LOVE,
LOVE, LOVE.
(“ALL WE NEED IS LOVE.”)
ou
COM QUANTOS TAPAS NA CARA SE
CHAMA ALGUÉM À REALIDADE.)
O melhor espetáculo do ano, estreado em
2017, até agora, no Rio de Janeiro, e um dos melhores que vi nos últimos anos.
É assim que
inicio minha crítica ao espetáculo “LOVE,
LOVE, LOVE”, em cartaz no Teatro do
OI Futuro Flamengo.
Vi
a peça no domingo, 12 de fevereiro,
e fiquei – confesso -, durante alguns dias, sob o impacto e a emoção que a
montagem me causou, visto que, para pessoas da minha geração, o espetáculo tem
uma “pegada” diferente, o tapa dói um pouco mais.
Sempre
que anunciam uma peça que reúne DÉBORA
FALABELLA e YARA DE NOVAES, meu
coração já começa a palpitar, porque meu faro de “rato de TEATRO” (Rato tem o faro apurado?) já detecta que “vem coisa muito boa por aí”. No
mínimo. Aguardei bastante essa “LOVE...”.
E, se assim penso,
é com base nos trabalhos com que as duas já nos brindaram, sozinhas ou cercadas
por outros bons profissionais, como é o caso de “LOVE, LOVE, LOVE”, montagem em que dividem o palco com ARY FRANÇA, RAFAEL PRIMOT e MATEUS
MONTEIRO, principalmente os dois primeiros, já que a atuação de MATEUS é curta, porém não menos correta
e marcante, digna de aplausos também.
O espetáculo faz sua estreia nacional no Rio de Janeiro, numa produção e realização da COMPANHIA 3 DE
TEATRO, fundada e formada por DÉBORA,
YARA e GABRIEL PAIVA, que é iluminador
e faz a luz da peça.
O
texto, inédito, no Brasil, é
assinado por MIKE BARTLETTE,
dramaturgo britânico, de apenas 36 anos, que também escreve roteiros para a TV
e o cinema, além de algumas novelas para o rádio. É dele, também, “Contrações”, outro grande sucesso,
encenado por DÉBORA e YARA, espetáculo premiadíssimo, com
muito merecimento.
A
peça foi escrita em 2010 e estreou,
em turnês, tendo sua estreia fixa, em Londres,
em 2012. Mereceu, de um consagrado
crítico local a afirmação de que se tratava de “um dos mais ambiciosos e mais bem
realizados dramas domésticos dos últimos tempos".
BERTLETTE, apesar de bastante jovem, é
um autor premiado e já montado em várias partes do mundo, graças ao seu enorme
talento como dramaturgo.
O
texto de BARTLETTE agradou, de cara, a DÉBORA,
YARA e GABRIEL, por conseguir retratar, com fidelidade e contundência, o
momento atual. Mesmo sendo britânico, consegue ser “lido” em qualquer parte do
mundo. Os três perceberam, facilmente, a mensagem do autor, que é a de “como
uma geração é definidora da próxima”. Essa conclusão é mais que óbvia,
mas o que faz o texto importante é a
maneira como o autor diz isso, na prática.
Uma
reflexão de YARA DE NOVAES: “O
texto conta a história de uma família bem peculiar, mas está tratando do
conflito geracional mais atual que poderia ser. É um texto político e, também,
psicológico. É tudo junto, como costumam ser as grandes obras”. E YARA conta com a minha concordância.
Diz o “release” da peça que se trata de “Uma
obra que, além de descrever uma família, com todas as suas idiossincrasias e
personalidades, também demonstra como somos modificados pelo tempo em
que vivemos.”.
SINOPSE:
De 1967 a
2014, uma família, conta a história de sua geração, abordando, de maneira
crítica, o contexto político e social de sua época, e demonstra como somos
modificados pelo tempo em que vivemos.
A ação começa em 1967, na noite da primeira transmissão
ao vivo de TV, via satélite, em que os Beatles
se apresentam, num “show” ou programa de TV, cantando a emblemática canção “All
You Need Is Love”.
