito mais fácil conviver com aqueles que são próximos a
nós, na maneira de pensar e de agir, porque nos entendemos, mutuamente. O
grande desafio, com o qual nos deparamos, no dia a dia, é o difícil, porém
importante e imprescindível, exercício de, se não conseguir amar, pelo menos,
compreender e respeitar os que são diferentes de nós; é preciso, é imperioso,
sim, praticar a empatia, por um mundo de amor e paz.
A
concretização do projeto, uma peça “completamente sobre
mulheres, que sobrevivem, apesar de todas as dificuldades e que se ajudam, se
fazem crescer e amadurecer”, se deve à iniciativa de MARIA FLOR,
“que ficou fascinada pela dramaturgia de MacIVOR e convidou BEL KOWARICK para
ser sua parceira no projeto”. MARIA estava certa, seu tiro
atingiu o centro do alvo, uma vez que a temática sempre foi, é e continuará sendo,
para sempre, do grande interesse das pessoas, já que “o texto fala sobre
afeto e relações humanas profundas”, embora o que lhe tenha chamado
mais a atenção foram os diálogos e as personagens. Realmente, os diálogos
são muito bem construídos e as personagens, de uma riqueza interior
muito grande. São parecidas com tantas outras que conhecemos, ou que somos, mas
sempre há um aspecto diferencial que marca cada uma delas.
Estamos
diante, sim, de uma família disfuncional, que pode ser caracterizada como um
núcleo “familiar” em que os conflitos, a má conduta e, muitas vezes, o abuso,
por parte dos membros individuais, ocorrem contínua e regularmente, fazendo com
que outros membros se acomodem com tais ações. Alguns dos principais traços
desse tipo de família, presentes na peça, são pouca ou nenhuma
demonstração de afeto e carinho (Ninguém se propõe a sair de sua zona de
conforto, para ultrapassar essa barreira. Mas até que elas tentam.); os filhos
tendem a repetir o comportamento de seus pais (Pouco fica claro a respeito da
mãe enferma. Como teria sido a sua relação verdadeira com as três filhas?); excesso
de críticas e rigidez (Os dedos indicadores estão sempre apontados para uma
outra. Cobranças, excesso de autoritarismo, imposição de regras e normas
rígidas.); e alienação parental (Apenas uma hipótese. Mas por que não?). O fato
é que escrever sobre famílias disfuncionais é um prato cheio para qualquer
grande dramaturgo ou escritor, de uma forma geral. MacIVOR
explorou muito bem o comportamento da “família” retratada na peça. Ele
se esforça, ao máximo, para tentar que sejam aparadas as arestas e costurados
os poucos interesses comuns entre as três personagens (Será mesmo que
haja algum?), para atingir um resgate pouco provável. Ou totalmente improvável?
Para isso, ele se utiliza de memórias, que parecem pouca força ter para que se concretize
uma família. Mas as personagens tentam, cada uma a seu modo.
Revela-se,
no texto, um paradoxo entre o afeto e diferenças pessoais, se bem que os
dois, até, possam, e devam, coexistir. Não me canso de tecer comentários
elogiosos ao texto, principalmente pela estruturação de diálogos
inteligentes e profundos, com pitadas de bom humor, e que conduzem,
inexoravelmente, o público atento, a refletir, sim, sobre o valor da família e
os salutares princípios positivos que uma convivência familiar reserva aos seus
membros. Fica bem claro que, apesar de todos os pesares, o autor
pretende mostrar que a função da família é neutralizar a porção indivíduo de
cada um de seus membros, por mais diferentes que seja dos demais, e amalgamar
tudo e todos, juntar tudo, para se fortalecer. No caso, aqui, por um único
objetivo: cuidar de uma mãe quase moribunda. O fato de todas as cenas se
passarem na cozinha da casa em que viveram as três irmãs, desde que nasceram, não
é por acaso, já que não é estranho, para ninguém, que esse espaço da casa é
coletivo e, normalmente, já por tradição, principalmente no interior do Brasil,
é o lugar em que se reúnem, em harmonia, os membros das famílias e seus
convidados, para conversar, prosear, rememorar o passado e fazer planos para o futuro. Naquela
cozinha, as três irmãs dividiram parte de suas vidas.
