quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017


LOVE, LOVE, LOVE.

 
(“ALL WE NEED IS LOVE.”)

ou

COM QUANTOS TAPAS NA CARA SE CHAMA ALGUÉM À REALIDADE.)

 
 
 
 
 

            O melhor espetáculo do ano, estreado em 2017, até agora, no Rio de Janeiro, e um dos melhores que vi nos últimos anos.

É assim que inicio minha crítica ao espetáculo “LOVE, LOVE, LOVE”, em cartaz no Teatro do OI Futuro Flamengo.

            Vi a peça no domingo, 12 de fevereiro, e fiquei – confesso -, durante alguns dias, sob o impacto e a emoção que a montagem me causou, visto que, para pessoas da minha geração, o espetáculo tem uma “pegada” diferente, o tapa dói um pouco mais.

            Sempre que anunciam uma peça que reúne DÉBORA FALABELLA e YARA DE NOVAES, meu coração já começa a palpitar, porque meu faro de “rato de TEATRO” (Rato tem o faro apurado?) já detecta que “vem coisa muito boa por aí”. No mínimo. Aguardei bastante essa “LOVE...”.

E, se assim penso, é com base nos trabalhos com que as duas já nos brindaram, sozinhas ou cercadas por outros bons profissionais, como é o caso de “LOVE, LOVE, LOVE”, montagem em que dividem o palco com ARY FRANÇA, RAFAEL PRIMOT e MATEUS MONTEIRO, principalmente os dois primeiros, já que a atuação de MATEUS é curta, porém não menos correta e marcante, digna de aplausos também.

            O espetáculo faz sua estreia nacional no Rio de Janeiro, numa produção e realização da COMPANHIA 3 DE TEATRO, fundada e formada por DÉBORA, YARA e GABRIEL PAIVA, que é iluminador e faz a luz da peça.

            O texto, inédito, no Brasil, é assinado por MIKE BARTLETTE, dramaturgo britânico, de apenas 36 anos, que também escreve roteiros para a TV e o cinema, além de algumas novelas para o rádio. É dele, também, “Contrações”, outro grande sucesso, encenado por DÉBORA e YARA, espetáculo premiadíssimo, com muito merecimento.

            A peça foi escrita em 2010 e estreou, em turnês, tendo sua estreia fixa, em Londres, em 2012. Mereceu, de um consagrado crítico local a afirmação de que se tratava de um dos mais ambiciosos e mais bem realizados dramas domésticos dos últimos tempos".

            BERTLETTE, apesar de bastante jovem, é um autor premiado e já montado em várias partes do mundo, graças ao seu enorme talento como dramaturgo.

O texto de BARTLETTE agradou, de cara, a DÉBORA, YARA e GABRIEL, por conseguir retratar, com fidelidade e contundência, o momento atual. Mesmo sendo britânico, consegue ser “lido” em qualquer parte do mundo. Os três perceberam, facilmente, a mensagem do autor, que é a de “como uma geração é definidora da próxima”. Essa conclusão é mais que óbvia, mas o que faz o texto importante é a maneira como o autor diz isso, na prática.

Uma reflexão de YARA DE NOVAES: “O texto conta a história de uma família bem peculiar, mas está tratando do conflito geracional mais atual que poderia ser. É um texto político e, também, psicológico. É tudo junto, como costumam ser as grandes obras”. E YARA conta com a minha concordância.

Diz o “release” da peça que se trata de “Uma obra que, além de descrever uma família, com todas as suas idiossincrasias e personalidades, também demonstra como somos modificados pelo tempo em que vivemos.”.

 

 

 

 
SINOPSE:
 
De 1967 a 2014, uma família, conta a história de sua geração, abordando, de maneira crítica, o contexto político e social de sua época, e demonstra como somos modificados pelo tempo em que vivemos.
 
A ação começa em 1967, na noite da primeira transmissão ao vivo de TV, via satélite, em que os Beatles se apresentam, num “show” ou programa de TV, cantando a emblemática canção All You Need Is Love”.
 
