segunda-feira, 29 de abril de 2019


CARMEN –
A GRANDE
PEQUENA NOTÁVEL


(UMA ÓTIMA OPÇÃO
PARA “CRIANÇAS” DE 8 A 80 ANOS.)




            Exatamente hoje (domingo), quando consegui um tempo, para começar a escrever sobre um espetáculo teatral, vendido como infantojuvenil, mas que é indicado para todas as idades, ele encerra a sua segunda vitoriosa temporada, esta no Teatro Itália (São Paulo). A primeira aconteceu no CCBB – São Paulo, de 15 de setembro de 2018 a 26 de janeiro do ano em curso (2019). Depois de um hiato, e graças a muita batalha da produção, representada, principalmente, pelo diretor de produção, MAURÍCIO INAFRE, “CARMEN – A GRANDE PEQUENA NOTÁVEL” conseguiu, com muito sacrifício, emplacar uma segunda temporada de sucesso, no Teatro Itália, já mencionado, iniciada no dia 23 de março passado, fechando as cortinas hoje, 28 de abril, também como já foi dito.






            Tinha muito interesse em assistir à peça, que é um musical, muito para poder aplaudir, mais uma vez, o talento de AMANDA ACOSTA. Antes de conhecer o trabalho, eu já gostava da peça, só imaginando o que seria capaz de fazer, em cena, essa admirável atriz e cantora, de quem me declaro fã e admirador à enésima potência, além de tê-la no meu limitado rol de amigos, condição esta que não pesará, em nada, na curta (por falta de tempo) análise que farei da peça, à qual assisti no dia 20 de abril, numa ensolarada tarde de sol, no horário das 15h, com LOTAÇÃO ESGOTADA, em plena Semana Santa.









SINOPSE

O musical conta a história da cantora CARMEN MIRANDA (AMANDA ACOSTA), portuguesa, de origem, e brasileira, de coração, de sua chegada ao Brasil, ainda criança, passando pelas rádios, suas primeiras gravações em disco, pelo cinema brasileiro e o Cassino da Urca, ao estrelato nos filmes de Hollywood.

Inspirado no livro homônimo, infantojuvenil, de HELOÍSA SEIXAS e JÚLIA ROMEU, o espetáculo conta e canta, para toda a família, os 46 anos de vida dessa “PEQUENA NOTÁVEL”, que levou a música e a cultura brasileira para os quatro cantos do mundo, principalmente os Estados Unidos da América.









           É bom dizer que o livro homônimo, de HELOÍSA SEIXAS e JULIA ROMEU, que também são as responsáveis pela ótima adaptação dramatúrgica da obra, foi o vencedor do Prêmio FNLIJ de Melhor Livro de Não Ficção (2015), e apresenta o universo artístico da diva CARMEN MIRANDA (1909-1955) para o público de todas as idades.

       O espetáculo conquistou vários prêmios em São Paulo, pela temporada de 2018, além de muitas outras indicações.






     De acordo com o “release”, enviado por MAURÍCIO INAFRE, “Em 2019, Carmen completaria 110 anos. Portuguesa, radicada no Brasil, ela se tornou um dos maiores símbolos da cultura brasileira, para todo o mundo.”.

           Considero “CARMEN – A GRANDE PEQUENA NOTÁVEL” um dos melhores musicais infantojuvenis a que já assisti em toda a minha vida, por todo o conjunto de acertos que ele contém, a começar pelo texto. A transposição de uma obra literária para o palco não é tarefa das mais fáceis, o que não me parece ter ocorrido aqui, embora eu, ainda, não tenha lido o livro, mas pretendo fazê-lo, uma vez que o trabalho foi realizado por suas próprias autoras. Por outro lado, por ser um musical biográfico, poderia cair na chatice do didatismo narrativo, entretanto HELOÍSA e JÚLIA tiveram a devida competência para usar uma linguagem que atingisse as crianças, os jovens e os mais velhos, abusando de tiradas engraçadas, utilizando um humor leve e descontraído. É, portanto um texto ágil, com diálogos bem construídos. Além disso, a estrutura dramatúrgica é apresentada em quadros, aparentemente independentes, mas que se coadunam, formando um todo, indivisível.




