EDWARD
BOND PARA TEMPOS CONTURBADOS
(SE ERA PARA INCOMODAR,
CONSEGUIU.
ou
VERDADES SINCERAS
ME INTERESSAM. OU NÃO?
ou
“O
QUE DÁ PRA RIR
DÁ
PRA CHORAR”
–
BILLY BLANCO.)
Assisti
ao espetáculo “EDWARD BOND PARA TEMPOS
CONTURBADOS”, na sua primeira temporada, no ano passado, mais propriamente,
em 2 de setembro, no acanhado, porém
simpático e aconchegante, Teatro II do
SESC Tijuca. Apesar de ter gostado da peça – só escrevo sobre os espetáculos dos quais gosto, e disso nunca fiz
segredo -, não produzi uma crítica
sobre ela, uma vez que já estava no penúltimo dia daquela temporada. Achei que
não valeria a pena, em termos de divulgação. Fiquei aguardando (e torcendo
bastante) que a montagem voltasse ao cartaz, o que, felizmente, está
acontecendo agora e, desta vez, para uma temporada mais extensa que a primeira,
no delicioso Teatro Poeira (VER
SERVIÇO.), ali, com maior pujança e azeitamento, até em função do espaço.
O espetáculo é
livremente inspirado na obra de EDWARD
BOND. Mas de que vale a informação, se a pessoa que vai ao teatro não sabe de quem se está falando
ou se vai falar?
EDWARD BOND, ainda vivo, nascido em Londres, em 18 de julho de 1934, é um dramaturgo britânico, diretor de TEATRO, poeta, teórico e roteirista, cujas peças experimentais,
irremediavelmente retratando cenas de violência, sempre despertaram muitas
controvérsias e polêmicas. BOND
começou a “causar” nos anos 60. Autor de cerca de 50 peças, seu texto de maior sucesso, o segundo por
ele escrito, chama-se “Saved” (1965), que provocou uma grande celeuma, por conta de uma cena que
descrevia o apedrejamento, até a morte, de um bebê, e foi objeto de uma ação
judicial, por causa de violência e blasfêmia. Sabe-se, porém, que a produção de “Saved”
foi fundamental para a abolição da censura teatral no Reino Unido.
Ainda que considerado um dos principais dramaturgos vivos, BOND sempre foi, e continua a ser, altamente controverso, pela já
mencionada violência, presente em suas peças, pelo radicalismo de suas
declarações sobre o TEATRO e a
sociedade modernos, além de suas provocadoras teorias sobre o drama. Ele
costuma dizer que não inventa nada; apenas escreve sobre o que vê, o que
existe.
“‘Saved’ mergulhou
na vida de um grupo de jovens da classe trabalhadora do sul de Londres, marginalizados,
como BOND, por um sistema econômico brutal e incapaz de dar o significado de
suas vidas, que derivam eventualmente em uma violência mútua bárbara. Entre eles, um personagem, Len, persiste (e com sucesso) em tentar
manter vínculos entre pessoas que se destroem violentamente. A peça mostra
as causas sociais da violência e as opõe à liberdade individual. Esse seria o principal tema em todo o trabalho de BOND”. (Wikepédia)
Quem me leu até esta parte da crítica não deve estar
entendendo aquilo que pode parecer uma contradição: se só escrevo sobre peças que me agradam, como disse, num dos subtítulos - SE ERA PARA INCOMODAR, CONSEGUIU? Por que, então, esta crítica?
A questão está
na decodificação devida do verbo INCOMODAR,
aqui registrado não no sentido negativo, de “causar irritação e aborrecimento, chatear,
impacientar, indispor, desgostar, transtornar, aborrecer, zangar, irritar,
enervar...”. Antes, o verbo, neste
contexto, traz o sentido de causar
incômodo, provocar, instigar, inquietar, perturbar, desacomodar,
tirar alguém de uma zona de conforto,
o que, em TEATRO, é sempre
bem-vindo. Essa foi uma das causas, se não a principal, que me levaram a formar
um modesto juízo de opinião favorável ao espetáculo. Houve outras, é claro!