SANDRA (DÉBORA FALABELLA), bonita e sedutora, talvez um pouco “vanguarda” demais, para a época, recém-ingressada na universidade, marcou um encontro com HENRY (MATEUS MONTEIRO), no apartamento deste, mas ela acaba se interessando mais por seu irmão mais novo, KENNETH (RAFAEL PRIMOT), também de 19 anos e calouro universitário, o qual estava morando com o irmão.
 
Em 1990, eles, SANDRA e KENNETH, então vividos por YARA DE NOVAES e ARY FRANÇA, estão, confortavelmente, em outra realidade: são da classe média, morando juntos, curiosamente negligentes com os dois filhos, interpretados, nessa fase, por DÉBORA FALABELLA e RAFAEL PRIMOT, em um casamento prestes a ruir.
 
Mas o grande momento é o último “ato”, em 2011, em uma reunião de família, quando a filha do casal, ROSE (DÉBORA FALABELLA), que foi uma violinista promissora, agora com 37 anos e muito decepcionada, arremessa, sobre os pais, ainda vividos por YARA e ARY, e sua geração de “paz e amor”, a responsabilidade pelo fracasso da geração dela, afirmando: “Você não alterou o mundo, você o comprou”.
 

 
 
 

            Os personagens que contam a história poderiam estar sentados na plateia, ou seja, não seria de causar espanto, se o elenco tomasse o lugar de uma família do auditório e esta fosse para o palco, para discutir uma "DR familiar", em função da total identificação que há entre a ficção e a realidade.

            É importante deixar claro que a história se divide em três momentos, ocorre numa cronologia bem marcada, e, estruturalmente, poderia ter sido montada em três pequenos atos, que é, na verdade, o que ocorre, porém o espetáculo não sofre interrupções, mantém uma necessária continuidade, e a passagem de um “ato” a outro se dá às vistas do público, com a mudança de cenário e a caracterização dos personagens, vividos pelos mesmos atores.

Digamos que isso pode ser interpretado como um toque brechetiano, presente na ótima direção de ERIC LENATE, que captou, com total atenção, as mensagens que o autor deseja que os espectadores levem, para as suas reflexões. Nota-se, perfeitamente, a intenção do diretor, evidentemente captada do autor da peça, de pôr em prática a boa e velha técnica de “distanciamento”, que consiste em tirar o espectador de sua zona de conforto, de mero ser que vai ao TEATRO em busca de lazer, e fazer com que se projete nas situações vividas pelos personagens. Como um mestre, pode-se dizer, o dramaturgo sabe bem onde colocar o dedo e com que pressão o trabalha sobre a carne, para que o espectador aprenda com seus próprios erros.

            As soluções que a direção propõe, para avançar no tempo cronológico, são muito boas, a começar por permitir, ao público, que participe das transformações, anteriormente citadas, acompanhando o passo a passo de tudo. Isso parece aproximar mais personagens e pessoas e é um grande elemento de atração da plateia ao palco. Senti-me atraído por um ímã virtual.

            Creio que vale a pena dizer o que ocorre em cada uma das épocas:

            Na primeira, o que temos é apenas o encontro de três universitários de Oxford, com a formação de um casal, e o “descarte” do terceiro elemento. Eles são da geração “paz e amor”, libertários, “descolados”, descompromissados, preocupados em viver apenas o presente, irreverentes, inconsequentes, rockmaníacos, rebeldes (Sem causa?), mas certos de que, com toda aquela atitude, seriam capazes de mudar o mundo (Para melhor, naturalmente.). Esse encontro é o que vai ser o ponto de partida e de sustentação de toda a trama.

No segundo “ato”, vemos aquele casal mais maduro, passados 27 anos, pais de dois adolescentes (A história se repete.), vivendo todos os conhecidos conflitos e problemas entre gerações, os quais começam na falta de comunicação dentro da própria casa e todos os seus desdobramentos, incluindo aí a compreensível (Será?) dificuldade dos pais para entender o comportamento dos filhos, principalmente a sua forma de amar, a sua visão sobre os conceitos relativos ao amor e à realização, pessoal e profissional. 