SANDRA (DÉBORA FALABELLA), bonita e sedutora, talvez um pouco
“vanguarda” demais, para a época, recém-ingressada na universidade, marcou um
encontro com HENRY (MATEUS MONTEIRO),
no apartamento deste, mas ela acaba se interessando mais por seu irmão mais
novo, KENNET H
(RAFAEL PRIMOT), também de 19 anos e calouro universitário, o qual estava
morando com o irmão.
Em 1990, eles, SANDRA e KENNET H,
então vividos por YARA DE NOVAES e ARY FRANÇA, estão, confortavelmente, em
outra realidade: são da classe média, morando juntos, curiosamente negligentes
com os dois filhos, interpretados, nessa fase, por DÉBORA FALABELLA e RAFAEL
PRIMOT, em um casamento prestes a ruir.
Mas o grande momento é o
último “ato”, em 2011, em uma
reunião de família, quando a filha do casal, ROSE (DÉBORA FALABELLA), que foi uma violinista promissora, agora
com 37 anos e muito decepcionada, arremessa, sobre os pais, ainda vividos por YARA e ARY, e sua geração de “paz e amor”, a responsabilidade pelo
fracasso da geração dela, afirmando: “Você
não alterou o mundo, você o comprou”.
Os
personagens que contam a história poderiam estar sentados na plateia, ou seja,
não seria de causar espanto, se o elenco tomasse o lugar de uma família do
auditório e esta fosse para o palco, para discutir uma "DR familiar", em função da total identificação que há
entre a ficção e a realidade.
É
importante deixar claro que a história se divide em três momentos, ocorre numa cronologia bem marcada, e, estruturalmente,
poderia ter sido montada em três pequenos atos, que é, na verdade, o que ocorre,
porém o espetáculo não sofre interrupções, mantém uma necessária continuidade,
e a passagem de um “ato” a outro se dá às vistas do público, com a mudança de
cenário e a caracterização dos personagens, vividos pelos mesmos atores.
Digamos que
isso pode ser interpretado como um toque brechetiano,
presente na ótima direção de ERIC LENATE, que captou,
com total atenção, as mensagens que o autor
deseja que os espectadores levem, para as suas reflexões. Nota-se,
perfeitamente, a intenção do diretor, evidentemente captada do autor da peça,
de pôr em prática a boa e velha técnica de “distanciamento”,
que consiste em tirar o espectador de sua zona de conforto, de mero ser que vai
ao TEATRO em busca de lazer, e fazer
com que se projete nas situações vividas pelos personagens. Como um mestre, pode-se
dizer, o dramaturgo sabe bem onde
colocar o dedo e com que pressão o trabalha sobre a carne, para que o espectador
aprenda com seus próprios erros.
As
soluções que a direção propõe, para
avançar no tempo cronológico, são muito boas, a começar por permitir, ao
público, que participe das transformações, anteriormente citadas, acompanhando
o passo a passo de tudo. Isso parece aproximar mais personagens e pessoas e é um grande elemento de atração da plateia
ao palco. Senti-me atraído por um ímã virtual.
Creio
que vale a pena dizer o que ocorre em cada uma das épocas:
Na
primeira, o que temos é apenas o encontro de três universitários de Oxford, com a formação de um casal, e o
“descarte” do terceiro elemento. Eles são da geração “paz e amor”, libertários,
“descolados”, descompromissados, preocupados em viver apenas o presente, irreverentes,
inconsequentes, rockmaníacos, rebeldes (Sem causa?), mas certos de que, com
toda aquela atitude, seriam capazes de mudar o mundo (Para melhor, naturalmente.).
Esse encontro é o que vai ser o ponto de partida e de sustentação de toda a
trama.
No segundo “ato”,
vemos aquele casal mais maduro, passados 27 anos, pais de dois adolescentes
(A história se repete.), vivendo todos os conhecidos conflitos e problemas entre
gerações, os quais começam na falta de comunicação dentro da própria casa e todos
os seus desdobramentos, incluindo aí a compreensível (Será?) dificuldade dos
pais para entender o comportamento dos filhos, principalmente a sua forma de
amar, a sua visão sobre os conceitos relativos ao amor e à realização, pessoal e profissional.