            Achei ótima a estética empregada pelo diretor, KLÉBER MONTANHEIRO, que optou por uma estrutura que muito se assemelha à do velho e bom Teatro de Revista, grande “coqueluche” (Entreguei a idade. KKK), na época de CARMEN. Segundo o diretor, “Utilizamos a divisão em quadros, o reconhecimento imediato de tipos brasileiros e a musicalidade presente, colaborando, diretamente, com o texto falado, não como um apêndice musical, mas sim como dramaturgia cantada.”. Isso é muito bom, para os mais antigos, os quais fazem uma viagem ao passado (Havia muitos idosos na platéia.) e também para proporcionar, aos mais jovens, papais, crianças e jovens, a oportunidade de conhecer um modo de se fazer TEATRO, que marcou uma época e duas ou três gerações, porém foi deixado de lado, até mesmo, marginalizado.




            O diretor, de forma inteligente, conduz muito bem o trabalho do elenco e propõe soluções bastante criativas, em cada quadro. KLÉBER MONTANHEIRO também assina o cenário e os figurinos da peça.




         Como a proposta principal do espetáculo é, justamente, homenagear esse ícone da Música Popular Brasileira, que foi, e, ainda, é, CARMEN MIRANDA, preservando-lhe a memória, como não poderia deixar de ser, os figurinos da protagonista são inspirados nos desenhos dos originais das roupas que ela usava, em seus “shows” e demais apresentações artísticas, com destaque para as baianas estilizadas, todas muito excêntricas e que tanto agradaram, principalmente, aos norte-americanos, durante a época em que ela, entre eles, fez grande sucesso, entre os anos de 1930 e 1950. São figurinos bem lúdicos e coloridos, com muitas pitadas de Tropicalismo (Este, quando esteve em voga, bebeu na fonte de CARMEN, sem a menor dúvida). Os trajes vestidos pelos demais personagens, todos de muito bom gosto, obedecem à estética da época em que se passa a história.




       O cenário também é um dos pontos positivos do espetáculo, reproduzindo os principais ambientes propostos pelo livro, aqueles em que CARMEN esteve presente, no Rio de Janeiro, como o porto, onde atracou o navio que a trouxe, com a família, d’além-mar; sua casa e as ruas da (ex-)Cidade Maravilhosa; a loja de chapéus, onde ela trabalhou; um estúdio de rádio; os estúdios de Hollywood e as telas de cinema, além do “céu”, para onde ela foi cantar, em 5 de agosto de 1955. Destacam-se, na cenografia, as cinco letras que formam seu nome, bem grandes, móveis, resistentes, feitas de madeira, e que, embaralhadas, de acordo com as cenas, servem para a formação de outras palavras, além de CARMEN, como MAR e MÃE (forçando um pouquinho a barra), por exemplo.






            A seleção musical é excelente, dentro da direção musical, a cargo de RICARDO SEVERO. Na parte musical, de acompanhamento, a pequena banda faz um ótimo trabalho – MAURÍCIO MAAS, BETINHO SODRÉ, MONIQUE SALUSTIANO e MARCO FRANÇA -, com destaque para este, que também atua, esporadicamente, com graça e desembaraço, provocando risos na plateia.




            Todos do elencoDANIELA CURY, LUCIANA RAMANZINI, MARIA BIA, SAMUEL DE ASSIS e FABIANO AUGUSTO - merecem elogios, desdobrando-se em mais de um personagem. Não incluí, na relação anterior, o nome de AMANDA ACOSTA, pelo fato de que ela merece um destaque especial. Não por representar a protagonista, mas pela forma como o faz. AMANDA é uma atriz camaleônica, cuja carreira acompanho e admiro desde os seus primórdios. Além de excelente atriz e cantora, tem uma “facilidade” de assimilar a voz, o jeito de cantar e os trejeitos de suas personagens biográficas, atrizes e cantoras, como foi o caso, no ano passado, de Bibi Ferreira (Parecia uma encarnação de Bibi. Não havia, ainda, falecido, na época, a grande diva do TEATRO BRASILEIRO.), de quando AMANDA pulou para CARMEN, no mesmo patamar de perfeição da personagem anterior. Reparem que utilizei a palavra “facilidade” entre aspas, porque, na verdade, o resultado final da preparação, aquilo que AMANDA leva para o palco, é fruto de um profundo e árduo trabalho de estudo das características das personagens. Um talento superlativo!!!






A direção se preocupou com mínimos detalhes como, por exemplo, a maneira da cantar e falar de todos os personagens. Diz o diretor do espetáculo: “As interpretações dos atores obedecem à prosódia de uma época, influenciada, diretamente, pelo modo de falar ‘aportuguesado’, o maneirismo de cantar, proveniente do rádio, em que as emissões vocais traduzem um período e uma identidade específica”.




