terça-feira, 18 de julho de 2017


A GUERRA
NÃO TEM ROSTO DE MULHER


(RELATOS DE UMA DOR
QUE NÃO É “PRIVILÉGIO”
DE APENAS UM DOS SEXOS.)

 

 

 

            Embora eu estivesse assoberbado, com muitos compromissos, tendo de pensar em sobre quais peças deveria escolher, a fim de escrever minhas críticas, vi-me, de repente, diante de um grande dilema, uma verdadeira “escolha de Sofia”, com tanto material bom, à espera de ser apreciado, porém não poderia deixar de reservar um tempo para expressar minha grande alegria, ainda que forma meio superficial, por falta de tempo, ao assistir a “A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER”, um espetáculo irretocável, em cartaz no Teatro Poeira (VER SERVIÇO), que, infelizmente, não conta com muito espaço, na mídia, para sua divulgação. Resolvi, modestamente, contribuir, para que ele ganhe um pouco mais do destaque que merece e consiga atrair mais pessoas, ainda, àquele simpático espaço de Botafogo.

            Num momento em que tanto se discute o empoderamento feminino, a igualdade entre homens e mulheres e o papel destas na sociedade moderna, eis que três excelentes atrizes, CAROLYNA AGUIAR, LUISA THIRÉ e PRISCILA ROZEMBAUM – excelentes mesmo - ocupam um palco, para sucessivos relatos, envolvendo mulheres que decidiram ir para o “front”, com o objetivo de defender sua pátria, até a morte, se preciso fosse, e provar que não foram talhadas para serem apenas “recatadas e do lar”.
 
 
 



            A peça, que não segue uma linha cronológica nem se concentra num só fato, além de ser atemporal e universal, apesar de o livro ter sido escrito a partir de entrevistas (a autora também é jornalista) feitas com mulheres que participaram da 2ª Guerra Mundial, e não definir o espaço onde os fatos se dão, é uma adaptação teatral, a oito mãos, do livro da escritora bielorrussa SVETLANA ALEKSIÉVITCH, nascida em 1948, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura, de 2015, que narra histórias de mulheres sobreviventes de guerra.

            Participaram da transposição, da literatura para a linguagem teatral, além das três atrizes que formam o elenco, MARCELLO BOSSCHAR, que dirige o espetáculo. Dos 200 depoimentos do livro, foram selecionados 40. Basicamente, o texto da peça é narrativo; há muito pouco de diálogos.

            A ideia de “guerra” não nos reporta, de jeito algum, à imagem de salto alto e batom. Coturnos, nos pés, e poeira, lama e sangue, no rosto barbado. Essa é a cara da guerra. Toda a literatura que se propõe a mostrar os bastidores das batalhas, seus horrores e absurdos, sempre mostram homens – comandantes e comandados –, dando a vida por uma causa, na maioria das vezes, tão estúpida e inaceitável como a própria guerra. Vem, então, uma mulher e nos apresenta a um outro lado da guerra, nem um pouco diferente do que envolve apenas o macho, mas com sutilezas e peculiaridades que só existem no universo da fêmea, a qual se sente “violentada” e humilhada, quando, por exemplo, é obrigada a usar cueca e a ver o sangue de sua menstruação deixando rastros pelo chão, misturando-se ao sangue das feridas.

 
 
 


 
SINOPSE:
 
A história das guerras costuma ser contada sob o ponto de vista masculino: soldados e generais, algozes e libertadores. Trata-se, porém, de um equívoco e de uma injustiça.
 
 
Se, em muitos conflitos, as mulheres ficaram na retaguarda, em outros, estiveram na linha de frente.
 
É esse capítulo de bravura feminina que SVETLANA ALEKSIÉVITCH reconstrói num livro, absolutamente apaixonante e forte, transposto para o TEATRO.
 
Quase um milhão de mulheres lutaram no Exército Vermelho, durante a Segunda Guerra Mundial, mas a sua história nunca fora contada antes.
 
SVETLANA ALEKSIÉVITCH deixa que as vozes dessas mulheres ressoem, de forma angustiante e arrebatadora, em memórias que evocam frio, fome, violência sexual e a sombra onipresente da morte.
 

