A
CASA DOS NÁUFRAGOS
(UMA METÁFORA ACERTADA.
ou
UMA PROPOSTA INTERESSANTE.)
Está
em cartaz, na Sala Multiuso do SESC Copacabana (VER SERVIÇO.) o
espetáculo “A CASA DOS NÁUFRAGOS”,
um monólogo, baseado no livro
homônimo, considerado “best seller”, de um famoso escritor
cubano, GUILHERMO ROSALES (Havana, 1946
– Miami, 1993), embora eu ainda, reconhecendo a minha ignorância, não
conhecesse o seu trabalho, apesar de leitor de muitos outros seus conterrâneos,
dentre os quais destaco Italo Calvino
(Santiago de las Vegas, 1923 – Siena, 1985), Leonardo Padura (Havana, 1955), José Martí (Havana, 1853 – Dos
Ríos, 1895) e Pedro Juan Gutiérrez (Matanças,
1950), o meu preferido, com o qual travei uma relativa amizade, quando de
sua visita ao Brasil, para o
lançamento de um dos livros de sua maravilhosa “Trilogia Suja de Havana”. Vou procurar conhecer a obra de ROSALES.
O
espetáculo não correspondeu, totalmente, às minhas expectativas, porém não vejo motivo algum para desaboná-lo e não
recomendá-lo. Talvez, eu não estivesse, no dia em que assisti à peça (26 de outubro/2028), permeável, para
absorver tudo de que trata a “pesada” temática da peça, ou seja, todo sofrimento de um homem fora da caixa,
considerado louco, vivendo, durante sete anos, confinado num sanatório, um
hospital psiquiátrico inqualificável, na cidade de Miami, para onde fugiu, do regime castrista, em 1979, o que seria sua última chance de “cura”,
revelando-se a experiência uma abreviação de sua triste vida, interrompida por
um suicídio, com um tiro na cabeça, aos 47
anos de idade. “Abandonado por seus amigos e familiares (o personagem) morou nessa
espécie de manicômio particular, custeado pelo seguro social. Lá, viveu um
cotidiano sombrio, cercado por doentes mentais e indigentes. Confinado naquele
horroroso e insalubre microcosmo, o escritor registrou, implacavelmente, sua
rotina de tédio, solidão, sofrimento, mas também de amor e esperança”. “Capacitado a compreender o estado de miséria humana
que o rodeia, desnutrido, perturbado e sem perspectivas, o escritor pressente a
morte. Egresso de uma Cuba mergulhada na censura, ele se situa, no present, e
como um ‘náufrago’, que nem pertence ao território que habita, nem sente falta
do que abandonou”. (Trechos extraídos,
com o mínimo de adaptação, do rico “release”,
enviado por JSPONTES COMUNICAÇÃO – JOÃO PONTES
E STELLA STEPHANY.)
A propósito,
aplaudo a metáfora contida no título do livro/peça, que não corresponde a uma tradução literal (“Boarding Home” ou “The Halfway House”, no original.), acrescentando que não vejo, apenas, o personagem como um “náufrago”, mas também a todos os que com ele convivem naquele “mar
tormentoso”, todos “à deriva” e com a morte cercando-os e se aproximando, cada
vez mais, de cada um deles.
Com
relação à montagem, utilizo-me de
informações contidas no já referido “release”,
para dizer que foi muito longo o processo
de concretização do projeto, (Durou quase cinco anos.),
acrescentando que o cerne do texto
está voltado para os últimos sete anos da história de vida do escritor, entretanto, no texto final da peça, podem são
encontradas, além disso, referências biográficas de ROSALES, além de, também, outras, do próprio adaptador. “A ação dramática é conduzida por uma
partitura corporal, desenvolvida a partir de um estudo profundo das técnicas
primitivas de transe, utilizadas pelas religiões afro-brasileiras e indígenas.
O espetáculo é carregado de elementos de rituais arcaicos de cura”.