A parte final é mais “pesada”, pois é o momento das tomadas de consciência, das viradas, das constatações das mudanças e dos fracassos, das cobranças... A fleuma dos libertários já não existe, a chama se apagou, eles se transformaram em seres acomodados, que não querem reconhecer como e onde fracassaram na educação de seus filhos, então beirando os 40 anos, não realizados, como pessoas e profissionais, profundamente tristes e depressivos. E tome guerra de culpas, toneladas de mágoas sendo atiradas, por parte de uns contra os outros, um festival de cobranças e nenhum arrependimento, ao que parece. Os pais, confortavelmente, no frescor dos prazeres da classe média, não se permitem vivenciar a dor e o fracasso dos filhos, pelos quais foram os grandes responsáveis.  







            O interessante do texto é a maneira como ele vai se desenvolvendo, num crescendo, que envolve, cada vez mais, o público na trama do drama, por meio de um humor ácido e, por vezes, meio “non sense”.
            Crendo já ter dito o suficiente do brilhante trabalho de direção, parto para comentar a atuação do elenco.
O único ator que só aparece na primeira fase é MATEUS MONTEIRO, o qual, porém, atua, junto com um contrarregra, nas transformações dos ambientes, nos "atos" posteriores. Como já tive a oportunidade de dizer, alguns parágrafos acima, apesar de um papel curto, MATEUS o defende com dignidade e competência.
Falar do trabalho da dupla feminina é ser reiterativo. Teria de repetir os elogios que fiz às duas em outros trabalhos, principalmente em “Contrações”. DÉBORA e YARA são duas atrizes camaleônicas e o demonstram nesta peça. É claro que o visagismo ajuda na composição das personagens, entretanto, se não nascer de dentro, da emoção das atrizes, não há caracterização física que garanta a verdade das personagens. Ambas têm atuações brilhantes, que se equivalem e que as credenciam a premiações. A transformação das personagens de DÉBORA, do primeiro “ato” para os outros dois, é perfeita, assim como a de YARA, do segundo para o terceiro. São duas atrizes de técnicas apuradas e que levam uma grande vantagem, em cena, pela cumplicidade de um trabalho conjunto, que já vem durando alguns anos e que esperamos que continue, para a nossa alegria.
ARY FRANÇA é um veterano dos palco. Jamais o vi em atuações menores. Sempre marca presença, com seus personagens e não foi diferente desta vez. ARY tem um tempo próprio de representação, que, às vezes, dá a impressão de que ele esqueceu o texto, o que não é verdade. O certo é que ele elabora, com uma certa calma, a maneira como irá dizer a próxima fala, a qual sai na medida e no tom certos e acaba se transformando naquele passe especial, para que o colega com o qual contracena marque um golaço. Sou um grande admirador de seu trabalho e, vê-lo atuar, nesta peça, só reforça minha admiração pelo ator.
Não é menor o meu reconhecimento pelo talento do jovem ator RAFAEL PRIMOT, que, além de atuar, é um ótimo dramaturgo. RAFAEL está muito bem em cena, nas três fases, e seu trabalho cresce, à medida que a história se desenvolve. É muito bom vê-lo atuando.
Sou da opinião de que ANDRÉ CORTEZ faz parte do seleto grupo dos melhores cenógrafos brasileiros da atualidade, o que já tem provado, principalmente nos dois anos passados, quando assinou alguns dos mais admiráveis cenários das duas temporadas. Aqui, ele repete a dose, com a ótima ideia de aproveitar os móveis e objetos de cena, do primeiro ato, e transformá-los, para construir a cenografia do segundo, repetindo a técnica no terceiro. E tudo à vista do público, como já foi dito.
Na verdade, parece-me que o seu conceito foi acompanhar a ideia central do texto, que vai mostrando que tudo muda, aparentemente, mas “as moscas continuam as mesmas”. Há uma falsa ilusão de que o tempo passou, mas não consegue acabar com um certo “déjà vu”. Há um caos, representado, fisicamente, no apartamento do primeiro ato. Isso vai tomando "acerto", vai sendo "arrumado", ganhando "requinte", nos dois últimos "atos". Mas e só na aparência. Muitos aplausos para o artista!
Gosto bastante dos figurinos de FÁBIO NAMATAME, que se enquadram no “cronus” de cada “ato”, de forma parcimoniosa e justa.
Também não posso deixar de elogiar a boa iluminação, de GABRIEL PAIVA, que fugiu às “grandes novidades”, mas não caiu na mesmice. Manteve-se fiel às exigências do texto e não teve a intenção de criar situações de destaque para a luz, o que poderia tirar o foco (Não quis fazer trocadilho) do que mais interessa nesta montagem: o texto.
L.P. DANIEL conseguiu montar uma ótima trilha sonora (Poderia ter utilizado mais canções, creio.), com sucessos da época, como não poderia ser de outra forma, sem deixar de fora ícones daquele tempo, alguns até hoje, como os Beatles, Caetano Veloso e New Kids On The Block, dentre outros. Mais um motivo para o prazer de nossos ouvidos.