Agradou-me
muito a direção de ADRIANO GUIMARÃES, tanto na condução do
trabalho de direção das atrizes, que lhe deve ter sido nem um
pouco difícil, pela qualidade do material humano com o qual trabalhou, mas
também pelas soluções encontradas para cada cena e no geral. Funciona muito a
contento a ideia de projetar as rubricas do autor, como a indicação de
sons, vindos de um aparelho de TV, ligado em outro cômodo; o ruído de um
caminhando, chegando e parando à porta da casa; outros estímulos sonoros e, até
mesmo, alguns diálogos, não ditos pelas personagens, mas importantes, na trama, assim como a divisão dos atos. Tudo é projetado numa pequena tela, acoplada à parte inferior de uma grande
mesa que compõe o cenário. Boas marcações, muita criatividade, esmero
estético, a quebra da quarta parede, por meio dos monólogos das três personagens,
muito bem dirigidos, nos quais o diretor consegue extrair, de cada atriz,
muito da essência de cada diferente personalidade.
Além do texto
e da direção, os destaques maiores, nesta montagem, ficam por
conta da atuação do elenco e do cenário.
A
princípio, tudo indicava que DEBORA LAMM seria o grande destaque do
trio, porém, quando entrou em cena BEL KOWARICK, passamos – eu passei –
a achar que o “estrelato” seria dividido entre as duas; bastou, entretanto, MARIA
FLOR ter a sua hora de entrar na trama, para que eu tivesse percebido, com
certeza, que, de forma diferente, com características distintas, de interpretação,
as três ocupam o mesmo excelente patamar de atuação. Todas empreenderam um
mergulho profundo nas suas personagens e o resultado do conjunto é
excelente. E todas têm seus momentos de solo, nos monólogos, ou quase em
solos, em “bifes”, nos quais se desnudam interiormente, as personagens,
é óbvio.
BEL, a mais
velha as irmãs, vive a freira THERESA (A primeira a abandonar o barco,
quando um naufrágio se mostrava iminente? Ou não teria havido um?) Isolou-se da
família, em uma fazenda religiosa, embora pudesse ser considerada como o
alicerce daquele núcleo. E quando o alicerce se rompe, tudo pode desmoronar.
Além da doença da mãe, um tom de crise, com relação à fé religiosa e os
caminhos errados pelos quais a humanidade vai caminhando são dois outros
motivos que a fizeram voltar ao “lar”. Extrovertida, foge bastante ao
estereótipo construído para as freiras, em nossa memória afetiva; apresenta-se,
mais que as outras, com o pé no chão e encarando aquela realidade, vivida,
naquele momento, com mais realismo e naturalidade; até com um certo humor,
sempre conselheira, como se já estivesse ocupando o lugar da mãe. Brilhante
atuação de BEL KOWARICK!!!
DEBORA
LAMM dá vida a AGNES, a filha do meio, uma atriz em decadência,
praticamente, falida, que abandonou a sua cidade, em busca de voos mais altos,
mas continua voando, cada vez mais, rente ao chão. A despeito de ser uma atriz
muito mais ligada ao universo da comédia, DEBORA dá uma aula de interpretação,
num papel dramático, o que pode soar como novidade e grande surpresa para
alguns, porém, para mim, nada apresenta de novo. Ela é uma atriz
completa e já tive a oportunidade de tê-la visto e aplaudido, anteriormente, em
outros papéis dramáticos. Para ela, com relação à AGNES, “a
resolução de conflitos internos é a maior característica de sua personagem”.
Para tanto, DEBORA se entrega, de corpo e alma, à composição da personagem
e dialoga, corretamente, em níveis diferentes, com as irmãs, de acordo com
o que cada uma exige e tem a oferecer. Brilhante atuação de DEBORA LAMM!!!