SINOPSE:
Exilado em Miami, o
escritor cubano WILLIAM FIGUERAS, o
codinome de GULHERMO ROSALES, é
internado, pela família, em um asilo, destinado a inválidos e doentes mentais.
Sofrendo de alucinações auditivas episódicas e comportamento paranóico
não violento, o personagem está em posição privilegiada, em relação aos outros pacientes.
“Já
te observei bastante”, diz o
zelador da instituição, “e você não está louco”.
O que poderia ser uma vantagem acaba aprofundando sua dor.
Utilizando-se
da primeira pessoa, com dois únicos e breves momentos em terceira, o ator AUGUSTO GARCIA, idealizador
do projeto e adaptador da obra, com a colaboração artística de MATHEUS
NACHTERGAELE, encarna o personagem,
cujo talento só foi reconhecido postumamente e traduzido para mais de quinze
idiomas, e mais doze outros. GARCIA ainda é responsável pela direção da montagem e da trilha sonora,
que também executa, ao vivo, em parte.
GUILLERMO ROSALES, além de um ferrenho
crítico do regime totalitário de Cuba,
também se revelou quanto à indiferença dos exilados cubano-americanos,
empenhados em alcançar o Sonho Americano.
Segundo os críticos literários, ROSALES
“criou
algumas das melhores literaturas cubanas da segunda metade do século XX, obtendo
comparações...”. Foi um desajustado, ao longo da vida, diagnosticado
com esquizofrenia. Além de escritor, exerceu, também, um combativo trabalho de jornalista. O tempo que passou internado na “CASA DOS NÁUFRAGOS” forneceu, ao autor, o material para escrever a obra
aqui analisada, considerada sua “novela mais famosa e visceralmente
assombrosa”. Antes de suicidar-se, ROSALES
decidiu destruir a maior parte de seu trabalho.
Reconhecendo a dificuldade que há, na adaptação de um texto literário para o
formato dramático, teatral, e por não conhecer o original, sinto uma certa insegurança em analisar e avaliar o texto
da peça, tendo-me ficado, porém, a
impressão de que a dramaturgia
poderia ser um pouco mais explorada, o que, numa análise mais superficial, não
vejo como nenhum desastre, uma vez que, graças à explicação que o ator dá, ao público, no início e no
final da encenação, não como personagem,
mas como narrador, todos conseguem
acompanhar as ações e se interessar pela peça.
Sim, o espetáculo é bastante atraente.
Gostei do trabalho de ator, de AUGUSTO GARCIA,
que, no entanto, apresenta alguns altos e baixos, mais aqueles que estes, com um
saldo, portanto, bastante positivo. Penso que, por excesso de entrega ao personagem, por vezes, a interpretação
peca pelo “plus”, parecendo-me conter mais tintas do que o necessário.
Talvez um outro diretor, com uma
visão de fora, pudesse corrigir esses excessos, a meu juízo, o que se torna
muito difícil, para quem interpreta
e dirige. Faltou, talvez, quem
fizesse o trabalho de atentar para isso. Esse detalhe, não é, porém,
significativo e uma justificativa para uma baixa avaliação do ator; muito pelo contrário. Ganham
destaque, na sua atuação, a movimentação
corporal e as várias vozes, bem
distintas, que cada personagem
exige.
Em função do conteúdo do parágrafo anterior,
faço algumas restrições quanto à direção,
as quais, porém, não precisam ser realçadas, tanto com relação ao aspecto
quantitativo como qualitativo. A escolha pelo formato de uma arena, ou quase isso, foi bastante
acertada, uma vez que ajuda na interação ator/público.
O espetáculo, provavelmente, não
funcionasse tão bem num palco italiano.
O tempo em que GARCIA diz o seu texto, numa cena um tanto quanto longa,
tocando, simultaneamente, o atabaque, prejudica um pouco a percepção do que está
sendo dito; às vezes, o texto fica
encoberto pelo som do instrumento e, em outras, o ator é obrigado a gritar, para que a fala se sobreponha aos outros
ruídos. Isso é muito fácil de ser corrigido.
