terça-feira, 31 de janeiro de 2017


O PÃO

E A

PEDRA


(O TEATRO SE PRESTANDO
A UMA AULA DE
POLÍTICA APARTIDÁRIA
E CIDADANIA.)



 
 

 

            A COMPANHIA DO LATÃO, sediada em São Paulo, fundada em 1997, por SÉRGIO DE CARVALHO, é, sem dúvida, uma das mais representativas do TEATRO BRASILEIRO, de reconhecimento internacional, e tornou-se uma referência para o TEATRO paulista, no que se refere à pesquisa estética avançada e à politização da cena.

Fã, incondicional, do seu trabalho, sempre saí de um espetáculo montado por eles, com vontade de revê-lo. Assim foi, por exemplo, com “O Círculo de Giz Caucasiano”, “Ópera dos Vivos”, “O Patrão Cordial” e “Os Que Ficam”.

Não aconteceu, porém, desta vez, depois de ter assistido, na semana passada (dia 25 de janeiro / 2017), à mais recente produção da COMPANHIA, “O PÃO E A PEDRA”, que fica em cartaz, no Teatro III, do CCBB do Rio de Janeiro, até o dia 13 de fevereiro (2017), a despeito de eu ter gostado bastante da peça, que não é, a meu juízo (gosto pessoal, apenas), o carro-chefe do grupo.

A COMPANHIA DO LATÃO é muito mais que um grupo de TEATRO. Trata-se de uma reunião de pessoas, as quais se propõem a incentivar a reflexão crítica sobre a sociedade atual, incluindo, em suas propostas, além dos espetáculos teatrais, atividades pedagógicas, edições de livros, CDs e DVDs, bem como uma série de experimentos artísticos, palestras e seminários.













A peça em questão é muito oportuna, apesar de retratar um fato do final da década de 70, que, porém, existe, e continuará existindo, que é a eterna luta do proletariado por uma ascensão social, que nada mais é do que uma luta pelos direitos de cidadania, num país em que poucos têm muito e muitos têm pouco. Não se trata apenas de uma luta por melhores salários, por mais dinheiro, por bens materiais; é, antes de tudo, uma exigência da condição humana, cidadã.

Um dos desejos do grupo, com este projeto era estudar e mapear os “aspectos do pensamento religioso no Brasil, sua força de coesão social e sua adesão à tendência geral de mercantilização das formas culturais”.

Nesta peça, observa-se a atuação da ala da Igreja Católica, chamada “progressista”, assistindo, com maior presença, entre os anos de 1968 e 1978, quando ocorre um grande ciclo de politização da igreja católica na América Latina, os mais pobres, os desassistidos, procurando dar um basta à desigualdade social.

É o momento em que entram em cena mais dois fortes elementos engajados nessa luta pelo direito à cidadania, representados pelo chamado “novo sindicalismo” e os movimentos estudantis, todos convergentes, porém por vias diversas.

A ação se passa na cidade de São Bernardo do Campo, em 1979, durante o efervescente momento que marcou uma grande greve dos metalúrgicos, que durou 60 dias: 15 de máquinas paradas e 45 de “trégua”, com mobilização, dentro e fora das fábricas.


   
 
 
 

 
SINOPSE:
 
A montagem acompanha as dificuldades de várias personagens do mundo do trabalho, durante a greve dos metalúrgicos, de 1979, no ABC. Histórias de aprendizados políticos e de luta pela sobrevivência se desenvolvem em torno do caso central de uma mulher operária, que se disfarça de homem, para melhorar de vida, questionando a situação feminina num ambiente fabril.
 
            Misturando elementos realistas, fantásticos e documentais, a encenação contrasta a prática política de uma greve histórica, cujas assembleias, no Estádio da Vila Euclides, contavam com mais de 70 mil trabalhadores, com expectativas ideológicas, alimentadas pelo imaginário de três grupos: o novo sindicalismo, a Igreja progressista e o movimento estudantil de esquerda.
 
            Em meio à campanha salarial e ao enfrentamento da polícia, os operários de “O PÃO E A PEDRA” travam um embate com a própria vida coisificada.
 

 
 
 









 



Com este espetáculo, a COMPANHIA DO LATÃO acompanha várias personagens do mundo trabalho - em especial uma mulher operária, que se disfarça de homem, para melhorar de vida -  em meio à greve dos metalúrgicos de 1979 no ABC.

            A concepção do projeto, assim como a dramaturgia e a excelente direção do espetáculo levam a assinatura de SÉRGIO DE CARVALHO, embora seja uma criação coletiva, que contou com a colaboração de uma equipe de pesquisadores, entre os quais JULIAN BOAL, filho do inesquecível mestre Augusto Boal.