          Não poderia deixar de registrar a boa iluminação (desenho de luz), cuja autoria é de MARISA BENTIVEGNA, que não economiza e abusa de cores e intensidade, para evidenciar a alegria que o espetáculo se propõe a passar ao público.







FICHA TÉCNICA:

Autoras do Livro e Adaptação Teatral: Júlia Romeu e Heloísa Seixas
Direção, Cenários e Figurinos: Kleber Montanheiro

Elenco: Amanda Acosta (Carmen Miranda), Daniela Cury, Luciana Ramanzini, Maria Bia, Samuel de Assis e Fabiano Augusto

Músicos: Maurício Maas, Betinho Sodré, Monique Salustiano e Marco França.

Desenho de Luz: Marisa Bentivegna
Direção Musical: Ricardo Severo
Visagismo: Anderson Bueno
Direção de produção: Maurício Inafre
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio







 


Por motivos óbvios, não publico o SERVIÇO da peça, uma vez que, quando esta crítica estiver sendo publicada, o espetáculo já terá encerrado a temporada. A produção se empenhou bastante, para trazer o musical para o Rio de Janeiro, porém, infelizmente, não foi possível. Está tudo, cada vez mais, difícil, nesse sentido. É uma pena que os cariocas não puderam ter a oportunidade de assistir a este magnífico espetáculo. Tomara que os DEUSES DO TEATRO se apiedem de nós e, um dia (Quem sabe?!), possamos assistir a uma terceira temporada, no Rio de Janeiro, cidade onde viveu CARMEN e que tanto admira e respeita o trabalho de AMANDA ACOSTA, já há muito tempo e, com maior destaque, depois de sua brilhante composição de uma diva, Bibi Ferreira, em “Bibi – Uma Vida em Musical”, que tantos prêmios conquistou por estas bandas!



Carmen Miranda.



Amanda (Carmen Miranda) Acosta.




 (FOTOS: LEEKYUNG KIM.)



E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO, PARA QUE, JUNTOS,

POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO

TEATRO BRASILEIRO!!!






































sábado, 27 de abril de 2019

NAVALHA

NA
CARNE

(É PRECISO RESISTIR, COMO EM 1967!!!)
     ou
(DONA TÔNIA (MARIINHA) 
AINDA VIVE.
ou
PAGAR E COBRAR, 
PARA SER “FELIZ”.
ou
UMA LINDA E MERECIDA HOMENAGEM A
TÔNIA CARRERO.)




            Com 18 anos recém-completados, em setembro de 1967, ganhei de presente, dos meus pais, o dinheiro destinado à compra de um ingresso para uma peça, sobre a qual muito se falava, de um “dramaturgo maldito”, muito corajoso, e que escrevia para o povo, no sentido de escrever simples, sobre o dia a dia, sobre pessoas comuns, numa linguagem acessível a qualquer um, escolado ou não. Nua e crua. A peça era “NAVALHA NA CARNE” e o autor, PLÍNIO MARCOS, com apenas 32 anos, na época, e que já começava a ser conhecido, e muito discutido, provocando amor ou ódio, por outros textos, tão “fortes” quanto “NAVALHA...”, como “Barrela”, escrita em 1958, com apenas 23 anos, cuja encenação só fui conhecer bem mais tarde, e “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, na inesquecível montagem carioca, a primeira, salvo engano, também em 1967, estreada no dia 3 de outubro, curiosamente, no requintado Teatro Maison de France, dirigida por Fauzi Arap, tendo este e Nélson Xavier, nos papéis de Tonho e Paco, respectivamente. Depois dessa temporada, seguiu-se outra, no Teatro Gláucio Gill, até fevereiro de 1968. Essas duas peças me marcaram para sempre. Assisti às duas montagens mais de uma vez. De lá para cá, até estes nossos dias “de chumbo” (Já vimos esse filme e não gostamos. Era em preto e branco e o mocinho morria no final.), eu e PLÍNIO, vivemos um “casamento platônico”, sem que ele disso soubesse. Não chegamos a nos conhecer, pessoalmente. Aliás, lamento muito nunca ter tido a oportunidade de lhe dizer, cara a cara: “Você é um gênio!”. Mas tantos o fizeram por mim, e ainda o fazem, hoje, em pensamento. Já passa, portanto, de meio século a minha paixão declarada por um dos nossos maiores dramaturgos: PLÍNIO MARCOS de Barros, falecido em 1999 e que tanta falta nos faz, hoje, nesta nossa luta por liberdade de expressão e respeito à diversidade humana, contra uma “ditadura legítima e democrática (?), paradoxalmente eleita”.

