A
VIDA DE
DR.
ANTÔNIO CONTADA POR ELLE MESMO
(TEATRO
QUE AGRADA.
TEATRO
QUE ENCANTA.
TEATRO
COM “T” MAIÚSCULO.)
Se
eu fosse cronista ou comentarista de futebol, jamais empregaria a frase “O futebol é uma caixinha de surpresas.”,
por achá-la, por demais, cafona e lugar-comum, mas, sem ousar repeti-la, tenho
a certeza de que poderíamos trocar o “nobre
esporte bretão” (outra expressão que abomino) por TEATRO.
Há
vezes em que, saio de casa, esperando ver um grande espetáculo, que,
infelizmente, não corresponde à minha expectativa, causando-me tristeza e
frustração. Outras, porém, me deixam num estado tal, de felicidade e euforia,
que me levam a querer assistir à peça, novamente, no dia seguinte.
Foi
essa sensação que me causou “A VIDA DE
DR. ANTÔNIO CONTADA POR ELLE MESMO”, um espetáculo “diferente”, de extrema qualidade, gratuito e popular, no melhor
sentido do vocábulo, em cartaz, até o
dia 29 de maio (2016), no Paço Imperial.
Assisti
ao espetáculo, no último sábado, e não consigo esquecer cada cena, passada em
espaços diferentes do Paço, visto
que se trata de um espetáculo itinerante. São noventa minutos, que passam sem
que nos apercebamos disso, como se fossem nove.
BRENO MOTTA, um dos elaboradores do
projeto, enviou-me o “release” da
peça, do qual extraí grande parte das informações aqui contidas.
O
espetáculo é uma idealização da BÉLICA
CIA, com dramaturgia de FELIPPE VAZ e direção artística de CÉSAR
AUGUSTO, que contou com a codireção
de FABIANO DE FREITAS.
(Página do programa da peça.)
O espetáculo é
uma adaptação do livro “Memórias de um
Rato de Hotel”, creditado ao cronista carioca Paulo Barreto, mais conhecido como João do Rio, considerado um dos melhores observadores nas formas de
se vivenciar a cidade do Rio de Janeiro
do início do século XX.
César e Fabiano.
(Página do programa da peça.)
(Página do programa da peça.)
“Ao
começar a escrever esta peça, fui envolvido pela mesma paixão do autor. Entre
uma página e outra, ia ver o que se passava pelos arredores, ouvir os
burburinhos dos bares, a agitação do centro, as festas na Lapa. Foi assim que
passei a enxergar seu livro com um pouquinho de seus próprios olhos,
aproximando-me desses personagens, que viveram na cidade onde moro. Foi assim
que pude dar vida, no papel, a esta peça, que ganhará agora os palcos. Mas não
somente” – completa o
dramaturgo.
Contei com
uma adaptação base de Renata
Mizrahi, que muito contribuiu para iniciar meu trabalho. Mas foi no corpo
dos atores que os personagens passaram a existir e a palavra ganhou voz. É
através deles, com todas as suas colaborações, que este texto tomou forma e rumo – acrescenta FELIPPE VAZ.
Mas quem foi, afinal, o tal DR. ANTÔNIO? Ele foi um célebre ladrão,
que ficou famoso, por seus roubos inteligentes, em diversos hotéis, onde se
hospedava com identidades diferentes. Seu verdadeiro nome era ARTHUR ANTUNES MACIEL, gaúcho, de
família respeitável, levado ao crime, por não resistir à vida fácil e ao amor
das mulheres. Suas histórias são dotadas de muita esperteza. É um relato de
extrema sinceridade, narrado por ele mesmo, quando estava preso na Casa de
Correção, um ano antes de sua morte, aos 43 anos. Um “ladrão de casaca”!
O espetáculo
se norteia por dois pilares, sendo o primeiro de cunho histórico e cultural,
uma vez que a peça é baseada no livro “Memórias
de um Rato de Hotel”, de JOÃO DO RIO,
escrito no início do século XX, época da reforma urbana, na cidade, conduzida
pelo prefeito Pereira Passos.
O objetivo é
apresentar a montagem num espaço que esteja intimamente relacionado à história
do Rio de Janeiro e aos anos em que a trama se passa. O trabalho da BÉLICA CIA se caracteriza por manter
sempre presente a ideia do coletivo e do indivíduo; e, através da ocupação e da
interação com a arquitetura do espaço, a proposta é não ter apenas uma peça
teatral, mas uma experiência cênica, em que os espectadores estejam incluídos.
