A GAIOLA
(UMA
PORÇÃO DE “PODE SER”
ou
OS
LIMITES, O PRAZER
E AS CONVENIÊNCIAS
DA LIBERDADE.)
Em sua segunda temporada, ainda que bastante
curta, infelizmente, está em cartaz, no Teatro
II do Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro), uma das peças
infantis mais lindas a que já assisti em toda a minha vida. Eu diria que é um poema teatral, um poema representado teatralmente e que não é só para os pequenos.
O espetáculo diverte as crianças e emociona os adultos. Faz bem à alma, alivia
as dores do coração, torna o público mais leve e sensibiliza até os
empedernidos mais resistentes às grandes emoções.
Estou
falando de “A GAIOLA”, uma das mais
cuidadosas produções infantis, em todos os sentidos, que vi, ontem, domingo, 6 de outubro (2016), pela
segunda vez. E, se dispusesse de mais tempo, voltaria a rever, porque o que é
belo não cansa, porque falar do sentimento mais nobre, e tão pouco praticado,
hoje em dia, o amor, é o mesmo que
falar da razão da existência humana. Vivemos do e para o amor. Sem ele, o mundo seria cinzento,
muito diferente do que se vê no palco do CCBB.
O
texto, de uma beleza ímpar, é uma
adaptação, feita por ADRIANA FALCÃO
e EDUARDO RIOS, para um livro
daquela, que recebeu roteiro e direção de DUDA MAIA e conta um encontro entre uma MENINA (CAROL FUTURO) e
um PASSARINHO (PABLO ÁSCOLI), uma
relação de amor, impossível, na vida real, e totalmente aceitável, no reino do
faz-de-conta, da ficção.
SINOPSE:
Trata-se de uma história
de amor e separação entre uma MENINA
(CAROL FUTURO) e um PASSARINHO
(PABLO ÀSCOLI), que, há dois anos, rendeu uma indicação ao Prêmio Jabuti à escritora ADRIANA FALCÃO, pelo livro infanto-juvenil homônimo.
No palco, os personagens
iniciam uma história de amor, quando o PASSARINHO
cai, ferido, por uma pedrada, na varanda da casa da MENINA.
Na trama, ela se dedica a
cuidar do pequeno bicho e, à medida que vão convivendo, se apegam um ao outro,
até se apaixonarem.
Ele fica curado e, na hora
da despedida, pede à MENINA que o
aprisione numa gaiola, para que ele não possa deixá-la.
Um dia, ela o flagra, na
gaiola, encantado com a beleza do dia lá fora e uma crise se instala entre os
dois.
A tentativa de prender o
amor se mostra inútil e os dois chegam a uma importante conclusão, que você saberá
qual é, assistindo à peça, sabendo, de antemão que, por natureza, “lugar de passarinho é no céu e lugar e menina é na terra”.
PABLO e CAROL, amigos de longa data, há muito, desejavam fazer um trabalho
juntos e ambos se apaixonaram pelo livro de ADRIANA FALCÃO e decidiram que aquela encantadora história teria de
ser levada ao palco. Para isso, conquistaram a adesão de DUDA MAIA, para dirigir
o espetáculo, tão logo fosse feita a adaptação para o TEATRO.
O
espetáculo fez uma bela carreira, no mesmo CCBB
(Teatro III) e acabou convidado a ser reapresentado lá, sempre com casa
cheia. Cheia de gente que aplaude, de pé, visivelmente emocionada com o que se
passa diante dos seus olhos e com o que ouvem, ao longo de apenas 50 minutos,
de pura magia e encantamento.
Falar
de amor pode ser considerado um tema “batido” e que não interessa tanto ao
público, por tal motivo. Não há, porém, temas “batidos”; há maneiras diferentes
e originais de se tratar de um tema tão decantado, em todas as formas de
expressão, como o amor.
O
amor entre um humano e um animal da classe dos irracionais, então, seria, em
princípio, algo, no mínimo, esdrúxulo, se o AMOR, aqui tratado, não fosse vivido, unicamente, no plano do
sentimento de um ser por outro, focado apenas no respeito, no carinho, no
afeto, na proteção. Sim, porque quem ama protege o ser amado e espera dele
reciprocidade. A preocupação com o outro, com a segurança, a liberdade e a
felicidade plena do próximo é o que se vê em cena, de forma lúdica e
metafórica, representado pelo grande, fortuito e providencial encontro entre os
dois protagonistas.
Para
ADRIANA FALCÃO, como ela mesma
escreveu, no programa da peça, com as minhas adaptações, as meninas,
antigamente, eram criadas – e algumas ainda o são – para encontrar, um dia, em
suas vidas, o seu encantado príncipe, com disposição para amá-las e serem
felizes para sempre, contando, sem abrir mão, em hipótese alguma, com a sua
proteção, sem a qual estariam perdidas no mundo e, quiçá, não conseguiriam
sobreviver nele.