          Em pleno regime de exceção, imposto pela maldita ditadura militar de 1964 – FOI GOLPE, SIM!!! - (“Página infeliz da nossa história...” – Chico Buarque de Holanda.), PLÍNIO ousou, com muita coragem e bravura, desafiar os “gorilões” de plantão, questionando o que havia de mais podre no regime e mergulhando nos porões da alma humana, daqueles menos favorecidos, dos marginalizados, na intenção de retirar, dos olhos de uma burguesia acomodada (pleonasmo), as vendas que a impediam de enxergar uma realidade em chagas e fazê-la ter a consciência de que a Terra poderia ser azul, como revelou, em 1961, o cosmonauta russo Yuri Gagarin, mas que a vida não era cor de rosa.




         É impressionante como um homem que, academicamente, só havia concluído o curso primário pudesse ter a visão de mundo que PLÍNIO tinha e, autodidata, em dramaturgia, tenha deixado uma extensa lista de obras dramáticas (quase 30 peças), a grande maioria de grande sucesso, além de muitos livros e 4 peças infantis (uma inacabada)! Pasmem!!! PLÍNIO MARCOS é comparável, nesse sentido, ao grande compositor Cartola, um estupendo poeta, “de poucas letras”. A prova do grande talento de PLÍNIO é que, além do enorme sucesso que seus textos sempre fazem, no Brasil, suas peças já foram traduzidas para outros idiomas (inglês, espanhol, francês e alemão) e representadas em várias cidades onde se falam essas línguas. “NAVALHA NA CARNE” e “Dois Perdidos Numa Noite Suja” são os seus textos mais encenados e dos mais conhecidos e apreciados, ainda que, na minha modesta opinião, outros a esses dois se equivalham. Algumas de suas peças também receberam versões para o cinema.

            Se eu me propusesse a falar, com detalhes, sobre a vida e a obra de PLÍNIO MARCOS, esta crítica ficaria muito longa. Fico, então, com a proposta de dissecar a “NAVALHA...”, mais propriamente, a montagem que está encerrando temporada na Arena do SESC COPACABANA (VER SERVIÇO.), mas que já está agendada para estrear no Teatro Gláucio Gill, em 11 de maio próximo (VER SERVIÇO.). Não esperem, porém, para ver na segunda temporada; ou assistam à peça nas duas, como eu fiz e voltarei a fazer!






SINOPSE:

NEUSA SUELI (LUÍSA THIRÉ) é uma prostituta decadente e explorada por VADO (ALEX NADER), seu cafetão. Moram numa pensão de décima categoria, um verdadeiro pardieiro. Em meio a brigas e desavenças, ela vai às ruas, para ganhar dinheiro, enquanto VADO sai com outras mulheres e passa a vida sossegado, sem trabalhar, na vagabundagem.

O que eles não esperavam era que VELUDO (RANIERI GONZALEZ), um homossexual que trabalha como faxineiro, na pensão, roubasse todo o dinheiro de cima do criado-mudo do quarto dos dois, enquanto NEUSA SUELI estava fora, “fazendo a vida”, e VADO dormia, vadiando.

Ao retornar da rua, chegando de seu trabalho, entrando no quarto insalubre que habita, NEUSA SUELI encontra seu explorador, VADO, muito irritado e agressivo, por não ter encontrado o dinheiro que ela “deveria ter deixado para ele” e que a meretriz jurava tê-lo feito, ao sair, para ganhar a vida, deixando-o sobre o já citado móvel.

A prostituta, consequentemente, é intimada, por VADO, a dizer onde estava o tal dinheiro e o proxeneta inicia uma calorosa discussão com a amante, cobrando-lhe o que “lhe era de direito”.

O casal passa a investigar o principal suspeito do “sumiço da grana”, VELUDO, a única pessoa com acesso ao aposento. Ele é, então, chamado ao quarto, para esclarecer sobre o roubo.

Após acirrada discussão entre os três, VELUDO, depois de violentamente agredido por VADO, assume a autoria do furto, “justificando” o seu ato como uma “necessidade”, pois precisava de dinheiro para “comprar amor”, para dá-lo a um rapaz, como pagamento pelos seus “préstimos sexuais”. Promete, contudo, devolver a grana, quando recebesse seu salário mensal e consegue fugir das garras do violento VADO.

A briga revela preconceitos e ignorância, intolerância e humilhações, agressividade e desamor, poder e subserviência.