A parte final é
mais “pesada”, pois é o momento das tomadas de consciência, das viradas, das
constatações das mudanças e dos fracassos, das cobranças... A fleuma dos libertários
já não existe, a chama se apagou, eles se transformaram em seres acomodados,
que não querem reconhecer como e onde fracassaram na educação de seus filhos,
então beirando os 40 anos, não realizados, como pessoas e profissionais,
profundamente tristes e depressivos. E tome guerra de culpas, toneladas de mágoas
sendo atiradas, por parte de uns contra os outros, um festival de cobranças e
nenhum arrependimento, ao que parece. Os pais, confortavelmente, no frescor dos
prazeres da classe média, não se permitem vivenciar a dor e o fracasso dos
filhos, pelos quais foram os grandes responsáveis.
O interessante do texto é a maneira como ele vai se desenvolvendo,
num crescendo, que envolve, cada vez mais, o público na trama do drama, por meio de um humor ácido e, por vezes, meio “non sense”.
Crendo já ter dito o suficiente do
brilhante trabalho de direção, parto
para comentar a atuação do elenco.
O
único ator que só aparece na
primeira fase é MATEUS MONTEIRO, o
qual, porém, atua, junto com um contrarregra, nas transformações dos ambientes, nos "atos" posteriores.
Como já tive a oportunidade de dizer, alguns parágrafos acima, apesar de um
papel curto, MATEUS o defende com
dignidade e competência.
Falar
do trabalho da dupla feminina é ser reiterativo. Teria de repetir os elogios
que fiz às duas em outros trabalhos, principalmente em “Contrações”. DÉBORA e YARA são duas atrizes camaleônicas e o
demonstram nesta peça. É claro que o visagismo
ajuda na composição das personagens, entretanto, se não nascer de dentro, da
emoção das atrizes, não há caracterização física que garanta a verdade das
personagens. Ambas têm atuações brilhantes, que se equivalem e que as credenciam
a premiações. A transformação das personagens de DÉBORA, do primeiro “ato” para os outros dois, é perfeita, assim
como a de YARA, do segundo para o
terceiro. São duas atrizes de técnicas apuradas e que levam uma grande
vantagem, em cena, pela cumplicidade de um trabalho conjunto, que já vem
durando alguns anos e que esperamos que continue, para a nossa alegria.
ARY FRANÇA é um veterano dos palco.
Jamais o vi em atuações menores. Sempre marca presença, com seus personagens e
não foi diferente desta vez. ARY tem
um tempo próprio de representação, que, às vezes, dá a impressão de que ele
esqueceu o texto, o que não é verdade. O certo é que ele elabora, com uma certa
calma, a maneira como irá dizer a próxima fala, a qual sai na medida e no tom certos
e acaba se transformando naquele passe especial, para que o colega com o qual
contracena marque um golaço. Sou um grande admirador de seu trabalho e, vê-lo
atuar, nesta peça, só reforça minha admiração pelo ator.
Não
é menor o meu reconhecimento pelo talento do jovem ator RAFAEL PRIMOT, que, além de atuar, é um ótimo dramaturgo. RAFAEL está muito bem em cena, nas três
fases, e seu trabalho cresce, à medida que a história se desenvolve. É muito
bom vê-lo atuando.
Sou
da opinião de que ANDRÉ CORTEZ faz
parte do seleto grupo dos melhores cenógrafos
brasileiros da atualidade, o que já tem provado, principalmente nos dois anos
passados, quando assinou alguns dos mais admiráveis cenários das duas temporadas.
Aqui, ele repete a dose, com a ótima ideia de aproveitar os móveis e objetos de
cena, do primeiro ato, e transformá-los, para construir a cenografia do segundo, repetindo a técnica no terceiro. E tudo à
vista do público, como já foi dito.