 


 

Extraído do “release”, enviado por PEDRO NEVES (FACTORIA COMUNICAÇÃO) “Apesar do valor histórico e documental em cena, a proposta da direção foi a de privilegiar o humano. Todas as referências de tempo e lugar foram retiradas da adaptação (...). O palco estará desnudo e as imagens serão todas compostas através da coreografia e do movimento das intérpretes. A ideia é que elas conduzam o público, neste profundo mergulho, pelos horrores da guerra, mas também o faça entrar em contato com os eventos cotidianos no ‘front’ e nas batalhas. Do alistamento das jovens – que não faziam ideia do que iria acontecer com elas – ao anúncio do fim da guerra, vão passar, pelo palco, histórias de perdas, lutas e superações, mas também histórias de amor, amizade e afeto”.
 
 
 



Sim, foi isso mesmo o que eu vi; foi atingido, completamente, o objetivo da ótima direção, de MARCELLO BOSSCHAR.
 
Sim, eu e, acredito, todos os que estavam na plateia demos as mãos ao excelente trio de atrizes e nos deixamos conduzir por meandros escuros, ao som de bombas e explosões, rajadas de armas pesadas, gritos de dor e de horror, que, por vezes, nos assustam de fato. A ficção se aproxima, ao máximo, da realidade. E tudo isso apenas (Por que “apenas”?) contando com um texto denso, e interpretações muito verdadeiras, emoção à flor da pele, sem que houvesse necessidade de cenários ou figurinos especiais.

Por cenário (?), entendamos um palco nu.

Figurinos? Três macacões, estlilizando uniformes militares, assinados por KIKA LOPES.

Como grandes reforços e elementos fundamentais, para a plasticidade do espetáculo, a linda luz, de AURÉLIO DE SIMONI e a coreografia, fruto da preparação corporal, a cargo de CAROLYNA AGUIAR.

 
 
 



 
FICHA TÉCNICA:
Autora: Svetlana Aleksiévitch
 
Tradução: Cecília Rosas
Concepção e Direção : Marcello Bosschar
Dramaturgia Coletiva: Carolyna Aguiar, Luisa Thiré, Marcello Bosschar e Priscila Rozembaum
Elenco: Carolyna Aguiar, Luisa Thiré e Priscila Rozembaum
 
Iluminação: Aurélio de Simoni
Figurino: Kika Lopes
Trilha Sonora: Marcello Bosschar
Preparação Corporal: Carolyna Aguiar
Preparação Vocal: Sônia Dumont
Programação Gráfica: Carol Montenegro
Arte Plástica: Vânia Mignone
Divulgação: Factoria Comunicação
Fotografia: Mílton Montenegro
Produção Executiva: Bárbara Montes Claros
Direção de Produção: Celso Lemos
 
 



 



 
SERVIÇO:
 
Temporada: De 01 de julho a 27 de agosto de 2017.
Local: Teatro Poeira
Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2537-8053
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; aos domingos, às 20h.
Valor dos Ingressos: R$60,00 (inteira) e R$30,00 (meia entrada).
Site de Vendas de Ingressos: www.tudus.com.br
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a sábado, das 15h às 21h; domingo, das 15h às 19h.
Classificação Etária: 14 anos
Gênero: Drama.
 



 



Todos os relatos são pungentes e com uma riqueza de detalhes, que nos fazem enxergar cada cena, sentir, na própria pele, o horror por que passaram aquelas heroicas combatentes.

Não vá ao Teatro Poeira para se divertir e sair de lá alegre, pronto a encarar uma pizza e um chopinho. Você até poderá fazê-lo, mas acho um pouco difícil sair do Teato da mesma forma como entrou ou, pelo menos, com o mesmo espírito com que cruzou a portaria do Poeira.

É TEATRO para pensar.

TEATRO que mexe com as nossas emoções.

TEATRO que denuncia e alerta.

TEATRO de excelente qualidade, que eu indico, com o maior empenho.

E, para terminar, devemos ter em mente que “A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER” nem de homem. Ela é amorfa e sem sentido.


 
 


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 



(FOTOS: MÍLTON MONTENEGRO.)
 
 
 
 





 

 

 

 

 



 

 

 

 
 

Um comentário:

  1. Parabéns pela crítica super detalhada! O AUTO DO REINO DO SOL é maravilhoso!

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