Depois de desvendado o mistério do roubo, NEUSA SUELI dá todo o seu dinheiro para o cafetão, já que este ameaçava ir embora, sumir da vida daquela mulher-objeto.

NEUSA SUELI tranca o quarto e esconde a chave, ameaçando seu amante com uma navalha, caso este insistisse em se recusar a manter relações sexuais com ela.

VADO consegue levar NEUSA SUELI na conversa, seduz a prostituta, recupera a chave e abandona-a, solitária, no quarto imundo, frio e impessoal, o seu microuniverso.

“NAVALHA NA CARNE” conta, num tempo curto, de uma madrugada, a história de três personagens marginais, ou marginalizados, que falam dos seus cotidianos, suas condições de “vida” (?), deixando à vista as cicatrizes marcadas pelo tempo e expondo, cada um deles, o seu nível de conduta, para atingir a “felicidade”.

Os três encarnam a existência subumana, marginalizada, a qual, normalmente, é varrida para debaixo do tapete.






         Extraído do “site” oficial da peça: “NAVALHA NA CARNE” conta a história de três pessoas, cujas diferenças e visões distintas do mundo corroboram para que haja conflitos em apenas um ato, trazendo uma tonicidade existencial, ao falar de três marginalizados. A força, porém, do texto extrapola o âmbito do extrato social ao qual pertencem os personagens, elevando o texto a uma sensível discussão de questões inerentes ao ser humano, independentemente da classe social ou da época à qual pertençam.”.

O texto de “NAVALHA...” obedece ao estilo pliniano, de uma dramaturgia violenta, marginal, realista, cruel, amada, respeitada e disputada por toda a classe artística do TEATRO, atores e diretores. Todos desejam montar PLÍNIO; um currículo de um ator/atriz ou diretor/a não estará completo, se não houver uma montagem de um se seus textos, pelo menos. Acaba se tornando um sonho de consumo e uma realização profissional.

            A peça foi encenada, pela primeira vez, em São Paulo (1967), após uma luta ferrenha por sua liberação, uma vez que a nojenta e burra Censura Federal, um câncer para a CULTURA, não queria liberá-la, para ser levada ao palco. À frente da batalha contra os censores, os (falsos) “guardiões da moral da família brasileira”, estavam a própria TÔNIA CARRERO, Walmor Chagas e Cacilda Becker (Que trio inesquecível e saudoso!!!), principalmente, além de outros artistas e intelectuais. Na verdade, a sua liberação se deu graças à insistência de TÔNIA e ao descrédito do ignorante general/censor, que duvidou de que uma mulher como ela, linda, culta e de alta estirpe, conseguisse viver a personagem feminina da peça. Não levou fé o idiota. Ainda bem, porque TÔNIA se propôs à desconstrução de um estereótipo já construído, em função de papéis anteriores, de uma mulher lindíssima e que só fazia personagens ricas e felizes, e construiu uma NEUSA SUELI como poucas atrizes conseguiriam fazer.

Na primeira montagem, na capital paulista, o elenco era formado por Ruthnéia de Moraes (NEUSA SUELI), Paulo Villaça (VADO) e Edgard Gurgel Aranha (VELUDO), com direção de Jairo Arco e Flexa. Depois da montagem carioca, que contou com brilhantes e inesquecíveis interpretações de TÔNIA (NEUSA SUELI), Nélson Xavier (VADO) e Emiliano Queiroz (VELUDO), sob a direção de Fauzi Arap, o texto voltou a ser censurado, pela ditadura militar, depois de fatídico AI-5, e só pôde ser encenado 13 anos depois.






São incontáveis as montagens da peça. Assisti a várias, feitas por profissionais, estudantes de TEATRO e amadores, porém todos os meus mais calorosos aplausos vão para a de TÔNIA e a atual, dirigida, brilhantemente, por GUSTAVO WABNER e tendo, no elenco, LUÍSA THIRÉ (NEUSA SUELI), ALEX NADER (VADO) e RANIERI GONZALEZ (VELUDO).