 
 


 
FICHA TÉCNICA:
 
Autor: Mike Bartlett
Tradução: Maria Ângela Fontes Frederico 
Diretor Artístico: Eric Lenate
 
Elenco (por ordem alfabética): Ary França, Débora Falabella, Mateus Monteiro, Rafael Primot e Yara de Novaes
 
Iluminador: Gabriel Paiva
Trilha Sonora: L.P. Daniel
Cenário: André Cortez
Figurinos: Fábio Namatame
Fotos: Leekyung Kim 
Assessoria de Imprensa: Silvana Cardoso / Juliana Feltz (Passarim Com & Mktg)
Realização e Montagem: Grupo 3 de Teatro
Patrocínio: Oi e Santa Amália
Apoio Cultural: Oi Futuro
 

 
 

 

 
 

 
SERVIÇO:
 
Temporada: De 20 de janeiro a 12 de março de 2017
Local: Teatro do OI Futuro Flamengo
Endereço: Rua Dois de Dezembro, 63 - Flamengo – Rio de Janeiro
Valor do Ingresso: R$30,00 (inteira); R$15,00 (meia-entrada)
Telefone: (21) 3131-3060
Capacidade do teatro: 63 lugares
Gênero: Humor Ácido
Dias e Horário: De quinta-feira a domingo, às 20h
Duração do Espetáculo: 110 minutos
Classificação Etária: 14 anos
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De terça-feira a domingo, das 15h às 21h
Venda antecipada: Somente na bilheteria do teatro
 



 
                                                                                                                              



Aos 67 anos de idade, saí da peça com uns versos, de Belchior, que me martelavam a cabeça e me causavam um ligeiro sentimento de culpa, de uma culpa que nem sei se temos, eu e meus pares, versos contidos em três estrofes da canção “Como Nossos Pais”: 

Por isso cuidado, meu bem! / Há perigo na esquina. / Eles venceram e o sinal / Está fechado pra nós, / Que somos jovens.”

Já faz tempo, / Eu vi você na rua, / Cabelo ao vento, / Gente jovem reunida. / Na parede da memória, / Essa lembrança / É o quadro que dói mais.”

“Minha dor é perceber / Que, apesar de termos / Feito tudo o que fizemos, / Ainda somos os mesmos / E vivemos / Como os nossos pais.”
 

            Recomendo MUITO o espetáculo e até gostaria de revê-lo.

           Por oportuno, um comunicado da assessoria de imprensa: EM VIRTUDE DO CARNAVAL, "LOVE, LOVE, LOVE" fará uma breve pausa na semana da folia. Sendo assim, nos dias 23, 24, 25 e 26 de fevereiro, NÃO HAVERÁ ESPETÁCULO. A montagem retoma as suas apresentações, normalmente, em 2 de março (5a feira).


 
 





(FOTOS: LEEKYUNG KIM)

 



 



 







 

 

 











 

 

 
 
















 

domingo, 12 de fevereiro de 2017


PARA
ONDE

IR

 
(UMA “MASTER CLASS”
DE
TEATRO.
 
ou

“MAS OS SENHORES, POR FAVOR, NÃO FIQUEM INDIGNADOS,
POIS TODOS NÓS PRECISAMOS DE AJUDA, COITADOS!”.)