Na verdade, parece-me que o seu conceito
foi acompanhar a ideia central do texto,
que vai mostrando que tudo muda, aparentemente, mas “as moscas continuam as
mesmas”. Há uma falsa ilusão de que o tempo passou, mas não consegue acabar com
um certo “déjà vu”. Há um caos, representado, fisicamente, no apartamento do primeiro ato. Isso vai tomando "acerto", vai sendo "arrumado", ganhando "requinte", nos dois últimos "atos". Mas e só na aparência. Muitos aplausos para o artista!
Gosto
bastante dos figurinos de FÁBIO NAMATAME, que se enquadram no “cronus” de cada “ato”, de forma
parcimoniosa e justa.
Também
não posso deixar de elogiar a boa iluminação, de GABRIEL PAIVA, que fugiu às “grandes novidades”, mas não
caiu na mesmice. Manteve-se fiel às exigências do texto e não teve a intenção de criar situações de destaque para a luz, o que poderia tirar o foco (Não
quis fazer trocadilho) do que mais interessa nesta montagem: o texto.
L.P. DANIEL conseguiu montar uma ótima trilha sonora (Poderia ter utilizado mais
canções, creio.), com sucessos da época, como não poderia ser de outra forma,
sem deixar de fora ícones daquele tempo, alguns até hoje, como os Beatles, Caetano Veloso e New Kids On
The Block, dentre outros. Mais um motivo para o prazer de nossos ouvidos.
FICHA TÉCNICA:
Autor: Mike Bartlett
Tradução: Maria Ângela Fontes Frederico
Diretor Artístico: Eric Lenate
Elenco (por ordem alfabética): Ary França, Débora Falabella, Mateus
Monteiro, Rafael Primot e Yara de Novaes
Iluminador: Gabriel Paiva
Trilha Sonora: L.P. Daniel
Cenário: André Cortez
Figurinos: Fábio Namatame
Fotos: Leekyung Kim
Assessoria de Imprensa: Silvana Cardoso / Juliana Feltz (Passarim
Com & Mktg)
Realização e Montagem: Grupo 3 de Teatro
Patrocínio: Oi e Santa Amália
Apoio Cultural: Oi Futuro
SERVIÇO:
Temporada: De 20 de janeiro a 12 de março de
2017
Local: Teatro do OI Futuro Flamengo
Endereço: Rua Dois de Dezembro, 63 - Flamengo – Rio
de Janeiro
Valor do Ingresso: R$30,00 (inteira); R$15,00 (meia-entrada)
Telefone: (21) 3131-3060
Capacidade do teatro: 63 lugares
Gênero: Humor Ácido
Dias e Horário: De quinta-feira a domingo, às 20h
Duração do Espetáculo: 110 minutos
Classificação Etária: 14 anos
Horário de
Funcionamento da Bilheteria: De
terça-feira a domingo, das 15h às 21h
Venda antecipada: Somente na bilheteria do teatro
Aos 67 anos de idade, saí da peça com uns
versos, de Belchior, que me martelavam a cabeça e me causavam um ligeiro
sentimento de culpa, de uma culpa que nem sei se temos, eu e meus pares, versos
contidos em três estrofes da canção “Como Nossos Pais”:
“Por isso cuidado, meu bem! / Há perigo na
esquina. / Eles venceram e o sinal / Está fechado pra nós, / Que somos jovens.”
“Já faz tempo, / Eu vi você na rua,
/ Cabelo ao vento, / Gente jovem reunida. / Na parede da memória, / Essa
lembrança / É o quadro que dói mais.”
“Minha dor é perceber / Que,
apesar de termos / Feito tudo o que fizemos, / Ainda somos os mesmos / E
vivemos / Como os nossos pais.”
Recomendo MUITO o espetáculo e até
gostaria de revê-lo.
Por
oportuno, um comunicado da assessoria de imprensa: EM VIRTUDE DO CARNAVAL, "LOVE,
LOVE, LOVE" fará uma breve pausa na semana da folia. Sendo assim, nos dias 23,
24, 25 e 26 de fevereiro, NÃO HAVERÁ ESPETÁCULO. A montagem
retoma as suas apresentações, normalmente, em 2 de março (5a feira).
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