            A propósito, a atual montagem, no título, vem acompanhada por uma espécie de subtítulo: “UMA HOMENAGEM A TÔNIA CARRERO”. Trata-se de um projeto de sua neta, LUÍSA THIRÉ, que começou em março de 2018, para comemorar os 95 anos da atriz, completados em 23 de agosto de 2017. TÔNIA faleceu no dia 3 de março de 2018 e a peça estreou, em São Paulo, no dia 23 de agosto de 2018, quando a atriz completaria 96 anos. Fez um estupendo sucesso, cumpriu apresentações em Niterói (RJ) e nos festivais de Pernambuco e Curitiba, neste ano; agora, está à disposição dos cariocas. Inclui uma exposição sobre a grande diva do TEATRO BRASILEIRO – “ETERNA TÔNIA” - no “foyer” da Arena do SESC Copacabana, com curadoria de LUÍSA THIRÉ e ambientação de SÉRGIO MARIMBA, também responsável pelo cenário da peça. Antes do início do espetáculo, o espectador é brindado com um vídeo, de cinco a seis minutos, narrado por Carlos Arthur Thiré, também neto da homenageada, com ótimos depoimentos da própria e de PLÍNIO, sobre a peça (“A arte, nas mãos dos poderosos, constrange mais do que as armas.” – PLÍNIO MARCOS.).

TÔNIA CARRERO foi uma mulher à frente do seu tempo, das mais respeitadas e admiradas no país, por sua exagerada beleza, seu contagiante carisma e seu indiscutível talento. Para ela, “NAVALHA...” lhe daria, por meio de uma personagem “gauche”, a oportunidade de provar que também era uma intérprete de forte potencial dramático, como o fez e continuou fazendo, até o seu abandono dos palcos. Convenceu os mais céticos.

            Sobre o texto, muito bem construído, diga-se de passagem, por meio de diálogos simples, curtos e contundentes, chegando a chocar os mais puritanos, predominando, como não poderia deixar de ser, o linguajar chulo do trio de personagens, podemos dizer que ele encerra, de forma bem verossímil, um quadro do submundo universal (A peça faz sentido em qualquer ponto do planeta Terra. O tema é universal e atual; atemporal, ficaria melhor). Ou falar de violência contra a mulher, de homofobia, da supremacia de opressores contra oprimidos não é prato principal nas mídias de hoje, em qualquer parte do mundo? Ou a exploração sexual também não existe em todas as esquinas das pequenas e grandes cidades? Ou o “bas-fond” só existe na literatura, na imaginação dos escritores? Ou pobreza, miserabilidade e marginalidade existem apenas na ficção? No fundo, no fundo, a solidão é o grande tema da peça. Ao mesmo tempo, “NAVALHA NA CARNE”, título metafórico, dúbio, expressivo e muito bem escolhido pelo autor, é um texto visceral, violento, realista e... poético. Mais do que uma visão metafórica, enxergamos, em cena, uma alegoria gigante de opressor sobre oprimido, em embates, nos quais os papéis daquele e deste são trocados, cena a cena. Ora VADO pisoteia NEUSA SUELI, humilhando-a de todas as formas, física e/ou moralmente; ora é ela quem tripudia sobre o acuado e frágil VELUDO; ora é VADO, sempre dando as cartas, quem pisa, com todo o seu peso, sobre os dois mais fracos. Nos confrontos, entram em cena a força física do mais forte sobre o mais fraco, a sedução, como moeda de barganha, assim como a autopiedade e a total falta de empatia.




            GUSTAVO WABNER, que, há algum tempo, vem trabalhando na assistência de direção de consagrados diretores, como Sérgio Módena, Gabriel Vilella e Naum Alves de Souza, tem a oportunidade, em sua primeira assinatura, como diretor, em seu primeiro voo, como encenador, de mostrar o quanto aprendeu com seus mestres e optou por uma encenação despudoradamente realista, exigindo o máximo de verdade dos atores, os quais respondem à altura de tal exigência. Segundo o diretor, tal opção se deve ao fato de o realismo propiciar, ao espectador, “um maior entendimento, maior clareza, sobre o universo que o dramaturgo retrata”. E segue: “Nosso grande desafio foi tentar descobrir os silêncios, não cair na armadilha do grito, e, assim, descobrir as camadas e a humanidade dos personagens. Tentamos descobrir, também, alguma leveza e, quem sabe, até, alguma poesia”. Percebe-se uma total obediência do diretor ao texto, acrescida de interessantes pitadas pessoais, que enriquecem, sobremaneira, o trabalho. Os sentimentos de raiva, ira, ódio, que consomem o interior de cada personagem, principalmente VADO, são externados, de forma explosiva, em cenas muito verdadeiras, violentas, que, a despeito de qualquer técnica empregada pelos atores, no trabalho de interpretação, podem render-lhes ferimentos físicos. É tudo muito real, muito impressionante. É um espetáculo tenso, que prende a atenção do espectador, desde a primeira cena, e desperta-lhe uma ansiedade incontida, por saber até onde os três personagens conseguirão sustentar aquela situação.