 

 


 

            Mais um monólogo entra em cartaz no Rio de Janeiro. Trata-se de “PARA ONDE IR”.

No lugar da palavra “monólogo”, poderia ter sido utilizado o termo “master class”, expressão em inglês, que significa, mais ou menos, uma aula magna, uma super aula, uma aula inesquecível, para a qual só estão aptos os mais sensíveis e talentosos, visto que quem a profere é um suprassumo naquilo que faz, um mestre dos mestres.

            O nosso grande mestre dessa aula é YASHAR ZAMBUZZI, o qual, com a brilhante direção de sua mulher, a também atriz, VIVIANI RAYES, nos brinda com uma belíssima aula de interpretação teatral. E nós, seus discípulos, temos de também ter talento, de estar sintonizados com tanta sensibilidade e verdade, para sermos merecedores daquele deleite.

Isso tudo acontece, em temporada relâmpago, na Sala Rogério Cardoso, na Casa de Cultura Laura Alvim, de 3ª feira a domingo – OS BELOS TEMPOS DO TEATRO VOLTARAM!!! – apenas, infelizmente, até o dia 19 de fevereiro.

            A peça é livremente inspirada em livros do escritor russo FIÓDOR DOSTOIÉVSKI (1821-1881) e do poeta francês ARTHUR RIMBAUD (1854-1891).

O texto é uma adaptação do próprio YASHAR. Foi construído a partir do personagem MARMIELÁDOV, do romance Crime e Castigo”, escrito por DOSTOIÉVSKI, e da trama de Uma Temporada no Inferno”, de RIMBAUD.


 



 
 

 




 
SINOPSE:
 
“PARA ONDE IR” é um monólogo, que conta a história de MARMIELÁDOV (YASHAR ZAMBUZZI), funcionário público, alcoólatra, que, após perder o emprego, vai beber numa taberna.
 
O personagem é homônimo ao protagonista do romance Crime e Castigo”, um dos pontos de partida para a construção da peça.
 
MARMIELÁDOV, na taberna, acompanha a chegada dos fregueses e aproxima-se, ora de um, ora de outro, para contar-lhes as dificuldades por que passa, por conta do vício, a necessidade de sustentar sua família e as desventuras de sua vida. 
 
A peça dialoga com o público, numa linguagem dinâmica e coloquial, promovendo um contato direto e desmistificador com dois grandes autores da literatura universal, cujas obras têm, em comum, as situações extremas da vida.
 
Alcoolismo, desemprego, pobreza, miséria, violência contra a mulher, prostituição infantil, infanticídio e autodestruição são temas pelos quais passeia o texto.
 
Mais atual que isso é impossível!
 

 
 
 


            Segundo o “release” do espetáculo, enviado pela assessoria de imprensa (DUETO COMUNICAÇÃO - ALESSANDRA COSTA), “Há mais de dez anos, YASHAR estuda a transformação da literatura clássica em fenômeno cênico, especialmente as obras de DOSTOIÉVSKI, pela importância de suas questões perenes sobre a condição humana. A concepção do espetáculo interliga DOSTOIÉVSKI e RIMBAUD a BERTOLD BRECHT (1898-1956), o que faz, da peça, segundo VIVIANI e YASHAR, também, uma homenagem à poesia crítica do poeta e dramaturgo alemão”.

            O espetáculo marca o primeiro trabalho de direção de VIVIANI RAYES, a qual se inicia, na função, com o pé direito.

Não é muito fácil criar, em termos de direção, sobre um texto como o da peça, nem há muito a inventar sobre como deve atuar o protagonista. VIVIANI, totalmente cônscia de sua responsabilidade, permitiu que a narrativa dramática fluísse naturalmente, explorando os meandros da vida do personagem, traduzindo-os, em postura cênica e cobrança, naquilo de comiseração que MARMIELÁDOV deve provocar na plateia, seus amigos de copo e, talvez, de infortúnios e descaminhos, sem exageros, sem pieguice, sem tornar o espetáculo monótono e desagradável, o que seria um desastre. Ao contrário, tudo escorre regularmente, com o dedo certo da direção, a qual conta com um grande ator, que, de há muito, merecia um personagem como o que representa nesta peça.

            Já tivemos a oportunidade de aplaudi-lo, com muitos “bravos”, e de pé, no espetáculo “Blackbird”, onde também fez um trabalho irrepreensível, ao lado de VIVIANI, como atriz, também com igual rendimento. O espetáculo foi sucesso nos anos de 2014 a 2016, e está pronto para ser remontado, a qualquer hora, com público garantido.

            YASHAR é um “monstro” em cena. A sua docilidade, como pessoa, é transferida para a cena, acrescida de um sentimento de subserviência, de aceitação das desagradáveis surpresas que a vida lhe reservou, embora, em alguns momentos, ensaie uma revolta, que não se esgota; aliás, que sente dificuldade de trair a sua boa índole.







O espetáculo é, em certa parte, interativo, já que o ator se dirige a algumas pessoas da plateia, sentando-se às sua mesas e fazendo-lhes determinados questionamentos, cobrando-lhes concordância ou discordância acerca de suas teorias, perguntas às quais ninguém é obrigado a responder, e o espetáculo segue em frente, cumpre o seu destino. É como se o personagem não esperasse mesmo qualquer resposta, como se soubesse que estava sendo ignorado, que seus lamentos e desabafos não merecessem crédito. Repete, por várias vezes, em relação ao comportamento “indiferente” do púbico, a seguinte fala: “MAS OS SENHORES, POR FAVOR, NÃO FIQUEM INDIGNADOS, POIS TODOS NÓS PRECISAMOS DE AJUDA, COITADOS!”. É o grande recado que ele dá a cada um de nós.



 
 

            MARMIELÁDOV é um personagem difícil de ser representado e riquíssimo, mas que pode proporcionar, a quem o interpreta, a oportunidade de deixar marcado o seu talento ou pôr em destaque o pouco traquejo para a representação. YASHAR só fez valorizá-lo, com seu talento e sensibilidade.

            Desde que surge em cena, saído de um dos cantos da decadente taberna, disposto a dividir seus lamentos e dores com os que habitam aquele soturno espaço, já vai ganhando a empatia do público, atraindo-o para si. Todos parecem se identificar com o personagem, não pelos fatos que ele vai narrando, mas pela certeza da nossa falibilidade, da possibilidade de um profundo mergulho no abismo, em algum momento da nossa vida, como ocorreu ao personagem, ali, tão próximo de nós, tão verdadeiro, tão merecedor da nossa atenção e de uma mão amiga, pela qual, aliás, ele suplica, quase ao final da peça, sem encontrar o que procurava.

Confesso que tive vontade de me levantar e ir ao encontro dele, não apenas para apertar-lhe a mão estendida, mas para abraçá-lo e, até mesmo, provar minha solidariedade com um beijo no rosto. Fiquei entre soltar a minha emoção e atrapalhar o andamento da peça. Falou mais alto o racional.

            Apesar de uma produção modesta, com apoiadores, mas sem patrocínios, YASHAR e VIVIANI não abriram mão do bom gosto e da criatividade e se cercaram de excelentes profissionais, para montar um texto que merecesse os aplausos do público e o reconhecimento da crítica.

            Ao tomar conhecimento do título da peça, senti falta de um ponto de interrogação, ao final (“PARA ONDE IR?”). Assistindo ao espetáculo, entendi que a ausência de tal sinal de pontuação é perfeitamente justificada. O personagem não questiona para onde deva ir, porque ele já conhece a resposta, tem consciência do fim de sua triste trajetória. Se algum sinal de pontuação coubesse, no caso, seria o de reticências. Mas está ótimo do jeito que está. Quem assistir a esta linda montagem haverá de compreender a ausência, que, antes, eu considerara.

            Gosto muito do formato da peça, da ambientação cênica, mais que um simples cenário, que reproduz, com muita fidelidade, uma decadente taberna da época, com riquíssimos detalhes na decoração. Um verdadeiro achado cênico, assinado por YASHAR e VIVIANI.
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Ao adentrar a Sala Rogério Cardoso, ou a “taberna”, o espectador recebe uma toalha de papel, para forrar seu lugar em uma das mesas, a qual – a toalhinha - nada mais é que o programa da peça, e um copinho de cachaça ou de café (para os abstêmios ou os que não desejam ser flagrados pela maldita “Lei Seca”), a fim de compartilhar a encenação.

