NU
DE
BOTAS
(A INFÂNCIA DE TODOS NÓS.
ou
“HÁ UM MENINO, HÁ UM MOLEQUE,
MORANDO SEMPRE NO MEU CORAÇAO.”
– MÍLTON NASCIMENTO
e FERNANDO BRANT.)
Fico
extremamente aborrecido comigo mesmo, quando não consigo encontrar tempo para
escrever sobre um espetáculo, enquanto ele está em cartaz, principalmente se me
agrada muito. Foi o que ocorreu, por exemplo, com “NU DE BOTAS”, que considero uma das melhores montagens a que
assisti até agora, neste ano teatro de 2016.
É uma pena que
a temporada, no CCBB do Rio de Janeiro,
tenha sido tão curta!!! Queiram os DEUSES
DO TEATRO que o espetáculo possa voltar ao cartaz, porque bem o merece,
assim como merecem ver a peça aqueles que gostam do bom TEATRO e que, por algum motivo, não tiveram tal oportunidade!!!
A
peça é baseada no livro homônimo, que traz relatos da infância do próprio
autor, ANTÔNIO PRATA, que, confesso,
não era muito da minha intimidade literária e pelo qual fiquei apaixonado. Vou
comprar o livro, na primeira oportunidade.
SINOPSE:
A peça reúne algumas das crônicas do livro “NU DE BOTAS”, de ANTÔNIO
PRATA, transformadas, dramaturgicamente, por CRISTINA MOURA e PEDRO
BRÍCIO, os quais levam, para o palco, "materializadas", as primeiras lembranças do personagem
ANTÔNIO, as passagens mais marcantes
da sua infância: aventuras no quintal de casa, os amigos da vila, o divórcio
dos pais, o cometa Halley, os desenhos animados da TV, a primeira paixão, uma
inusitada “viagem” à África, dilemas morais, viagens de carro, histórias e relatos
das lembranças da infância do autor, uma época da vida, repleta de
descobertas e experimentações.
As histórias do menino ANTÔNIO,
que nasceu em São Paulo, no final dos anos 70, são inspiradas em fatos reais,
narradas do ponto de vista da criança, com os filtros da ficção e permeadas de
muito bom humor.
Um olhar infantil, de quem se espanta com o mundo e a ele confere um
sentido muito particular – cômico, misterioso, lírico e encantado.
O
espetáculo consegue reunir diversão e sentimentos, por se tratar de uma peça de
memórias afetivas, das quais muitos se apropriam e com elas se identificam,
abrindo os portões para o seu “menino interior” poder correr pelo gramado.
Dessa forma, o espectador que se propuser a isso sairá no lucro, muito mais do
que os outros.
São
dezessete pequenas histórias, narradas sob a ótica de um único personagem, ANTÔNIO, representado por cinco atores, todos em trabalhos irretocáveis,
que não interpretam a criança de forma imbecilizada, como se costuma ver por aí.
São excelentes profissionais: INEZ VIANA, ISABEL GUÉRON, PEDRO
BRÍCIO, RENATO LINHARES e THIARE MAIA (por ordem alfabética).
Segundo o “release”, CRISTINA MOURA
“apostou
numa encenação simples, com valorização das palavras e das imagens que surgem
das histórias desse jovem e talentoso cronista, explorando, cenicamente, a
comicidade por trás de cada uma das situações vividas pelo narrador. Ao longo
de 75 minutos de espetáculo, deparamo-nos com situações, aparentemente,
cotidianas, entretanto o humor utilizado por PRATA transforma cada uma dessas
situações em narrativas muito especiais, fazendo com que habitemos a infância
de novo, abrindo-nos as portas para um estado de surpresa e maravilhamento”.
Ainda extraídas do “release”, estas palavras de ANTÔNIO
PRATA: “NU, DE BOTAS” (com uma vírgula, no
original) é um livro sobre a minha infância. Eu o
escrevi, não tentando ver a criança que eu fui, através dos olhos do adulto que
eu sou, mas buscando enxergar o mundo, de novo, do jeito que eu o via aos três,
quatro, cinco, seis…”.
Como
assisti ao espetáculo há um mês e não fiz anotações, fica difícil falar, em
detalhes, sobre ele. Assim, procurarei ser breve, porém o mais preciso e
profundo possível nas minhas observações.