         É extremamente satisfatório o rendimento do elenco. Cada um dos três apostou todas as fichas em seus personagens. LUÍSA, ALEX e RANIERI mergulharam, profundamente, nos estereótipos que representam. Ela não passa de uma mulher que respira, mas não vive, totalmente sem esperança, incapaz de alimentar sonhos, refém de uma rotina miserável, completamente submissa à tirania de seu homem. Um retrato simbólico de tantas neusas suelis que, diariamente, sofrem violências e humilhações, de toda sorte, por parte de seus maridos, noivos, namorados, quando não são assassinadas por eles. É excelente o trabalho de LUÍSA THIRÉ, a qual, por vezes – sem exagero de minha parte – me fez enxergar TÔNIA, sob as luzes dos refletores.




        VADO também é um grande ponto positivo na carreira de ALEX NADER, um ator visceral, o que já provou em espetáculos anteriores a este. Seu VADO foi construído à luz de muito estudo e observação de tudo o que já se disse a respeito da figura dos exploradores de mulheres. O ator convence, plenamente, o público na pele de seu personagem, violento e debochado, insensível e egocêntrico, cabotino e arrogante, machão e cafajeste...

            RANIERI GONZALEZ, até então, desconhecido para mim, salvo engano, carrega nas tintas, na composição do homossexual, o que, absolutamente, deve ser considerado como uma crítica negativa. Ao contrário, parece-me que o personagem deve ser mostrado, mesmo, como ele o faz, exageradamente afetado e demonstrando uma fragilidade, como se uma mulher fosse. É inevitável que provoque risos, vez por outra, com suas falas e trejeitos, o que pode ser decodificado, talvez, como uma espécie de preconceito, por parte de alguns espectadores, a despeito de, por outro lado, seu comportamento ser totalmente esdrúxulo e, portanto, fora dos padrões estabelecidos por uma sociedade preconceituosa. Aplausos também para o trabalho desse ator.

        Os criadores responsáveis pelos elementos técnicos da montagem, todos profissionais do mais alto gabarito e premiados, foram muito felizes em seus projetos, individuais, porém interligados. Um só serve e satisfaz em função do outro. Falo de cenografia, figurinos, iluminação, trilha sonora, direção de movimento e visagismo.

      A propósito, extraído do “release” da peça, enviado por BARATA COMUNICAÇÃO, com cortes e adaptações: “A equipe criadora (...) imaginou o quarto de pensão, onde se desenvolve toda a ação dramatúrgica, como se ele existisse, onde tudo o que acontece fosse possível, realmente, ocorrer. Representamos o quarto da pensão da maneira mais natural. Na hora em que a NEUSA SUELI abre a torneira, sai água de verdade. A luz que existe nesse quarto de pensão é uma iluminação possível de existir, não há liberdades estéticas; há um neon, que reflete no quarto, pela janela, que vaza pela fresta da porta. Na trilha, não há música que venha de fora do quarto. Há um rádio/cd, fisicamente presente, na cena. Ele é usado, para trazer todos os momentos musicais do espetáculo. Quando o rádio toca na peça, ele toca de verdade. Quando há a trilha incidental, são barulhos que existem na vizinhança: um caminhão que passa, a sirene da polícia, um cão que late etc.. A ideia do diretor é que neste “quarto/ringue”, os três personagens sejam invadidos por tudo o que acontece ao redor”.




    SÉRGIO MARIMBA projetou e construiu um cenário perfeito, para a peça, não só nas dimensões e formato do quarto, como também com relação a tudo o que existe dentro dele. Trata-se de uma estrutura que se abre, triangularmente, para a plateia, e esse formato me pareceu bem simbólico, se considerado o triângulo formado pelos personagens, não, exatamente, amoroso. É impressionante o nível de detalhamento, com relação ao que se poderia chamar de direção de arte. Todos os objetos e peças em cena têm uma função e são a prova mais contundente de um refinado trabalho de pesquisa do cenógrafo, o qual, dentro da proposta realista da direção, faz até com que, como já foi dito, de uma torneira, numa pia, jorre água de verdade. Os traços de desgaste e deterioração do ambiente são impressionantes. Trabalho merecedor de prêmios.

       Os figurinos, propostos por um craque, MARCELO MARQUES, caem como uma luva para cada personagem. Todas as peças foram escolhidas, minuciosa e acertadamente, pelo figurinista. Junto com o ótimo trabalho de visagismo, de ROSE VERÇOSA, eles são responsáveis pela perfeita identidade visual de cada estereótipo.

