A
VIDA PASSOU
POR
AQUI
(E DEIXOU MARCAS
INDELÉVEIS.
ou
UM BELO TRIBUTO
À AMIZADE.)
O espetáculo certo no
lugar errado. É com essa sensação que deixamos o Teatro Café Pequeno, depois de ter assistido ao espetáculo “A VIDA PASSOU POR AQUI”, que lá está
em cartaz e que tive a alegria de ver no último sábado.
Começo por
explicar o porquê de ser errado o lugar, ainda
que isso não deva ser motivo para que ninguém se prive de assistir a um
belíssimo espetáculo. Aquele espaço, como parte do próprio nome diz, Café Pequeno, é um “café-concerto”, cujo mobiliário, para
acomodar o público, é composto por mesas, cadeiras e bancos altos, como num
café, uma boate ou algo parecido. Serve, portanto, para abrigar alguns tipos de
espetáculo, como “shows”, por exemplo, uma vez que, como se não bastasse, há um
serviço de bar, que funciona, às vezes, inclusive, durante o espetáculo exibido,
o que atrapalha, sobremaneira, o espectador, interessado mais no que está vendo
do que nos acepipes e bebidinhas que poderá saborear, enquanto lá estiver. No
dia em que assisti ao espetáculo, sábado, 19 de novembro (2016), por acaso, o
serviço de bar não funcionou. Isso sem falar no barulho incômodo, e inevitável,
das cadeiras, que se movem, em função do desconforto que oferecem aos espectadores,
os quais se veem na obrigação de buscar posições menos desconfortáveis, durante
uma exibição artística.
Mas, seguindo
as duas máximas, que dizem “é o que
temos pra hoje” e “se não tem tu,
vai tu mesmo”, diante da dificuldade de se encontrar uma pauta num teatro
do Rio de Janeiro, temos de nos
contentar com o fato de a produção
do espetáculo aqui comentado ter encontrado aquele espaço para abrigar uma peça
tão linda, bem produzida e excelentemente representada, que vale a pena o
sacrifício e passar pelos dissabores acima mencionados. Se “tudo vale a pena,
se alma não é pequena”, também tudo vale
a pena, quando o espetáculo é de boa qualidade.
Para conseguir
superar esses “percalços”, só mesmo um bom espetáculo, para compensar e
garantir a presença do público, até o fechar do pano, que é, exatamente, o que
ocorre com relação a esta peça. Ela ganha a simpatia do público, angaria a sua
atenção a arranca efusivos aplausos, ao final, porque é muito boa, com um texto lindo, que retrata um comovente
relacionamento de amizade entre pessoas tão distantes, quanto ao “status”
social, e tão próximas, tão iguais, no que diz respeito às suas almas. Acrescente-se
à correta estrutura textual, uma boa e
criativa direção, além de duas belas
atuações e um conjunto de
profissionais de primeiríssima qualidade, dando suporte nos demais setores
necessários a uma boa montagem teatral.
Sobre como nasceu o texto, o terceiro de CLÁUDIA MAURO, depois de ter escrito
dois musicais, vale a pena transcrever o material enviado pela assessoria de imprensa (JSPONTES),
também contido no programa da peça. diz CLÁUDIA: “Então, a vida passou por mim e disse:
‘Chegou a hora. Seus pais sairão de cena. Agora é com você, sua vez.’ Pausa. Em
meio à mudança de casa da minha mãe - que havia sofrido um AVC – encontrei uma
caixa cheia de agendas, que ela escrevia como diários. Estava ainda fazendo o
‘luto’ daquela mãe - que corria atrás dos meus filhos, com uma energia vital
incrível - e me acostumando com uma mãe numa cadeira de rodas, que ora me
olhava profundamente, ora com distância, ora muito lúcida, ora bastante
esquecida. Tive uma súbita inspiração e me lembrei de uma história linda entre
ela e um grande amigo. Desandei a escrever um texto sobre amizade. Liguei para
o meu pai e mandei as primeiras páginas escritas. Em alguns minutos ele me
retornou e disse: ‘Filhota, você é boa de diálogos, hein? Vai em frente!’ E eu
fui... Mais algumas páginas, alguns dias no computador, e veio a notícia. Dessa
vez, meu pai. Partiu. Tomando vinho com os amigos, rindo e feliz, como ele
queria e merecia. Então, recomecei... e a história de amizade virou uma
história para contar tantas outras histórias... Histórias de amor, de dor, de
perdas e alegrias, histórias de família e de tantos personagens da minha vida.”.