MARIA
FLOR
interpreta LOUISE, a mas jovem das três e, por isso mesmo, segundo a
própria atriz, “Minha personagem é muito dependente da mãe...”. É
um tanto ingênua, paradoxalmente lúcida, em alguns momentos; mas, também, mais
paradoxalmente, ainda, mostra-se alienada, vivendo intensa e profundamente de
séries da TV, pelas quais é fanática, viciada, e sobre as quais sabe
tudo, de forma compulsiva, mesmo. Também é introspectiva, direta e objetiva, na
sua maneira de ver e viver o seu mundo virtual. Ela é a única filha que não foi
batizada nome de santa, o que a leva a um comportamento bizarro, de tentar
decorar o nome de todos os santos e seus patronatos.
Cada uma
das atrizes ganha um merecido relevo, quando têm, todas, a chance de um monólogo,
diretamente direcionado à plateia, quebrando a quarta parede, como já
mencionado. Os três textos são ótimos e, por meio deles, tomamos
conhecimento de um pouco mais do interior de cada uma delas, dito em tom
confessional.
Com
relação ao cenário, confesso, com a maior humildade, não ter alcançado a
intenção dos artistas que o idealizaram, ADRIANO GUIMARÃES e
ISMAEL MONTICELLI, por mais que eu tenha me esforçado. Pode, até, ser algo
tão óbvio, mas que não consegui captar. Deve ter sido um problema meu ou faltou
mais um pouquinho de percepção e agudez, de minha parte. Um fato, porém, é
indiscutível: é muito interessante e grita, salta aos olhos do espectador, logo
que este adentra o auditório, pelo fato de ser monocromático, num vermelho
muito vivo, além de um grande desafio para o público. Tudo é na cor vermelha,
tudo o que, de concreto, está em cena, e, alguns objetos, repetidos, na cenografia:
numa cozinha, uma comprida mesa central, sobre a qual há muitas frutas (maçãs, principalmente);
muitos, e variados, recipientes, de diversos feitios e tamanhos; todos os utensílios
de cozinha nos quais se possa pensar; e aparelhos eletrodomésticos. Por baixo,
e na frente, da mesa, há uma tela, superfície utilizada para projeções, como já
foi mencionado acima.
FICHA TÉCNICA:
Texto Original: Daniel MacIvor
Tradução: Bárbara Duvivier
Dramaturgia: Emanuel Aragão
Dramaturgia: Emanuel Aragão
Direção: Adriano Guimarães
Elenco: Bel Kowarick, Debora Lamm e Maria Flor
Cenografia: Adriano Guimarães e Ismael Monticelli
Figurino: Ticiana Passos
Iluminação: Wagner Pinto
Direção de Movimento: Denise Stutz
Direção de Produção: Adriana Salomão
Fotos: Flávia Canavarro (oficiais)
SERVIÇO:
Temporada: De 20 de junho a 12 de agosto de 2019.
Local: Centro Cultural Banco do Brasil - Rio de Janeiro - Teatro II.
Endereço: Rua Primeiro de Março, 66, Centro – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 3808-2020.
Dias e Horários; De 5ª a 2ª feira, às 19h30min.
Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia entrada).
Capacidade: 153 lugares.
Classificação Etária: 12 anos.
Gênero: Drama.
É importante fechar esta crítica,
lembrando que a temática retratada na peça é atemporal e
universal e que é feminina – não feminista -, abordando, tão
somente, a vivência das mulheres “que sobrevivem, apesar de todas as
dificuldades, e que se ajudam, se fazem crescer e amadurecer”. E,
ainda, por mais que os meus comentários possam sugerir uma peça para “para
baixo”, o espetáculo prega uma mensagem de otimismo, de fé na força do
afeto, da amizade e da união. E mais um detalhe: durante todo o espetáculo,
temos a oportunidade de testemunhar um processo de autoconhecimento das três irmãs.
Recomendo,
com muito empenho, o espetáculo, um projeto vencedor, sem a menor
sombra de dúvidas.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM ESTE
TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: FLÁVIA CANAVARRO (oficiais)
e
LENISE PINHEIRO.)
e
LENISE PINHEIRO.)