       Em consonância com a cenografia, e para mais valorizá-la, PAULO CESAR MEDEIROS executa, nesta peça, um de seus mais marcantes trabalhos, como iluminador, dosando intensidades e cores, atentando para detalhes que podem passar despercebidos ao espectador comum, porém serão sempre observados e aprovados por quem assiste ao espetáculo com uma visão e conhecimento mais técnicos. O detalhe do neon, na fachada do prédio, que fica parcialmente visível, quando a janela está aberta é um deles. Mais importante, nesta montagem, que a presença da luz é a ausência ou precariedade dela, o que está totalmente de acordo com a proposta da direção.




      Os detalhes da direção musical, a cargo de MARCELO ALONSO NEVES, já foram comentados, em algum dos parágrafos acima, no que diz respeito à sonoplastia, a sons incidentais. Só me resta acrescentar que se trata de um excelente trabalho, faltando falar do aspecto brega das canções escolhidas para a trilha sonora, a cara dos personagens e da peça.

          Para fechar os comentários sobre a parte técnica, faz-se necessária uma menção elogiosa ao desafiador trabalho de direção de movimento, assinado por SUELI GUERRA, responsável pelos deslocamentos dos atores em cena e de uma “coreografia”, para os embates físicos, de forma que LUÍSA, ALEX e RANIERI passem muita verdade, com o cuidado de não se ferirem em cena.






FICHA TÉCNICA:

Texto: Plínio Marcos
Direção: Gustavo Wabner

Elenco: Luísa Thiré, Alex Nader e Ranieri Gonzalez

Cenário: Sérgio Marimba
Figurinos: Marcelo Marques
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Direção de Movimento: Sueli Guerra
Preparação Vocal: Ana Frota
Visagismo: Rose Verçosa
Fotografia e Design: Victor Hugo Cecatto
Vídeo: Carlos Arthur Thiré, Marcelo Duque e Luísa Thiré
Direção de Produção: Celso Lemos
Supervisão de Produção: Norma Thiré
Assessoria de Imprensa: Barata Comunicação
Idealização: Luísa Thiré



 




SERVIÇO:

Temporada: De 11 de abril a 28 de abril de 2019.
Horários: De quinta-feira a domingo, às 19h.
Classificação Indicativa: 16 anos.
Duração: 75min.
Ingresso: R$30,00 (inteira), R$15,00 (meia entrada) e R$7,50 (associados SESC).
Local: Sesc Copacabana - Arena.
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana, Rio de Janeiro / RJ.
Telefone: (21) 2548-1088.
Gênero: Drama.

EXPOSIÇÃO ETERNA TÔNIA:
Período: De 13 de abril a 28 de abril de 2019.
Horários: de terça-feira a domingo, das 10h às 21h.
Classificação Indicativa: Livre.
Ingresso: GRATUITO.
Local: “Foyer” do Teatro Arena do Sesc Copacabana.
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana, Rio de Janeiro / RJ.
Telefone: (21) 2548-1088


ATENÇÃO!!!
A partir do dia 11 de maio, até o dia 03 de junho, segunda temporada carioca, no Teatro Gláucio Gill, de 6ª feira a 2ª feira, 
às 20h.



 


           Desde sua estreia, no ano passado, em São Paulo, eu aguardava, ansiosamente, a oportunidade de conferir esta montagem, na certeza de que ela me agradaria muito, porém confesso, com muita alegria e, também, orgulho, dos nossos artistas, que ela superou, em muito, tudo o que eu esperava dela. Merecia, mesmo, portanto, uma segunda temporada; quiçá, outras.

          Recomendo, com o maior empenho, esta peça e, em especial, parabenizo, LUÍSA THIRÉ, pela idealização do projeto, e GUSTAVO WABNER, pela coragem de debutar, como diretor, com este clássico de PLÍNIO MARCOS, fazendo-o com muita competência, o que já o credencia a assumir outras direções. Só não gostaria de perder o bom ator, que ele também é.








(FOTOS: VICTOR HUGO CECATTO.)



E VAMOS AO TEATRO!!!


OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!


A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!


RESISTAMOS!!!


COMPARTILHEM ESTE TEXTO, PARA QUE, JUNTOS,

POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO

TEATRO BRASILEIRO!!!




GALERIA PARTICULAR:


Com Luísa Thiré.


Com Alex Nader.