Em
primeiro lugar, um aplauso ao trabalho, a quatro mãos, de CRISTINA MOURA e PEDRO BRÍCIO,
pela escolha das crônicas e pela difícil tarefa de transformar o dinamismo de
uma narrativa literária num excelente texto dramático, capaz de prender a atenção
do espectador, da primeira à última cena. Poucas vezes, vi o universo léxico
infantil tão bem assimilado por um público adulto. Tudo feito sem o menor grau
de complicação, nada sofisticado nem distante do mundo lúdico da criança,
embora não seja uma peça infantil. O “perigoso” e o “proibido”, aqui, ganham
tons de “tudo é permitido”, quando o prazer das descobertas fala mais alto. Acho
que é isso que encanta os que já foram crianças, na idade, e encontram, na
peça, a oportunidade de resgatar sensações indeléveis do passado, distante ou mais próximo.
CRISTINA MOURA merece muitos aplausos
pela inventiva direção, que não se
preocupa com cronologias ou sequências lógicas dos fatos, levando a plateia, em
alguns momentos ao saudável exercício de ir além da compreensão da narrativa e buscar
entender quem é quem na história ou, ainda, quando termina um fato e se inicia
outro, contando, evidentemente, com o talento de seu elenco.
O
elenco é um capítulo à parte, no
espetáculo, visto que o personagem
protagonista é um só, mas os atores
protagonistas são vários, cada um deles aproveitando, ao máximo, seus “momentos-solo”, surpreendendo o público,
a cada nova cena. São adultos, representando crianças, porém falando como
adulto, a adultos. Não destaco o trabalho de nenhum dos cinco, pois os nivelo
no mesmo patamar.
O foco maior desta
peça recai sobre o texto; a palavra é a matéria-prima do sucesso da montagem, mais que as expressões
faciais e corporais, que entram no conjunto da interpretação, mas precisaria
ser valorizada pelos atores, em cada fala, com a entonação adequada e a força
expressiva exata. Isso os cinco sabem fazer com muita propriedade, na medida
certa, sem exageros. Todos dialogam, entre si, no que dizem e no que deixam de
dizer. Os silêncios das ações mudas, concomitantes a outras, em evidência, são
um achado da direção, muito bem assimilado pelo talentoso elenco.
Chama
a atenção do espectador, logo que este adentra a sala, o cenário, idealizado por OLÍVIA
FERREIRA e PEDRO GARAVAGLIA (leia-se
RADIOGRÁFICOS). Não é para ser
entendido; é para ser observado e sentido. Um amontoado de elementos, distribuídos
em espaços distintos, não limitados, traduz o caos dentro da cabecinha do
pequeno ANTÔNIO (assim o
decodifiquei), ao mesmo tempo em que mistura as aventuras e memórias,
aproximando todos os momentos daquela infância evocada, enquanto desperta a
curiosidade do espectador, que fica esperando que tal zona do palco e certos
elementos cenográficos sejam utilizados e de que maneira o serão.
TICIANA PASSOS acerta nos figurinos, não infantilizando os
atores, todos adultos, no personagem, criando trajes que não chamam a atenção
do público, creio que para não desviá-lo do foco, que é a palavra, como já foi
dito.
FRANCISO ROCHA, também, na iluminação, procurou ser discreto,
parcimonioso, e marcou um golaço.
DOMENICO LANCELOTTI, na direção musical, contribui para a
harmonia e beleza do espetáculo.
FICHA TÉCNICA:
Baseado na obra de Antônio Prata
Direção, Criação e Idealização: Cristina Moura
Dramaturgia: Cristina Moura e Pedro Brício
Direção, Criação e Idealização: Cristina Moura
Dramaturgia: Cristina Moura e Pedro Brício
Elenco: Inez Viana, Isabel Guéron, Pedro Brício, Renato Linhares e Thiare Maia Amaral
Cenografia e Design Gráfico: Radiográficos (Olívia Ferreira e Pedro
Garavaglia)
Figurinos: Ticiana Passos
Direção Musical: Domenico Lancelotti
Iluminação: Francisco Rocha
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Fotos: Renato Mangolin
Figurinos: Ticiana Passos
Direção Musical: Domenico Lancelotti
Iluminação: Francisco Rocha
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Fotos: Renato Mangolin
Assim
como o menino ANTÔNIO experimentou
sua primeira “epifania”, precocemente, aos três anos de idade, eu deixei o Teatro III, do Centro Cultural Banco do Brasil, na certeza de estar em contato com
uma, mais uma, em minha vida de bem adulto; esta, porém, especial.
"NU DE BOTAS", pelo talento e criatividade de todos os envolvidos no projeto credencia-se a merecer prêmios, em várias categorias.
(FOTOS: MARIA ESTEPHANIA.)