E, dentro da
premissa de ocupação do espaço urbano, trazer este público para o Paço Imperial, no centro do Rio, torná-lo parte ativa deste
ambiente, através de um espetáculo absolutamente popular e, ao mesmo tempo,
repleto de informações sociais, políticas, econômicas e históricas. Para que o
espetáculo fosse itinerante, solicitou-se o uso da Sala dos Archeiros, do Pátio
e do entorno do Paço Imperial, área
de efervescência turística, com grande fluxo de visitantes.
Com linguagem
popular e um espírito cômico, que permeia a trama, o espetáculo se comunica,
diretamente, com a plateia carioca, que busca entretenimento, aliado à
experimentação, independente de classes sociais e faixa etária. Além disso, o texto da peça é um retrato do Rio antigo.
(Página do programa da peça.)
Bem,
depois de me apropriar de um dos mais completos “releases” que me chegaram às mãos até hoje, passo a discorrer
sobre o espetáculo.
(Página do programa da peça.)
Embora
não tenha lido o livro, ainda que já tenha começado a me interessar por ele,
cuja possibilidade de acesso me parece muito remota, considero ótimo o texto de FELIPPE VAZ, por ser de fácil assimilação por qualquer tipo e
público – atento ao que é dito, é óbvio –, sem cair no popularesco, tanto nas
partes narrativas quanto nos diálogos, aliás muito bem estruturados.
Sempre
apreciei o trabalho de CÉSAR AGUSTO,
como ator, e, nos últimos tempos, passei a admirá-lo, mais ainda, por suas direções. Recentemente, não me cansei
de elogiar seu trabalho, à frente da direção de “A Tropa”, peça que reputo das melhores deste ano, até agora, de
qualidade equiparável à que está servindo de motivo para esta crítica. Isso sem
falar em “Mãe”, que dirigiu, a
quatro mãos, com Álamo Facó, uma
obra-prima, e, no ano passado, “A
Próxima Parada”.
Aqui,
CÉSAR, dividiu a direção com FABIANO DE FREITAS (codireção), e abusou do direito de ser criativo e desafiador.
Contando com a cessão do espaço do Paço
Imperial, uma grande generosidade do IPHAN,
dessa forma, contribuindo para a cultura, que deveria ser, sempre, a
vocação daquele Instituo, o diretor, de forma
magistral, soube explorar cada espaço que estava a seu dispor e construiu uma
sequência de cenas de forma tão criativa e genial, atribuindo, à montagem, pelo
caráter itinerante, e quase interativo, um dinamismo incrível.
Conhecedor dos
espaços daquele local, por ter visto, ali, grandes e inesquecíveis exposições,
jamais poderia passar pela minha cabeça que a inteligência, a sensibilidade e o
bom gosto de um diretor de TEATRO pudesse utilizar aquelas área de
forma tão plena, tão linda, tão inteligente. O Paço tornou-se funcional, para a montagem deste grandioso
espetáculo.
Além
disso, a direção trabalhou, durante
muito tempo, com o elenco, até que
conseguissem fazer um trabalho que nos faz regredir ao início do século
passado, tudo com muita verdade, sensibilidade, alegria, seriedade e, acima de
tudo, muitíssimo prazer.
Quem
poderia imaginar que alguém pensasse em utilizar dois músicos, em ação, o tempo
todo, sublinhando e pontuando as cenas? A resposta poderia vir na forma de
outra pergunta: E o que há de excepcional nisso? E uma complementação: Tantos
diretores já o fizeram... E eu replico, com uma nova indagação, capaz
de derrubar qualquer contra-argumento: Mas os instrumentos eram dois trombones de
vara? Sim, senhores, dois excelentes músicos, EVERSON MORAES e JONAS
HOCHERMAN e seus instrumentos, executando variações de músicas e ritmos,
ainda contribuindo para a criação de sons que dão destaque a algumas cenas,
tudo sob a ótima direção musical, cena sonora e música original de MURILO
O’REILLY. Excelente ideia! Excelente trabalho!
BIA JUNQUEIRA, que tantos trabalhos
excelentes já fez, inclusive com muito destaque na temporada de 2015, quando ganhou
vários prêmios, aqui, assina a mais que competente direção de arte e instalação,
que ganha destaque na cena final, em que o ladrão é confinado numa prisão, e lá
vai a óbito.