SINOPSE:
A peça conta a história de
uma profunda e sólida amizade entre uma mulher e um homem de estratos sociais
diferentes – SÍLVIA (CLÁUDIA MAURO),
professora e artista plástica, que viveu grande parte da vida às voltas com as
crises em seu casamento e um enorme sentimento de solidão, e FLORIANO (ÉDIO NUNES), “boy” e
faxineiro, de hábitos simples e inteligente, por natureza, que sempre levou sua
vida com leveza e bom humor.
Depois de quase meia
década de convivência, SILVIA é uma
mulher solitária, que se recupera de um AVC, e FLORIANO, o único amigo ainda presente. Aos poucos, ele contagia SILVIA, com sua alegria de viver e
senso de humor, que acabam devolvendo a saúde e os movimentos à amiga.
Juntos, divertem-se e
rememoram os altos e baixos de quase 50 anos de amizade.
A peça celebra a alegria e a amizade e a importância das relações
construídas com generosidade e altruísmo, numa sociedade em que o comportamento
humano torna-se, a cada dia, mais autorreferente e imediatista.
Se o pai de CLAÚDIA MAURO, como incentivo, disse à
filha, como consta no programa da peça e no “release”, enviado pela assessoria
de imprensa (JSPONTES), que ela era boa em escrever diálogos, eu me atrevo,
partindo de uma visão mais técnica, a trocar o adjetivo por “ótima” e acrescentar que nem só de
bons diálogos se faz um bom texto de
TEATRO. A história há de ser boa,
também, e deve ser contada de forma a prender a atenção do espectador, do
início ao fim da trama. E isso tudo está presente em “A VIDA PASSOU POR AQUI”, título que, aliás, diga-se de passagem,
não poderia ter sido mais bem escolhido, embora, em função do comportamento
dos dois personagens - mais explícito, por parte dele; menos exposto, da lado dela
- a vida, no fundo, no fundo, não pareça ter passado; ali, entre os dois
personagens, ainda há muita vida a passar, apesar dos pesares, sem que o fator
tempo, a inevitável velhice, seja um óbice, responsável pelo desaparecimento da
vida.
Além dos
ótimos diálogos, da excelente ideia da história a ser contada, o entremear de
cenas atuais com “flashbacks” também funciona muito bem na peça, principalmente
pela maneira como se portou a direção
do espetáculo.
Gostei demais
do trabalho de direção, de ALICE BORGES, porque muito me encantam
os diretores que conseguem “tirar
leite de pedra”, como fez ALICE. Não
porque o texto fosse rim; muito pelo
contrário. Não por não contar com bons profissionais; exatamente o oposto. A
expressão se aplica ao fato de conseguir dar ao espetáculo um bom e correto
sentido, contando com um espaço que, além de não apropriado para TEATRO, ainda por cima, oferece um
“palco” de dimensões mínimas, um desafio, também, para o cenógrafo, sobre quem falarei adiante.
ALICE, habilmente, trabalhou a emoção da
dupla de atores, dosando-a, mantendo um equilíbrio alternativo entre o humor e
o sério, já que trata de uma comédia
dramática, sem exageros e/ou estereótipos. As soluções para que passassem de
uma época à outra, sem grandes recursos materiais, a não ser a postura
corporal, a voz e alguns adereços incorporados aos figurinos são um grande ponto a seu favor. De forma, também,
bastante interessante, dentro do espaço de que dispunha, não se deixou abater,
no momento em que precisava de uma pista de dança de uma gafieira, e,
abandonando o espaço cênico, transpô-la para uma minúscula área, à entrada dos
banheiros do teatro, convencendo, perfeitamente, o público, com a atuação dos
atores e um único foco de luz. Soluções brilhantes por uma competente diretora.
A montagem
estrutura-se nas idas e vindas, entre passado e presente, um jogo com o tempo.
Valendo-se, basicamente, do trabalho corporal, os atores passeiam por cinco
décadas – dos anos 1970 até os dias de hoje, e por todas as mudanças em suas
vidas.
CLÁUDIA e ÉDIO fazem dois lindos trabalhos de composição de personagens.