SINOPSE:
“Até que ponto temos autonomia
para mudar as coisas? Até que ponto nossas ideias são realmente nossas? E se os
donos do jogo pudessem manipular, até mesmo, as nossas emoções? E se, em alguns
momentos, acreditamos estar expressando os nossos sentimentos mais fortes,
profundos e pessoais, quando, na verdade, estamos sendo nada mais que uma
marionete? Essa é uma das terríveis consequências da injustiça social. Nossos
gritos mais altos e nossos sussurros podem estar sendo ditos por outra pessoa ”
(Retirado do texto da peça.).
“EDWARD BOND PARA TEMPOS CONTURBADOS” é um espetáculo original, da COMPANHIA INVOLUNTÁRIA, livremente inspirado nas peças e nos manifestos,
poesias e textos não teatrais do dramaturgo contemporâneo inglês EDWARD BOND, com uma obra altamente
controversa por causa da violência de seus textos e seus pensamentos sobre os
rumos da sociedade.
O autor da dramaturgia,
ANDRÉ PELLEGRINO, tenta, e consegue,
“sacudir” os espectadores, com cenas fortes, que chamam a nossa atenção para a
violência em que nos vemos soterrados, nestes dias mais que “conturbados”, isso provocado pelas
mais diversas causas, e para um acelerado processo de desumanização da raça
humana, a qual, a cada dia, vai deixando de merecer o adjetivo “sapiens”.
PELLEGRINO optou por “uma narrativa fragmentada, composta de
cenas interdependentes e núcleos performáticos”. “A peça procura trazer o
espectador para um diálogo franco sobre a busca por um entendimento
de nossos papéis como indivíduos dentro da sociedade”. As partes
destacadas foram extraídas do “release”
da peça, que me chegou às mãos por meio de LEILA
MEIRELLES (assessoria de imprensa).
Talvez o autor
do texto não consiga “causar” tanto quanto o conseguiu BOND, principalmente na década de 60, em função de os tempos,
agora, serem outros e os fatos que desfilam no espaço cênico, infelizmente, já
não consigam chocar mais tanto as pessoas, tal é a nossa convivência diária com
eles, o que não quer dizer que a proposta seja inválida. Muito pelo contrário!!! É preciso que alguém, sempre, nos “sacuda”,
para que não nos entreguemos, de todo, ao domínio da sanha do poder, do mal, do
torto, do totalmente incorreto e inaceitável.
Tudo o que se vê em cena faz com que o texto seja considerado muito verdadeiro,
realista, até chocante; portanto, atual. Atualíssimo. Escrito em “tempos conturbados”, sobre “tempos conturbados”.
Trata-se de um espetáculo que provoca, quase que desafia
o espectador, da primeira à ultima cena, e busca fazer despertar, nele, a procura
por uma “reflexão contundente sobre que caminho seguir”. Também como
diz o citado “release”, “A
peça apresenta estilhaços de um mundo em que as personagens são incapazes de
articular. Mais do que apontar caminhos, o objetivo da obra é tornar o espectador
em um ser politicamente mais ativo”.
A julgar pela forma como o público deixa o Teatro, fica, para mim, não a certeza,
mas uma tênue esperança de que podemos mudar, sim, o mundo em que vivemos,
herança deixada por nossos antepassados, que não podemos continuar legando às gerações
futuras. Mas é preciso muita coragem e garra. Oxalá o consigamos!!!
“Os
escravos usavam correntes em seus pés. Eles viam as correntes e eles sabiam que
eram escravos. Na sociedade moderna, as correntes nem sempre são tão fáceis de
ver. Muitas vezes elas ficam dentro da mente.”. (Retirado do texto da
peça.) Romper os elos dessas atuais correntes e nos livrarmos de uma
escravidão, camuflada de diversas fantasias, é o que nos propõe a peça.
O autor, liberto
de convenções e compromissos, não poupa nada, ninguém. Atira suas pedras, lança
suas farpas e direciona a sua metralhadora giratória para todos os lados, num giro de 360º,
atingindo todos os poderosos, opressores, políticos e mandatários, de todos os
partidos; nada que mereça ser denunciado consegue ficar imune à sua visão de
raio X.
Sem desmerecer
nenhum dos demais elementos da montagem, vejo, como grandes destaques, nela, o texto e a direção, esta de DANIEL BELMONTE.