Os
figurinos, de ANTÔNIO GUEDES, são uma atração à parte, por sua simplicidade e, ao
mesmo tempo, de grande significado. Todos os personagens apresentam figurinos parecidos, quase uniformes,
até porque o DR. ANTÔNIO é
representado por vários dos homens. Solução simples, para distinguir os
personagens do que seria o povo, ou uma espécie de coro, foi utilizar máscaras de “clowns’ (ou “clóvis” ou
bate-bolas), deixando de rosto à mostra o ator que, no momento, representa o
protagonista. O crédito é para a direção,
neste caso.
Quem é quem?
Como
deve ser difícil projetar um desenho de
luz, que seja bonito e funcione, dentro de um espaço público, tombado pelo Patrimônio Histórico, sem causar danos
à construção! Pois GENILSON BARBOSA
conseguiu essa façanha e idealizou uma bela luz para o espetáculo.
O
visagismo, a cargo de MÁRCIO MELLO, põe em cena figuras e um
visual muito interessantes.
A
preparação corporal é de suma
importância, nesta montagem, já que os atores são muito exigidos, fisicamente,
e fazem movimentos que os deixam extenuados. E o mérito é de LU BRITES, DANI CAVANELLAS e DANILO
MORAES.
Par
o final destes comentários, resta falar do elenco
da peça. Nota-se, da primeira à última cena, um grande empenho de todos, muita
versatilidade e talento. Eu não saberia destacar nenhum nome, porque o texto e a direção possibilitam a todos a oportunidade de destaque, nesta ou
naquela cena, e não se nota diferença na qualidade das atuações. Não conhecia o
trabalho da maioria, entretanto já me tornei admirador de todos, sem exceção.
Pela ordem alfabética, ANDRÉ ROSA, BRENO MOTTA, DANI CAVANELLAS, DANILO
MOARES, FELIPE FRAZÃO, FLÁVIA COUTINHO, RÔMULO CHINDELAR, SARAH
LESSA e VICTOR ALBUQUERQUE. A
todos, o meu agradecimento, pelo prazer que me proporcionaram naquela noite.
O
espetáculo pode oferecer uma decodificação muito voltada para o momento
presente, apesar de o texto
ultrapassar um século. É crítico, e isso se vê, principalmente, de maneira explícita, inquestionável
e fantástica, na última fala do protagonista, quando está encarcerado e
questiona o sistema carcerário daquela época:
ANTÔNIO: É preciso ser bom na detenção. É
preciso ser humilde, ser doce, estar sempre de acordo com qualquer um que
cheire a autoridade. Se não, é pior. Eles te mandam pra solitária, ou pro Raio.
É preciso ser bom na detenção. E, no entanto, é aqui que os homens se tornam
feras. Se matou, irá querer matar mais; se roubou, mais ainda roubará. É
preciso ser bom na detenção. Todos são maus. São maus porque é impossível
deixar de ser. Contra a fúria, a fúria. Contra a violência. Quem entra aqui
jovem e sai velho perde o amor à vida, fica incontrolável. Quantas tentativas
de assassinatos não têm acontecido aqui dentro? Nos prendendo assim, o
que eles pretendem? Corrigir? Emendar? Fazer com que não roube mais? A
sociedade é muito ingênua.
Que tal?
Concordam? Mudou alguma coisa, com relação aos dias de hoje?
Recomendo, com o maior empenho, este
espetáculo e estou tentando encontrar um “furo de pauta”, na agenda, para poder
revê-lo.
SERVIÇO:
Temporada:
De 1º de abril até 29 de maio (2016).
Local:
Paço Imperial.
Endereço:
Praça Quinze de Novembro, 48 – Centro – Rio de Janeiro.
Telefone
do Espaço: (21) 2220-2991.
Dias
e Horários: 6ªs feiras e sábados, às 19h30min; aos domingos, às 18h30min.
INGRESSOS
GRATUITOS, COM SENHAS DISTRIBUÍDAS UMA HORA ANTES DO ESPETÁCULO.
Classificação
Etária: 16 anos.
Duração:
90 minutos
Antônio(s) anônimos.
(FOTOS: ELISA MENDES.)
Com Felipe Frazão (Foto: Marisa Sá.)
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