Comovem por seu talento e pela forma como mergulharam neles. Segurei-me, até o
final, para não chorar; afinal de contas, é TEATRO, tudo “de mentirinha”. Só que, por trás daquela “mentirinha”,
há dois aspectos a realçar: primeiro, aquela ficção reproduz muitas verdades do
dia a dia; segundo, a interpretação dos atores é tão natural e envolvente, que
nós, a plateia, é que quebramos a quarta parede e nos transportamos,
completamente, para aqueles dramas, amenizados por algumas “brincadeirinhas”, o
rir da própria desgraça, tão convincente é o trabalho dos atores. A facilidade com
que ambos passeiam pelas já citadas cinco décadas, entrando nos personagens e
saindo deles, ora mais jovens, ora mais velhos, é de uma naturalidade
espantosa, sem maiores recursos, a não ser, como já adiantei, um pouco acima, acessórios, além do próprio corpo (posturas) e das modulações de voz. É
bonito ver a ternura que ambos passam, um pelo outro, o nível de respeito,
consideração e reconhecimento de uma amizade recíproca, tão difícil de ser
encontrada nos dias de hoje, menos, ainda, de ser conservada por cinquenta
anos.
Sobre a cenografia, NELLO MARRESE operou um verdadeiro milagre profissional e de
criatividade, pondo, em cena, vários espaços, como um asilo, que os “politicamente
corretos”, grupo do qual me recuso a fazer parte, preferem chamar de “casa de
repouso”; a casa da personagem; o local de trabalho de ambos; o sítio, onde
passou o resto de sua vida FLORIANO,
e, ao que tudo indica, a própria SÍLVIA...
Tudo isso, utilizando o mesmo cenário,
com o espaço cênico meio “fatiado” em setores, formando um todo. O mobiliário,
assim como os objetos de cena, é antigo, caracterizando um conjunto de peças um
determinado ambiente, e confere a este um estado de nostalgia, muito bom, para
ajudar na criação da atmosfera em que se desenrola a peça.
Os
figurinos, de ANA ROQUE, trazem, como diferencial, detalhes que são
utilizados de formas variadas, para caracterizar os personagens em épocas
diferentes. Muito interessantes os simples “truques” utilizados.
PAULO
CÉSAR MEDEIROS, como não poderia deixar de ser, assim como a vida, também
passou por aquele palco e deixou a marca de seu talento, criando uma iluminação
bem fraca, de pouca intensidade, nas cenas em o casal aparece mais velho e
iluminando, de forma mais “quente”, os momentos da juventude ou da meia idade.
A iluminação vai seguindo o ocaso daquelas duas vidas.
Afinando a luz.
CLÁUDIO
LINS fez um excelente trabalho de pesquisa e criou uma trilha sonora
eclética, que acompanha, cronologicamente, o desenvolvimento da trama. Vai de Bill
Haley & His Comets (“Rock Around The Clock, dos anos 50), passando pela
fase áurea da MPB, na voz de ícones, como Elis Regina, Martinho
da Vila, João Bosco, Maria Bethânia, Ivan Lins, Chico
Buarque, até os dias atuais.
Todos
os demais profissionais que participaram do projeto colocaram seus tijolinhos,
de modo a se erguer uma edificação sólida, um espetáculo que merece ser visto
por um número bem grande de espectadores.
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Cláudia Mauro
Direção:
Alice Borges
Diretor
Assistente: Marcos Ácher
Elenco:
Cláudia Mauro e Édio Nunes
Cenografia:
Nello Marrese
Figurinos:
Ana Roque
Iluminação:
Paulo César Medeiros
Trilha
Sonora: Cláudio Lins
Pesquisa
Musical: Patrícia Mauro
Coach:
Larissa Bracher
Supervisão
de Movimento: Paula Águas
Coreografias:
Édio Nunes
Atriz
Stand in: Renata Paschoal
Assistente
de Produção: Luciana Sales
Assistente
de Cenografia: Maria Stephania
Assistente
de Figurino: Luiz Ikki
Costureira/Modelista:
Ateliê Fátima Leo
Designer
Gráfico: Marcos Ácher
Fotos:
Dalton Valério
Coordenador
Administrativo Financeiro: Sandra Pedroso
Contabilidade:
LCG Assessoria
Produção
Executiva: Janaína Santos
Produtoras
Associadas: Alice Borges e Cláudia Mauro
Produção:
Forte Filmes
Assessoria
de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada: Até 18 de dezembro
LOCAL: Teatro Municipal Café Pequeno
Endereço: Av. Ataulfo de Paiva, 269 - Leblon
/
RJ
Tel:
(21) 2294-4480
Dias e Horários: De 6ª feira a
domingo, às 20h
Valor do Ingresso: R$40,00 e R$20,00 (meia-entrada)
Duração do Espetáculo: 90 minutos
Gênero: Comédia Dramática
Capacidade: 80 lugares
Classificação Etária: 12 anos
Este
espetáculo é mais um daqueles que surpreendem o espectador, pelo conjunto da
obra, motivo suficiente para que eu o recomende e provoca, em mim, a vontade de revê-lo.
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