PELLEGRINO e DANIEL, pelas afinidades que os unem, conseguem uma simbiose
perfeita, capaz de chamar a atenção do espectador para a boa qualidade do espetáculo.
Se o autor foi, profundamente ousado, nas
palavras, a direção o foi, mais
ainda, na concepção das cenas, que chegam a lembrar – algumas – a crueldade
contida numa “Laranja Mecânica”.
Apesar de
bastante jovem, DANIEL BELMONTE, que
é ator (Os diretores que, também, são atores, via de regra, já entram num
trabalho de direção com um diferencial muito positivo.), em seu quarto
trabalho de direção, não tem medo de
ousar, quebrar paradigmas, ir contra as convenções, conviver com o novo,
explorar a tecnologia, a serviço do TEATRO,
e explorar, simultaneamente, formas diversas de expressão, linguagens que,
entre si, encontram “vínculos de parentesco”, como, além, evidentemente, do TEATRO, o vídeo (bastante explorado nesta montagem), as projeções de “slides”
(Ainda se usa essa palavra?), a dança, a pintura, o desenho...
Mesmo jovem,
repito, DANIEL BELMONTE já pode ser
considerado um bom diretor, que “vai
se autolapidando”, a cada trabalho, e que se cerca de competentes profissionais,
para atingir bons resultados nas suas peças, como é o caso, dentre outros, do
veterano, e sempre competente, COLMAR
DINIZ, na direção de arte; JÚLIA MARINA, na cenografia (material cênico empilhado e espalhado, encostado às
paredes do espaço cênico); ANOUK VAN DER
ZEE, nos figurinos (peças do dia
a dia); e os irmãos MANTOVANI - FERNANDA e TIAGO, na iluminação (sempre
digna de destaque).
Quanto ao elenco (SUSANNA KRUGER, ALICE
MORENA, FERNANDO MELVIN, JOÃO SANT’ANNA, LEONARDO BIANCHI, LÍVIA FELTRE
e MÁRCIA FREDERICO), nota-se um
nivelamento entre todos, com um destaque para SUSANNA, uma veterana, atriz e professora de TEATRO, de ampla experiência de palco, em relação aos demais
colegas de cena. Todos, contudo, merecem aplausos, pela atuação e pelo destemor,
a intrepidez, mesmo, de aceitar as instigantes propostas da direção, participando de cenas ousadas
e violentas, amenizadas, se é que assim se pode dizer, pela presença do humor (“O QUE DÁ PRA RIR DÁ PRA CHORAR”.),
tudo em prol de uma boa causa: o TEATRO.
Por falar em humor,
a cena em que são projetadas "fotos de um dos personagens e de sua família",
desde pequeno, é hilária e serve como uma válvula de escape, para que a plateia
possa respirar um pouco mais confortavelmente, após uma cena forte. Aqui, o
destaque vai para a atuação do ator LEONARDO
BIANCHI.
Gostaria de
chamar a atenção de quem me lê para a importância da personagem, anônima, de SUSANNA KRUGER, que funciona como um
elemento de ligação entre as cenas, enquanto vai nos “cutucando”, com
questionamentos acerca dos erros cometidos pela Humanidade, transformando nossos cérebros em liquidificadores
acionados. Sempre que uma cena termina e o foco de luz se volta para a atriz,
sentada num dos cantos posteriores do espaço cênico, a plateia já se prepara
para receber a carga desafiadora.
Quando o público
adentra a sala de exibição, SUSANNA
já está em cena, com uma venda nos olhos, sob uma luz fraca. Não há sinais
sonoros, indicando a aproximação do início do espetáculo. Este se dá no momento
em que, acomodada a plateia, o foco de luz se intensifica sobre a atriz e ela
retira a venda, iniciando seu texto,
voltando a colocá-la, ao final da encenação. Esses signos são bem interessantes
na direção. Tente refletir sobre
eles, assim como o fato de o elenco não voltar à cena, para os agradecimentos.
Perdão! Não houve intenção de “spoiler”.
