ESPELHOS
(UM HOMEM
REFLETINDO E REFLETIDO
A SI MESMO.)
Inicia-se
mais um ano teatral, o de 2019.
Em janeiro de 2018, assisti a 27 espetáculos, sendo apenas 10 estreias; os outros 17 eram continuações ou reestreias de espetáculos do ano anterior ou, até
mesmo, de mais tempo atrás. O panorama parecia sombrio, o que, felizmente, não
foi ratificado, no decorrer do ano. Foi muito difícil, para todos, porém bem
profícuo, para o TEATRO, o ano de 2018, apesar de tantos lutando contra
e, muito, pela garra desse “povo do
TEATRO”, que cai, “levanta, sacode a poeira e dá a volta por
cima”. Sempre.
No atual janeiro, por incrível que pareça, as
coisas se reverteram, em relação ao ano passado, e, ao lado de algumas boas continuações
e reestreias, estamos assistindo a um pipocar de novas montagens, todas, ou quase todas, prometendo virar grandes
sucessos, de público e de bilheteria. Algumas já esperadas; outras, grandes
surpresas. Tenho recebido mais de um convite, por dia, para estreias; não muito
raro, dois ou três.
A primeira
grande surpresa, para mim, pelo menos, extrapolando as minhas expectativas, foi
o espetáculo “ESPELHOS”, o primeiro
a que assisti no ano em curso, um monólogo
conduzido por NEY PIACENTINI, em
cartaz no Teatro Poeirinha (VER SERVIÇO.).
PIACENTINI, um dos fundadores da
consagrada e vitoriosa Cia do Latão,
além de ser um intérprete constante nas produções
desta, volta-se, agora, para um trabalho
solo, o primeiro em sua vitoriosa carreira, o qual já cumpriu sete temporadas, em São Paulo, durante dois anos, intercalando-as com uma participação em um festival de TEATRO, no Chile.
SINOPSE:
Conduzido pelo ator NEY PIACENTINI, o solo teatraliza os contos “O
Espelho”, de Machado
de Assis, integrante do livro “Papéis
Avulsos”, publicado, pela primeira vez, em 1882, e outro, de mesmo nome, de Guimarães Rosa, de 1962,
integrando seu livro “Primeiras
Estórias”.
A montagem é o resultado de pesquisas e experimentações cênicas,
realizadas ao longo dos anos de 2015
e 2016, e apresenta, na íntegra, os
dois textos, compondo um único trabalho teatral, que investiga a
formação da identidade do sujeito brasileiro, através da relação entre a
literatura e o TEATRO.
Embora o espetáculo seja uno, indivisível, na
primeira parte, digamos assim, de “ESPELHOS”, PIACENTINI investe-se de JACOBINA,
personagem de Machado de Assis, que
conta, a amigos, uma misteriosa passagem de sua juventude, na qual enfrentou a
solidão.
Em seguida, o ator assume uma figura, criada por Guimarães Rosa, que parte em busca de
sua essência.
Em uma ambientação que se
transforma, ao longo da peça, o ator
se desdobra em duas figuras humanas, para transmitir tanto o ceticismo de Machado de Assis quanto o contraponto
esperançoso de Guimarães Rosa.
A obra propõe uma
interface entre a aguda percepção crítica de Machado e a poética que Rosa
nos oferece, com sua inquieta criatura.
Com
este trabalho, pelo qual foi indicado a um prêmio, de Melhor Ator, pela APCA, em São Paulo, NEY
comemora 40 anos de carreira artística e escolheu muito bem o presente
que ele, o aniversariante, oferece a nós, convidados, mergulhando,
profundamente, no universo de dois dos maiores gênios da literatura universal, Machado
e Rosa, não por acaso, meus dois preferidos, tirando os poetas.
São
60 minutos de pura emoção, passada pelas palavras e pelos gestos, pelo comportamento
corporal. Durante essa hora. O ator “propõe uma reflexão sobre as relações entre
sociedade, imagem e subjetividade, por meio do pensamento de duas matrizes da
cultura brasileira” (Trecho em negrito retirado do “release”, enviado por MÔNICA
RIANI (ASSESSORIA DE IMPRENSA).
Reveste-se de maior importância a montagem
pelo fato de que, por não se tratarem de textos
para o TEATRO, embora com uma carga “estilístico-formal-conteudística” que
se presta a uma dramatização, o
trabalho de passar as mensagens das duas obras se torna muito mais difícil,
para o ator, tarefa da qual, no
entanto, NEY, por conta de seu
inestimável talento artístico, dá conta e agrada muito à plateia. “A
encenação oferece, ao espectador, a oportunidade de entrar em contato com a
lucidez e a sutileza das palavras de dois dos maiores intérpretes da cultura
brasileira, tanto do ponto de vista estético quanto histórico” (Texto
também extraído do já referido “release”.).
A despeito do valor do texto,
inquestionável, para mim, o que ficou de mais marcante, na peça, foi a magnífica
interpretação de NEY PIACENTINI, com destaque para a exploração do corpo, o
aspecto corporal, por meio do qual o ator
trabalha cada um de seus músculos, para criar a emoção ou o sentimento que propõe
chegar ao espectador. Seria bem merecida e justa, também no Rio de Janeiro, qualquer indicação ao prêmio
de Melhor Ator, para NEY, por sua “performance”. Seu
trabalho de corpo é um dos melhores de que me lembro ter visto no palco, em
mais de meio século de experiência na área, como espectador e crítico.
