A
VIDA
NÃO
É
UM
MUSICAL
- O MUSICAL
(MAS DEU ORIGEM A UM GRANDE
MUSICAL.)
Infelizmente, em
sua reta final de temporada, na Arena do
SESC Copacabana (VER SERVIÇO.), está em cartaz um dos melhores musicais do momento, no Rio de Janeiro, que, por sua ótima qualidade, merecia fazer uma
longa carreira e ser visto pelo máximo de pessoas que gostam do bom TEATRO, principalmente dos MUSICAIS.
Estou
falando de “A VIDA NÃO É UM MUSICAL - O MUSICAL”,
uma brilhante ideia de LEANDRO MUNIZ,
jovem autor, que ganhou a adesão de
uma competente equipe de atores, criadores e técnicos, o que só poderia mesmo acabar resultando numa excelente montagem.
Se,
de um limão, posso fazer uma boa limonada, por que não fazer um bom musical sobre a vida, naquilo
que ela tem de ruim ou de pior?
Foi
o que fizeram LEANDRO, FABIANO KRIEGER e JOÃO FONSECA, quando se propuseram a montar o espetáculo,
idealização do dramaturgo.
Trata-se
de uma peça que parece ter sido
escrita ontem, de tão atual que é, satirizando, de forma profunda e
contundente, a ingenuidade do universo dos contos de fadas da Disney, em contraste com o atual
cenário político brasileiro, local e nacional, “fazendo um recorte crítico
e bem-humorado da atualidade real e contraditória. É um musical brasileiro, que
perpassa os estilos tradicionais, utilizando-se da rica música brasileira e de
sua diversidade de ritmos, para criar sua identidade”. (Extraído do “release”, enviado por ALESSANDRA COSTA - DUETTO COMUNICAÇÃO). “O
projeto de cidade negócios fracassou, queríamos a Disneylândia, mas a realidade
é muito mais Complexo do Alemão”, destaca o autor, que, também, dirige
o musical.
Ainda,
contido no “release”, “A
peça leva, ao espectador, uma comédia musical, em que a ação dramática anda,
lado a lado, com a música. Embora haja, aqui, toda essa efervescência de
montagens musicais, citada anteriormente, é muito menos comum vermos montagens
originais de comédias musicais brasileiras”.
Tanto o texto quanto as canções são originais e
de ótimo nível, propondo-se a um
deboche, de maneira respeitosa, numa grande brincadeira, com os musicais americanos, principalmente os
que se utilizam das histórias com as quais nos entopem os estúdios Disney, partindo o enredo de um universo
real, de uma cidade fictícia, inspirada no Rio
de Janeiro, imperfeito, cru, violento. O detalhe do “fictício” é só para constar, uma vez que fica bem claro que a “urbis”
em questão é a ex-Cidade Maravilhosa.
Os grandes
amantes dos musicais tradicionais, como eu, que chego a ser fanático por eles
(assumo), tendo lido os primeiros parágrafos desta crítica, podem começar a não sentir vontade de ver o espetáculo ora
analisado, achando que serão ofendidos, mas quero deixar bem claro que isso
jamais ocorrerá, uma vez que, como já disse, anteriormente, tudo não passa de
uma grande e saudável, acrescento, brincadeira, que, no fundo, acaba por
homenagear os grandes musicais, em
seu formato original.
Podemos iniciar os comentários “técnicos”, pelo criativo, irônico e
simples título da peça: “A VIDA NÃO É UM MUSICAL - O MUSICAL”, que, com
foco no conteúdo do espetáculo, equivale a “A
vida não é um mar de rosas” ou “Na
vida real, não há espaço para o sonho” ou “Desce das nuvens e põe o pé no chão”.
“O texto fala de um mundo utópico, construído separadamente
da cidade grande: o Vale ‘Dísnei’. Lá, nesse pequeno vilarejo, as famílias
vivem felizes, em harmonia, longe da violência. Plantam o que comem, não têm
contato com o mundo externo, se amam, cantam o tempo todo, como nos desenhos da
Disney, e são extremamente afinadas e precisas quando dançam” – segue o “release”.
Quando LIZ (DANIELA FONTAN) é
introduzida no mundo real, ocorre, como não poderia deixar de ser, um grande
choque cultural, o que vai colaborar para o surgimento de situações que
conhecemos de perto, infelizmente, e
que, a cada momento, mais se aproximam da de nós.
SINOPSE:
Satirizando
o universo dos contos de fadas da Disney
e o atual cenário político, “A VIDA NÃO
É UM MUSICAL - O MUSICAL” apresenta LIZ (DANIELA
FONTAN), uma personagem criada em um vale encantado, que é levada a
conhecer a vida numa “urbis”.
Com
um humor ágil e inteligente, o musical mostra as mais variadas situações que LIZ enfrenta, na cidade grande, ao se
deparar com a violência, a pobreza e outros problemas do mundo real, até então,
longe da sua realidade.