É extremamente
positiva a ideia, de ADRIANA, de
questionar o suporte máximo suportável de proteção de um ser ao outro. O excesso
de proteção, de zelo, não poderia “cortar as asas” do PASSARINHO, a ponto de impedi-lo de cumprir o seu destino: voar?
Esse “voar”, denotativamente
aplicado ao personagem, obviamente, é metafórico e significa abrir todas as
possibilidades de buscas, conquistas, de vitórias, a que todo ser humano tem
direito. E o PASSARINHO se comporta,
sentimental e emocionalmente, como um humano. E ninguém, seja quem for, tem o
direito de impedir nossos voos.
É óbvio, como
diz, ainda, ADRIANA, que “amar,
proteger e se doar são coisas lindas e complexas. Meninas, meninos, passarinhos
e amores merecem cuidado”. A questão do limite, para não tolher a
felicidade e a realização plena do outro é que está em jogo e é discutido, de
forma profunda, na peça. Sem dúvida
alguma, um texto brilhante! As crianças o entendem de uma forma e os adultos
o veem e sentem de outra.
DUDA MAIA, também no programa da peça,
chama a atenção para o fato de que, para voar, é preciso um par de asas, que
ela não tinha, quando procurada por PABLO
e CAROL. Sentiu, porém, que o livro
de ADRIANA merecia um lindo plano de
voo e ganhar o céu, atirar-se à amplidão. E foi este o seu trabalho inicial:
procurar “cúmplices” para aquele voo arriscado, gente sensível e competente,
que a ajudasse a construir as asas. E os encontrou na medida exata para a concretização
de um lindo e inesquecível voar.
DUDA não suporta a passividade, o parar
no tempo, a estagnação. É uma pessoa superativa
e superlativa. Incomodada, por se sentir
“presa”, parada num mesmo lugar (Eu não sei como é que tal sentimento pode
estar presente em quem acabara de criar uma outra obra-prima, o espetáculo “AUÊ”.), ela pôs a mão na massa e a
peça nasceu, linda e vitoriosa, enchendo, lotando o teatro, nas duas
temporadas; a atual, inclusive, sem patrocínio, contando apenas com a divulgação de boca em boca (Sempre é
bom lembrar que, falar “boca a boca”,
no sentido de divulgação, está
errado), esgotando a lotação das salas de espetáculo por onde passa.
A
música é sempre, quando boa, um
bálsamo para a alma. Uma peça infantil se torna mais atraente, quando é apresentada
em forma de musical ou, simplesmente, com o acréscimo de canções incidentais.
Pensando nisso, um dos “cúmplices” encontrados por DUDA foi o músico e compositor RICCO
VIANA, que criou uma trilha sonora
original, capaz de emocionar, pela sensibilidade posta nas melodias,
preenchidas com o lirismo das letras de ADRIANA
FALCÃO e EDUARDO RIOS, um
talentoso poeta e multimusicista. Essas canções são de fundamental importância para
a peça. RICCO também é o responsável pela direção musical desta montagem.
Creio que vale
a pena reproduzir um trecho do que escreveu EDUARDO RIOS, no programa da peça, que justifica a relevância das
letras das canções que embalam o espetáculo: “Há tantos céus para serem voados
e tantas gaiolas para nos acolher e nos assegurar dos perigos do mundo. Cabe, a
cada um de nós, vislumbrar o que aprisiona e o que liberta”. As letras
das canções nos facilitam nesse sentido.
Dentre
os que ajudaram DUDA MAIA a
construir as asas para esse voo, devo citar alguns:
JOÃO MODÉ contribuiu com um simples,
prático e belíssimo cenário,
composto apenas por um trapézio, representando o “espaço aéreo” do PASSARINHO, um banco e uma pequena caixa, de cerca de um metro quadrado de área, que se transforma numa bela e
criativa gaiola, montada e desconstruída pelos próprios atores, obedecendo a
uma bela sequência coreográfica. Para completar, apenas algumas projeções de
estrelas num “céu”.
FLÁVIO SOUZA deu a sua “mãozinha”,
desenhando um figurino lindo e diferente
do que se poderia esperar. E o resultado é magnífico! O PASSARINHO não tem bico, nem asas; penas, nem pensar. Ou melhor,
tem, mas não concretamente, visivelmente. É apresentado de uma forma mais
aproximada à de um ser humano, assim como a MENINA não é infantilizada, com vestidinhos de babados e lacinhos, nem
com fitinhas na cabeça. Apesar de a personagem ser uma MENINA, ela representa um ser humano, de qualquer idade. Foi muito
feliz, na sua composição, o figurinista.
RENATO MACHADO, que também topou
acrescentar penas às asas, criou uma luz
belíssima, que supervaloriza a plasticidade do espetáculo. Sim, o texto é fundamental, porém,
principalmente, numa peça infantil, ou infanto-juvenil, o visual
tem um grande peso, aqui valorizado pela iluminação
de RENATO. Não sei se antes do texto, ou na mesma proporção, “A GAIOLA” é um espetáculo visual.