            Os andrajos, vestidos pelo personagem, são uma criação do figurinista ROGÉRIO FRANÇA, em acertada mão e escolha.

            ELISA TANDETA propôs uma luz predominantemente fria, praticamente, de salão, para a maior parte do tempo, com algumas modulações, que sublinham uns poucos trechos da peça, enriquecidos por essas variações. É um espetáculo em que a luz funciona com um suporte, que se destaca em breves momentos, a não ser num detalhe especial, durante um longo tempo, ao final do espetáculo, em que todo o espaço cênico recebe apenas um intenso foco, que consegue iluminar somente a cabeça do personagem, sentado, num dos mais fortes momentos do texto. Belo trabalho dessa grande profissional da luz!

            Há uma trilha sonora original, a cargo de CHICO ROTA, que aparece pouco, porém funciona muito bem no espetáculo.

            Quase sempre esquecida, nos comentários críticos, quero render uma homenagem a THIAGO RISTOW, THIAGO FONTIN e RAPHAEL JESUS, pelo ótimo trabalho de programação visual, sendo que o último ainda assina as ilustrações. 

            O espetáculo é, no mínimo, impactante e instigante e não deixa nenhum espectador imune à comiseração pelo personagem, pelo “outro”, à solidariedade a ele, por seu sofrimento, e a uma reflexão acerca das armadilhas que a vida nos prepara e que é impossível fugir aos seus desígnios. Qualquer um de nós pode se transformar, amanhã, num MARMIELÁDOV.

            O espetáculo agrada em todos os aspectos, mas, certamente, poucos atores, ao longo desta temporada, demonstrarão a mesma força e capacidade interpretativa de YASHAR ZAMBUZZI, na pele do pobre MARMIELÁDOV. Grandes possibilidades de premiações!!!

            Espero que o espetáculo consiga outras pautas e faça uma carreira tão brilhante quanto a que fez “Blackbird”!

E que eu consiga revê-lo na semana que se inicia, a última da atual temporada!

 

 
 





 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Livremente inspirado em “Crime e Castigo”, de Fiódor Dostoiévski, e “Uma Temporada no Inferno”, de Arthur Rimbaud 
Adaptação: Yashar Zambuzzi
Direção: Viviani Rayes
 
Elenco: Yashar Zambuzzi
 
Figurinos: Rogério França
Iluminação: Elisa Tandeta
Trilha Original: Chico Rota
Cenário: Yashar Zambuzzi e Viviani Rayes
Assessoria de Imprensa: Duetto Comunicação
Programação visual: Thiago Ristow, Thiago Fontin e Raphael Jesus
Ilustrações: Raphael Jesus
Fotos de Cena: Lu Valiatti
Idealização: Te-Un TEATRO
Produção Executiva e Realização: Rayes Produções Artísticas
 
Assessoria de Imprensa “PARA ONDE IR”
Duetto Comunicação – (21) 2533-5206
Alessandra Costa – alessandracostadivulga@gmail.com (21) 97618-0422
 
Assessoria de Imprensa CASA DE CULTURA LAURA ALVIM
Dedicata Comunicação: (21) 3852-7922
Jaciara Rodrigues – jaciaradedicata@gmail.com – (21) 98121-2474
 

 


 
 

 

 
SERVIÇO:
Temporada: De 7/2 até 19/2, de terça-feira a sábado, às 20h; domingo, às 19h
Local: Teatro Rogério Cardoso - Casa de Cultura Laura Alvim
Endereço: Av. Vieira Souto, 176 – Ipanema – Rio de Janeiro
Funcionamento da Bilheteria: De terça-feira a domingo, das 16h às 19h
Tel: (21) 2332-2015
Duração: 60 minutos
Gênero: Drama
Lotação: 53 lugares
Classificação Indicativa: 14 anos
Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia-entrada)
 

 

 

 

 

(FOTOS: LU VALIATTI)
 
 
 

Com Yashar Zambuzzi.