Ampliando a breve sinopse
(perdão pelo pleonasmo), temos um mundo “ideal”, totalmente fictício, criado
pelos autores das histórias infantis, o vale (Disnei), onde não há
espaço para o mal, onde todas as criaturas vivem em harmonia total com a
natureza e o universo. É onde moram LIZ e sua família: o marido e
filhos. Os limites desse espaço existem e o fato de algum de seus habitantes
ultrapassá-los significa uma “quebra do encanto”, ou seja, que terá um pesado
fardo a carregar, lembrando, a grosso modo, a expulsão de Adão e Eva
do Paraíso. Existe, de forma implícita, ou não, uma proibição,
autoimposta, de ultrapassar aqueles limites, à qual não obedece a protagonista.
O ir além das fronteiras da ficção significa conhecer os seres reais, os
humanos, com seus vícios, suas maldades e toda sorte de outras mazelas
inerentes ao Homem.
LIZ,
numa atitude de total rebeldia e curiosidade, ousa não seguir as leis do vale e
imerge no mundo real, parando numa cidade grande, facilmente identificada com o
Rio de Janeiro. Ela desemboca numa favela (recuso-me ao uso
“politicamente correto” do termo: “comunidade”), onde logo é “recepcionada” com
um assalto. A partir de então, vê-se na contingência de se adaptar ao meio,
deixando-se influenciar pelo que de mais podre existe na sociedade. Tendo
deixado o marido no seu “mundinho”, apaixona-se por quem não devia, envolve-se,
ingênua e pateticamente, com tipos sórdidos, chegando a extremo de se
candidatar ao cargo de governadora do estado, passando pela podridão que
envolve as campanhas eleitorais, as quais nos enojam.
Quando,
no início desta crítica, fiz menção à contemporaneidade do texto,
acrescento, como exemplo, algumas das várias referências atuais, que corroboram
tal afirmação, a começar pela corrupção, que parece ter nascido com o
primeiro ser humano, mas, “nunca na história deste país”, esteve tão
exacerbada. Não foram esquecidos, também, e nem poderiam ter sido, o podre
universo do “marketing” político; o poder destrutivo da mídia e das
redes sociais; as repugnantes atuações de alguns segmentos religiosos;
a nefasta atuação das milícias, as quais alguns consideram mais danosas
e violentas que as quadrilhas de traficantes de drogas; os crimes políticos
e sua impunidade, na grande maioria das vezes; a discriminação social,
racial e contra a mulher, incluindo o asqueroso assédio sexual; a polarização
política; o fundamentalismo político e religioso; a intolerância
geral; a desvalorização do ser humano, da moral e da crítica construtiva;
o parecer superando o ser...
O curioso é que não conseguimos deixar
de dar boas gargalhadas com essas situações, como se hienas fôssemos, porém
isso é justificado como uma espécie de um riso nervoso, pela vergonha do alheio
e, até mesmo, como uma prova de que não somos tão ingênuos quanto LIZ e
que estamos atentos, olhos abertos, embora, muitas vezes, inertes. E, também,
porque o elenco é ótimo, formado por gente que sabe explorar o humor.
É um texto brilhante, em todos os sentidos, e serve de apoio para a ótima
direção, a quatro mãos, de LEANDRO MUNIZ e JOÃO FONSECA.
Este, um consagrado “habitué” na direção de musicais; aquele,
fazendo o seu “début” na função, se não me equivoco, tendo iniciado, no
ofício, com o pé direito, com o mesmo talento como escreve.
Aprovo, totalmente, o aspecto
político do texto, já que isso é uma das funções do TEATRO,
porque ele, o texto, não é partidário nem panfletário; traduz, fielmente, a triste
realidade brasileira do momento, não poupando ideologias ou partidos políticos.
Um bom texto e uma boa direção
são fundamentais para o sucesso de um espetáculo. Ambos são garantia deste, mas
entra em campo o terceiro elemento de sustentação de um tripé, que é o ótimo
elenco, o qual se apresenta de forma irrepreensível, atuando e cantando;
até mesmo, dançando, o que não pode faltar a um musical. Todos, sem qualquer
exceção, se apresentam de forma marcante.
Percebi um nivelamento total
entre todos os atores e atrizes, contudo desejo fazer alguns
breves comentários, direcionados a três pessoas do elenco.
Começo pela protagonista, DANIELA
FONTAN, que me surpreendeu muito, não como atriz, mas como cantora,
uma faceta que eu não conhecia nela, até então. Sua personagem estabelece, com
a plateia, uma forte empatia, graças ao bom trabalho da atriz.
Falar de THELMO FERNANDES
chega a ser “covardia”. Ele é um dos mais completos atores brasileiros,
mantendo, sempre, o mesmo talento, ou se superando, quando, por exemplo, um
dia, resolveu investir nos musicais, ele, que é um ator que joga
bem nas duas posições, defesa e ataque: drama e comédia. Um de seus personagens, o
GOVERNADOR SÉRGIO CAMARGO, escancaradamente, baseado num ex-governador
fluminense, cujo nome não citarei, por motivos óbvios (um deles seria não
provocar ânsias de vômito no meu leitor), abusa do cinismo e do mau-caratismo.