A direção musical e a execução, ao vivo, estão a cargo de LINCOLN ANTÔNIO, do grupo musical A Barca, que volta a colaborar com a COMPANHIA depois de 15 anos. No elenco, 10 atores dão vida a 24 personagens, já que quase todos fazem mais de um papel.

            O espetáculo chega ao Rio de Janeiro, depois de ter estreado em São Paulo, em maio de 2016, sempre com lotação esgotada, sucesso absoluto de público e carregado e excelentes críticas.













            Dois pontos de apoio importantes, no espetáculo, residem no fato de ele ser político, porém apartidário, e não ter a pretensão de ser panfletário, limitando-se – e isso já é muito – a abordar um fato real e usá-lo como ferramenta para uma reflexão do público. É pena que a ignorância, o fanatismo político partidário ou, mesmo, uma paixão popular levem algumas pessoas da plateia a não entender a proposta do grupo, o que as faz gritar palavras de ordem, do tipo “Fora.....!”, chegando a atrapalhar a interpretação dos atores, como ocorreu no dia em que assisti ao espetáculo e me deixou bastante incomodado.      

            Agradaram-me os elementos criativos do cenário e dos figurinos de CÁSSIO BRASIL, assim como todos os demais elementos técnicos do espetáculo.

            O elenco, referência em interpretação, segundo o método brechtiano, se apresenta com um trabalho irretocável, no qual seria difícil citar destaques, embora eu arrisque um toque de maior mérito às atuações de HELENA ALBERGARIA, JOÃO FILHO, NEY PIACENTINI, ROGÉRIO BANDEIRA e TIAGO FRANÇA.

            Recomendo o espetáculo e já, de antemão, aviso, aos que pensarem que 2 horas e 50 minutos podem cansar, que abandonem tal pensamento, uma vez que se trata de um espetáculo vivo, dinâmico, capaz de prender a atenção do espectador, ávido por um TEATRO de qualidade.


 







 



 
FICHA TÉCNICA:
 
Dramaturgia e Direção: Sérgio de Carvalho
Dramaturgo Assistente: Julian Boal
Colaboração na Dramaturgia: Helena Albergaria
Equipe de Pesquisa: Julian Boal, Marcelo Berg, Maria Lívia Nobre, Natália
Belasalma, Olívia Tamie e Sérgio de Carvalho.
Assistência de Direção: Maria Lívia Nobre
 
Elenco: Beatriz Bittencourt (Míriam, uma operária)
Beto Matos (feitor Mariano; ambulante; instalador de antena; policial; bilheteiro)
Érika Rocha (Irene, uma operária)
Helena Albergaria (Joana Paixão, uma operária; João Batista)
João Filho (Isaías, o filho; Jaílton, o sindicalista)
Ney Piacentini (Arantes, o veterano; Espectro do marido de Joana)
Rogério Bandeira (Lucílio, o Fúria Santa)
Sol Faganello (Luísa, a militante; menina Greice)
Thiago França (Padre Carlino; operário; guarda da fábrica; fura-greve; contramestre; Pedro, o namorado da militante
 
Direção Musical, Composição e Execução: Lincoln Antônio
Cenário e Figurinos: Cássio Brasil
Assistente de Figurino: Patrícia Sayuri Sato
Iluminação: Melissa Guimarães e Silviane Ticher
Operação: Melissa Guimarães
Cenotécnico: Valdeniro Pais
Registro Videográfico: Natália Belasalma
Fotografias do Cartaz: Cristiano Mascaro
Fotos: Lenise Pinheiro
Arte do Programa e Cartaz: Marcelo Berg
Assistência de Produção: Olívia Tamie
Produção: João Pissarra
Assessoria de Imprensa: Mônica Riani
 

 

 

 
 



 




 
SERVIÇO:
 
Temporada: De 19 de janeiro até 13 de fevereiro
Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) – Rio de Janeiro
Endereço: Rua Primeiro de Março, 66 - Centro – Rio de Janeiro.
Telefone para informações: (21) 3808.2020.
Dias e Horários: De quarta-feira a domingo, às 19h30
Duração: 170 minutos, assim distribuídos: dois atos - Ato I: 1h35min; Intervalo de 15 min; Ato II: 1h.
Classificação Etária: 16 anos
Valor do Ingresso: R$20,00 (inteira) e R$10,00 (meia-entrada).
 



 


 





 

 

(FOTOS: LENISE PINHEIRO.)


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