Confesso que não entendi muito bem a proposta da
cenografia (Talvez seja um problema meu, que não vem tanto ao caso.), embora esta cause um
certo impacto, assinada pelo próprio AUGUSTO
GARCIA. O cenário se resume a uma
reprodução (Ou estaria eu errado?) de um terreiro de alguma religião de matriz
africana, predominante em Cuba, com
um piso de uma fina camada de argila ressecada, aplicada sobre um plástico
preto, provocando uma sensação de aridez, contando com alguns elementos
curiosos, no contexto, peças e objetos de cena, como um caixote rudimentar; um atabaque, que o ator toca, como já foi dito, durante boa parte do final do espetáculo; um imenso alguidar de barro, daqueles utilizados
em oferendas; uma quartinha, espécie
de jarro, de barro, utilizada, também em oferendas, normalmente a exus e
pombas-giras; uma cabeça de cera, um
ex-voto; outra, mutilada, pela metade; um enorme ramo de arruda, que não é
utilizado na encenação (?); uma boina e
um par de óculos escuros também são
expostos e utilizados pelo ator, na
caracterização de dois personagens.
Ainda um pequeno chocalho é
manuseado por GARCIA.
O centro das
atenções do espetáculo, AUGUSTO GARCIA, também é o responsável
pelo simples figurino da peça, resumido a uma calça de algodão,
solta, e uma camisa do mesmo tecido, que se aproximam das vestes de um
capoeirista, na cor branca, obviamente. Há um momento de nudez e dois em que GARCIA atua, fazendo uso apenas de uma
cueca, também branca. Longe de qualquer interpretação que possam fazer de pudicismo,
de minha parte, não sei até que ponto seriam necessárias, mas não as vejo como
“apelação”.
RAFAEL SIEG assina
uma luz bastante interessante,
basicamente intimista, com alguns momentos de maior intensidade e explosões,
ajustadas a determinadas exigências do texto e da proposta da direção.
FICHA TÉCNICA:
Autor
do Livro Original: Guillermo Rosales
Adaptação:
Augusto Garcia
Colaboração
Artística: Matheus Nachtergaele
Tradução:
Rodrigo Lopes de Barros
Direção:
Augusto Garcia
Assistência
de Direção: Camila Doring
Atuação:
Augusto Garcia
Cenário: Augusto Garcia
Figurino:
Augusto Garcia
Iluminação:
Rafael Sieg
Projeto
Gráfico: Tarcisio Lara Puiati
Fotos:
Carol Beiriz
Direção
de Produção e Gestão Do Projeto: Augusto Garcia
Produção
Executiva: Camila Doring
Realização:
Sesc Rio e Companhia de Teatro Íntimo
Assessoria
De Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada: De 19 de outubro a 18 de novembro.
Local: SESC Copacabana (Sala Multiuso).
Endereço:
Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana – Rio de Janeiro.
Telefone:
(21) 2547-0156.
Dias
e Horários: Sessões, em outubro, de 6ª feira a domingo, nos dias 19, 20, 21 e
26 (Nos dias 27 e 28, não haverá sessões, devido às eleições); em novembro, de
5ª feira a domingo, nos dias 1º, 2, 3, 4, 8, 9, 10, 11, 15, 16, 17 e 18. Sempre
às 18h.
Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira), R$15,000 (meia entrada) e R$7,50
(associado SESC).
Horário de Funcionamento da Bilheteria: 2ª feira, das 13h às 20h; de 3ª
a 6ª feira, das 9h às 21h; aos sábados, das 13h às 21h; aos domingos, das 13h às
20h.
Capacidade: 60 lugares.
Duração: 60 minutos.
Gênero: Drama.
Classificação Indicativa: 18 anos.
Acessibilidade para portadores de necessidades especiais.
Sopesando os erros e os acertos que
contabilizei, na minha humilde visão, com relação a esta encenação, sinto-me no dever de tornar público que estes superam
aqueles, o que me faz recomendar o espetáculo.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO
BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: CAROL BEIRIZ)
(FOTOS: CAROL BEIRIZ)