MARCELO NOGUEIRA tem a oportunidade, mais uma vez, de nos mostrar o
seu potencial de ator e cantor, que atingiu o auge, ao
interpretar o cantor Agnaldo Rayol, no musical “Agnaldo Rayol – a
Alma do Brasil”, de saudosa e agradável lembrança, ainda recente. Aqui,
interpreta uma partitura que exige bastante dele, e dos demais do elenco,
em alguns momentos.
Num musical, conta muito
ponto, obviamente, a direção musical, neste, assinada por FABIANO
KRIEGER e GUSTAVO SALGADO, os quais conseguem harmonizar as vozes em
conjunto e trabalhar os solos, extraindo o melhor dos atores/cantores. FABIANO
também, como já disse, compôs todas as melodias originais, em parecia
com LEANDRO MUNIZ, que se encarregou das letras. A GUSTAVO,
couberam, também, a orquestração e os arranjos vocais. Gostaria
de nominar os componentes da banda, entretanto não tive acesso a suas
identidades, o que não me impede de elogiar o seu trabalho.
Agradaram-me, igualmente, os figurinos,
criados por CAROL LOBATO, creio que parte deles oriundos de seu acervo,
todos interessantes e bem ajustados aos personagens, a cada momento, e o cenário,
de NELLO MARRESE, que mistura elementos da fantasia e da realidade,
incluindo balões de gás, distribuídos na arquibancada, a serem estourados pelo
público, a um pedido de LIZ, e objetos e adereços, que serão utilizados
em cena, até determinado momento, ocultos, ao redor da arena, sob um tecido
azul. Na verdade, esses elementos, ao serem trazidos à visão do público,
revelam a realidade do lixão em que o mundo atual parece ter sido transformado.
Nada em especial, com relação à luz,
de responsabilidade de PAULO DENIZOT, a não ser atestar que ela está acorde
com a proposta da peça.
Todos os demais profissionais
e técnicos envolvidos no projeto colaboram para o seu sucesso.
FICHA TÉCNICA:
Texto : Leandro Muniz
Direção : João Fonseca e Leandro Muniz
Direção Musical: Fabiano Krieger e Gustavo
Salgado
Músicas Originais: Fabiano Krieger
Elenco: Daniela Fontan (Liz), Thelmo
Fernandes (Governador Sérgio Camargo, Fanho, D. João VI e Donald Trump), Augusto Volcato (Justin; Zé; Homem do Lixão;
Deputado Amaro; Figurante, Begônia; e Âncora do Debate), Ester Dias (Líder
Comunitária, Zé, Estudante, Índia e Deputada), Flora Menezes (Eveline;
Assessora do Governador, Mendiga; Jennifer e Cinderela), Ingrid Gaigher (Narradora;
Irmã, Chefe dos Terroristas; e Branca de Neve), Joana Mendes (Tia Lucy, Pivete
e Mulher do Lixão), Marcelo Nogueira (Martin, marido de Liz; Deputado Malaquias
e Getúlio Vargas); Nando Brandão (Gabriel, Coro e Ayrton Senna) e Udylê
Procópio (Militante, Miliciano Carlão, Escravo e Saci)
Direção de Movimento e
Coreografias: Carol Pires
Figurinos : Carol Lobato
Cenário : Nello Marrese
Iluminação: Paulo Denizot
Design de Som: Rossini Maltoni
Design Gráfico : Pablito Kucarz
Fotos: Carol Pires
Visagismo: Diego Nardes
Fotos: Carol Pires
Visagismo: Diego Nardes
Assessoria de Imprensa: Duetto Comunicação
Direção de Produção: Júnior Godim
Produção Executiva: Juliana Trimer
Assistente de Produção: Nely Coelho
Assistente de Produção: Nely Coelho
Realização: Quase Companhia
Idealização: Leandro Muniz
SERVIÇO:
Temporada: De 12 de abril a 6 de maio de
2018
Local: SESC Copacabana - Arena
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 –
Copacabana – Rio de Janeiro
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às
20h; domingo, às 19h
Valor dos Ingressos: R$ 30,00 (inteira); R$
15,00 (meia-entrada); R$ 7,50 (associado SESC)
Duração: 1h45min
Classificação Indicativa: 16 anos
Gênero: Musical
Lotação: 242 lugares
O humor é uma
excelente ferramenta para a crítica,
qualquer que seja ela, e, neste espetáculo, ele é muito bem construído, servindo
a tal função. É próprio para ratificar os versos de Belchior: “A vida realmente é diferente / Quer dizer /
Ao vivo, é muito pior”.
Torço muito por “A
VIDA NÃO É UM MUSICAL - O MUSICAL”, que consiga patrocínios, para que possa emplacar novas
temporadas e ser levada, também, a outras praças, a fim de que, em outas
cidades e estados, se tome conhecimento do bom TEATRO que está sendo feito no Rio
de Janeiro, apesar de todos os pesares.
Recomendo muito
o musical!!!
E VAMOS AO
TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS
AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM
ESTA CRÍTICA, PARA UMA MAIOR DIVULGAÇÃO DO BOM TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: CAROL PIRES.)