Chamo a atenção
daqueles que se propõem a assistir à peça para algumas cenas, como a do
programa de rádio “A Hora do Bond”
(Procurem se colocar no lugar do participante do programa, “saído da plateia”.);
a da projeção das imagens de uma cesariana (excelente ideia da direção); a dos dois coveiros,
almoçando, enquanto tecem comentários sobre o valor da vida e a naturalidade da
morte e o que vale o ser humano, quando esta o atinge; a de cinco atores nus,
procurando uma “posição de conforto” na sociedade, livres de julgamentos e
pouco, ou nada, se importando com isso; e a do estudo do cérebro de um bebê. São cenas fortes e emblemáticas.
Também vale a
pena prestar atenção aos momentos em que são enfatizados os perigos que vêm na
garupa da internet e, consequentemente, das redes sociais; as manifestações de
intolerância; as inadmissíveis barbáries cometidas hoje em dia; e o maldito “jeitinho
brasileiro”, inerente à cultura do "hominus brasilis", em geral.
A peça é
sublinhada por uma boa trilha sonora,
assinada por DANIEL BELMONTE, ANTÔNIO NUNES e PEDRO NÊGO, contendo, além de canções conhecidas, músicas originais,
compostas por NUNES e NÊGO.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia: André Pellegrino
Direção: Daniel Belmonte
Assistência de Direção: Isis Pessino
Elenco: Susanna Kruger, Alice
Morena, Fernando Melvin, João Sant'Anna, Leonardo Bianchi, Lívia Feltre e Márcia
Frederico / Eduardo Speroni (às 5as feiras)
Direção de Arte: Colmar Diniz
Cenografia: Júlia Marina
Cenógrafa Assistente: Ana Beatriz Barbiere
Cenógrafa Assistente: Ana Beatriz Barbiere
Figurino: Anouk Van Der Zee
Assistência de Figurino: Marianna Pastori
Iluminação: Fernanda
Mantovani e Tiago Mantovani
Videografismo: Leonardo
Bianchi e Kaio Caiazzo
Fotos: Kaio
Caiazzo
Visagismo: Marianna Pastori
Direção de Movimento: Kallanda Caetana
Trilha Sonora: Daniel Belmonte, Antônio Nunes e Pedro Nêgo.
Músicas Originais: Antônio Nunes e Pedro Nêgo
Operação de Luz: Walace Furtado
Operação de Som: Kenzo Giunto
Videomapping: Hernane Cardoso
Operação de Som: Kenzo Giunto
Videomapping: Hernane Cardoso
Programação Visual: Victoria Scholte
Arte do Cartaz: Lívia Feltre
Assessoria de Imprensa: Leila Meirelles
Produção: Luana Manuel e Isadora Krummenauer
Realização: Belmonte Produções
SERVIÇO:
Temporada: De 02 de março a 29 de Abril de
2018
Local: Teatro Poeira
Local: Teatro Poeira
Endereço: Rua São João Batista, 104 –
Botafogo - Rio de Janeiro
Telefone: (21) 2537-8053
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h
Valor dos Ingressos: R$60,00 (inteira), R$30,00 (meia entrada)
Valor dos Ingressos: R$60,00 (inteira), R$30,00 (meia entrada)
Duração: 70 min
Indicação Etária: Não recomendado para menores de 16 anos
Gênero: Comédia Dramática
Indicação Etária: Não recomendado para menores de 16 anos
Gênero: Comédia Dramática
Ousadia e verdade são dois substantivos abstratos que se aplicam, perfeitamente,
a esta peça, no que ela apresenta de concreto.
“EDWARD BOND EM TEMPOS CONTURBADOS” não
é daqueles espetáculos que são um convite a uma esticada ao barzinho, para uma
confraternização, após a peça. Não vá, portanto, ao Teatro Poeira, achando que apenas vai dar boas gargalhadas e voltar
para casa leve, porque algumas pessoas se juntaram para amenizar o peso de um
dia seu de trabalho. Não vá com esse
pensamento! Vá, sim, preparado para ser incomodado, naquele sentido de que já falei, de ser convidado a uma reação, e, se possível,
discutir o que viu em cena. Pode até ser no barzinho mesmo ou num restaurante. Mas tem de discutir!
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO
BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA E DIVULGUEM O
TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS:
KAIO CAIAZZO.)
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