Ainda que seja um apaixonado por Guimarães
Rosa, confesso que me derreto todo lendo Machado e, mais ainda, quando “ouço” Machado, pela voz de outrem, e de uma fora tão ímpar, como o faz PIACENTINI. A sua linguagem de época,
tão vilipendiada pelos modismos atuais, é um bálsamo para os nossos ouvidos. E,
antes que alguém possa levantar a equivocada bandeira de que “a
língua precisa evoluir”, deixo bem claro que, como professor de língua
portuguesa e linguista, isso, para mim, não é novidade. O problema é que, às vezes,
a dita “evolução linguística” passa
a ser uma “involução”, um retrocesso,
um acinte contra a língua que nos legou Portugal.
Mas deixemos de devaneios, meu caro leitor, que este não é o fórum
adequado para essas pendengas (Olha Machado
aí, gente!!!) e passemos, logo, a dizer o que mais me impressionou no espetáculo, que, como já disse, foi a atuação de PIACENTINI.
Por ser mais linear a história do conto de Machado, mesmo com a pomposidade de suas belíssimas construções
frasais, torna-se a primeira parte, digamos assim (Não há interrupções entre um conto e outro, a não ser por uma ação do
ator e a mudança na sua postura corporal e na voz, além, evidentemente, da
mudança de estilo.), da peça,
mais inteligível para o público. As pessoas conseguem acompanhar, com mais
atenção, o texto e observam menos a
atuação do artista e mais a narrativa. Quando este passa para “O
Espelho” de Guimarães Rosa, a
coisa muda de figura.
Rosa é um mago das palavras,
em função de suas originalíssimas estruturas linguísticas e abuso na criação de
neologismos, gerando uma linguagem bastante hermética, obrigando o indivíduo, quando
leitor, a reler, muitas vezes, alguns trechos, ante de passar adiante. Agora,
pensemos no espetáculo teatral. Não
há como o espectador exercitar isso. Assim, chega-se a um determinado momento,
na peça, em que, por mais que deseje
se ater ao texto, o espectador vai
se perdendo, até porque ele, o conto, não é de fácil compreensão, visto que
trata de um tema metafísico, fazendo uso de uma grande metáfora. Utilizando a
primeira pessoa, o personagem, anônimo, “conta de sua luta, para provar a falta de
lógica e de sentido do mundo. Diante de um espelho, foi descobrindo, com o
passar dos dias, a mentira que é a aparência humana. Num processo de
“desimaginar-se”, vai verificando que o homem, como todas as coisas, não passa
de uma metáfora. No limite do absurdo, ele chega a ver sua “forma” invisível. O
tema da identidade é tratado através da metáfora do ato de se ver e se
reconhecer no reflexo dos espelhos” (Extraído do “site” “PASSEI WEB”.).
O próprio NEY PIACENTINI dirige
o espetáculo - e isso é muito bom -,
em cuja ficha técnica aparecem nomes
merecedores de destaque e elogios, pela qualidade de suas colaborações na montagem. São eles: MARISA BENTIVEGNA (cenografia e iluminação),
com uma simples, porém significativa proposta
cenográfica, com poucos elementos no palco, ordenados e”arrumadinhos”, que vão
sofrendo uma “desconstrução”, acompanhando o estado de espírito do protagonista e com os quais o ator interage,
e uma luz a serviço da intensidade
de cada cena; FÁBIO NAMATAME (figurinos),
propondo um traje discreto e elegante, que despido, do ator, em parte, vai sendo incorporado à representação; MIGUEL CALDAS
(trilha sonora), que embala, de forma corretíssima, a interpretação do ator; e MÔNICA MONTENEGRO (preparação
vocal).
FICHA TÉCNICA:
Textos: Contos de Machado de Assis e Guimarães Rosa
Direção: Ney Piacentini
Direção: Ney Piacentini
Elenco: Ney Piacentini
Iluminação e Cenografia: Marisa Bentivegna
Figurinos: Fábio Namatame
Trilha Sonora: Miguel Caldas
Preparação Vocal: Mônica Montenegro
Programação Visual: Paulo Fávari
Fotografias: João Maria Silva Jr.
Adaptação da luz: Paulo Barcellos
Figurinos: Fábio Namatame
Trilha Sonora: Miguel Caldas
Preparação Vocal: Mônica Montenegro
Programação Visual: Paulo Fávari
Fotografias: João Maria Silva Jr.
Adaptação da luz: Paulo Barcellos
SERVIÇO:
Temporada: De 03 de janeiro a 24 de fevereiro.
Local: Teatro Poeirinha.
Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2537-8053.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h.
Valor do Ingresso: R$50,00 e R$25,00 (meia entrada).
Lotação: 80 lugares.
Duração: 60 minutos.
Indicação Etária: (Não divulgada).
Gênero: Monólogo Dramático.
Para quem é amante da boa literatura e de um bom trabalho de interpretação, “ESPELHOS” é uma grande pedida, que eu
recomendo, para iniciar bem o seu Ano Novo
Teatral. Foi assim que dei partida ao meu, começando com o pé direito, e o
fato de ter assistido a uma peça tão
interessante, a primeira do ano, é um bom sinal – de que 2019 promete ser, também, uma temporada de grandes produções.
E VAMOS AO
TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS
SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM ESTE
TEXTO, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO
BRASILEIRO!!!
(FOTOS: JOÃO MARIA SILVA JR..)
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