Mesmo
que não se lesse, antes, a ficha técnica
da peça, seria possível saber quem assinou a incrível direção de movimento. Qualquer um, que conheça o trabalho de DUDA MAIA, principalmente depois de ter
assistido a “AUÊ”, consegue
identificar a sua marca registrada em cena. Os movimentos executados pelo casal
de atores são lindos e precisos, dando um colorido especial à encenação.
O
espetáculo explora, à exaustão, uma dupla estética, envolvendo texto e corpo,
mensagens literárias e expressividade corporal. Como diz um trecho do “release” da peça, “DUDA MAIA criou uma partitura
coreográfica, que costura toda a encenação, exigindo um intenso trabalho físico
dos atores. O desafio em elaborar uma dramaturgia para agradar o exigente
público mirim resultou em um espetáculo que mistura teatro, dança, música,
canto e contação de história”.
Mas
o belíssimo resultado a que chegou a direção
deve-se, principalmente, ao imenso talento da dupla de atores, os quais desenvolvem,
em cena, uma química que não permite espaço para erros. Tudo é feito dentro da maior perfeição. Além de dois excelentes
atores, ambos conseguem atingir um altíssimo nível de expressividade corporal,
raramente encontrado em outros profissionais. Um completa o outro.
PABLO ÁSCOLI é um homem de estatura e
físico avantajados, um corpo atlético, que, porém, vestindo o personagem PASSARINHO, consegue passar toda a
fragilidade e doçura do personagem, ainda por cima, ferido por uma pedrada,
comovendo e convencendo a plateia. De verdade!!! E demonstra como um animal "irracional" pode amar um ser humano, de uma maneira tão pura... Dá vontade de pegá-lo no colo (NÃO PÔR NUMA GAIOLA!!!) e levá-lo para
casa.
CAROL
FUTURO, ao contrário, é do tipo “mignon”, que alterna, entretanto, em sua
perfeita interpretação, momentos de fragilidade, própria de uma criança, e
atitudes de coragem e proteção, mais afeitas aos adultos. Naturalmente, graças
a muito exercício de dicção, é capaz de dizer um trecho, de seu texto, numa
velocidade incrível, provocando risos e sem que nenhuma palavra deixe de ser
percebida. Suas expressões faciais falam mais que muitas palavras, às vezes, o mesmo
podendo ser aplicado, também, a PABLO, quanto à clareza na emissão das palavras e os gestos máscaras, criadas por seu rosto.
Eles intercalam o texto com a
interpretação, perfeitamente afinados, de seis canções, daquelas que ficam na
nossa mente. Eu saí cantarolando trechos das belas composições.
São dois atores completos, pois, além de interpretar, ora como
narradores, ora em diálogos, dançam e cantam, tudo corretamente, no ponto exato
da perfeição.
Pelo acima
exposto e por tanto mais que eu poderia escrever é que repito que “A GAIOLA” é uma montagem das mais
lindas e cheia de poesia que já vi, em toda a minha vida, no universo do TEATRO INFANTIL, e a melhor deste ano,
motivo mais que suficiente para que eu recomende o espetáculo, com muito
empenho, na certeza de que, embora não seja necessário, os que acederem à minha
recomendação hão de me agradecer e ratificar minha palavras. Espero, também,
que as passem adiante.
Assistam e
sintam o prazer de um belo e inesquecível voo!!!
FICHA TÉCNICA:
Baseado no livro
homônimo de Adriana Falcão
Adaptação e Letras: Adriana Falcão e Eduardo Rios
Direção Geral e de Movimento: Duda Maia
Diretor Assistente: Fábio
Enriquez
Elenco: Carol Futuro e Pablo Áscoli
Direção Musical e Trilha Original: Ricco Viana
Cenário: João Modé
Iluminação: Renato Machado
Figurino: Flávio Souza
Fotografia: Guga Melgar
Produção: Palavra Z Produções Culturais
Direção de Produção: Bruno Mariozz
Produção Executiva:
Gabrielle Silva
Assessoria de Imprensa:
Luciana Duque
SERVIÇO:
Temporada: De 22 de outubro a 20 de novembro de 2016
Local: CCBB RJ – Teatro II
Endereço: Rua Primeiro
de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro
Tel: (21) 3808-2020
Dias e Horários: sábados e domingos, às 16h
Valor do Ingresso: R$20,00 (inteira); R$10,00 – clientes e funcionários do BB,
estudantes e maiores de 60 anos
Funcionamento da Bilheteria: de 4ª feira a 2ª feira, das 9h às 21h
Duração: 50min
Capacidade: 155 lugares
Classificação
indicativa: Livre
Acesso para portadores
de necessidades especiais.
É bom já ir adiantando que, “A
GAIOLA”, cuja atual temporada se
encerra no próximo dia 20 (novembro/2016), estará, em dezembro, cumprindo pauta no CCBB
Belo Horizonte e, em janeiro de 2017,
irá para o palco do CCBB São Paulo.
(FOTOS: GUGA MELGAR.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário