terça-feira, 10 de maio de 2016


A VIDA DE

DR. ANTÔNIO CONTADA POR ELLE MESMO

 

 

 

(TEATRO QUE AGRADA.

TEATRO QUE ENCANTA.

TEATRO COM “T” MAIÚSCULO.)





 

 

            Se eu fosse cronista ou comentarista de futebol, jamais empregaria a frase “O futebol é uma caixinha de surpresas.”, por achá-la, por demais, cafona e lugar-comum, mas, sem ousar repeti-la, tenho a certeza de que poderíamos trocar o “nobre esporte bretão” (outra expressão que abomino) por TEATRO.

 

            Há vezes em que, saio de casa, esperando ver um grande espetáculo, que, infelizmente, não corresponde à minha expectativa, causando-me tristeza e frustração. Outras, porém, me deixam num estado tal, de felicidade e euforia, que me levam a querer assistir à peça, novamente, no dia seguinte.

 

            Foi essa sensação que me causou “A VIDA DE DR. ANTÔNIO CONTADA POR ELLE MESMO”, um espetáculo “diferente”, de extrema qualidade, gratuito e popular, no melhor sentido do vocábulo, em cartaz, até o dia 29 de maio (2016), no Paço Imperial.




  

 

            Assisti ao espetáculo, no último sábado, e não consigo esquecer cada cena, passada em espaços diferentes do Paço, visto que se trata de um espetáculo itinerante. São noventa minutos, que passam sem que nos apercebamos disso, como se fossem nove.

 

            BRENO MOTTA, um dos elaboradores do projeto, enviou-me o “release” da peça, do qual extraí grande parte das informações aqui contidas.

 

            O espetáculo é uma idealização da BÉLICA CIA, com dramaturgia de FELIPPE VAZ e direção artística de CÉSAR AUGUSTO, que contou com a codireção de FABIANO DE FREITAS.

 

 

 


(Página do programa da peça.)

 

 

O espetáculo é uma adaptação do livro “Memórias de um Rato de Hotel”, creditado ao cronista carioca Paulo Barreto, mais conhecido como João do Rio, considerado um dos melhores observadores nas formas de se vivenciar a cidade do Rio de Janeiro do início do século XX.

 

 

 


César e Fabiano.

(Página do programa da peça.)

 

 

 


(Página do programa da peça.)

 

 

“Ao começar a escrever esta peça, fui envolvido pela mesma paixão do autor. Entre uma página e outra, ia ver o que se passava pelos arredores, ouvir os burburinhos dos bares, a agitação do centro, as festas na Lapa. Foi assim que passei a enxergar seu livro com um pouquinho de seus próprios olhos, aproximando-me desses personagens, que viveram na cidade onde moro. Foi assim que pude dar vida, no papel, a esta peça, que ganhará agora os palcos. Mas não somente” – completa o dramaturgo.

 

Contei com uma adaptação base de Renata Mizrahi, que muito contribuiu para iniciar meu trabalho. Mas foi no corpo dos atores que os personagens passaram a existir e a palavra ganhou voz. É através deles, com todas as suas colaborações, que este texto tomou forma e rumo – acrescenta FELIPPE VAZ.


            Mas quem foi, afinal, o tal DR. ANTÔNIO? Ele foi um célebre ladrão, que ficou famoso, por seus roubos inteligentes, em diversos hotéis, onde se hospedava com identidades diferentes. Seu verdadeiro nome era ARTHUR ANTUNES MACIEL, gaúcho, de família respeitável, levado ao crime, por não resistir à vida fácil e ao amor das mulheres. Suas histórias são dotadas de muita esperteza. É um relato de extrema sinceridade, narrado por ele mesmo, quando estava preso na Casa de Correção, um ano antes de sua morte, aos 43 anos. Um “ladrão de casaca”!

 

 


 

 

O espetáculo se norteia por dois pilares, sendo o primeiro de cunho histórico e cultural, uma vez que a peça é baseada no livro “Memórias de um Rato de Hotel”, de JOÃO DO RIO, escrito no início do século XX, época da reforma urbana, na cidade, conduzida pelo prefeito Pereira Passos.

 

O objetivo é apresentar a montagem num espaço que esteja intimamente relacionado à história do Rio de Janeiro e aos anos em que a trama se passa. O trabalho da BÉLICA CIA se caracteriza por manter sempre presente a ideia do coletivo e do indivíduo; e, através da ocupação e da interação com a arquitetura do espaço, a proposta é não ter apenas uma peça teatral, mas uma experiência cênica, em que os espectadores estejam incluídos.

 

E, dentro da premissa de ocupação do espaço urbano, trazer este público para o Paço Imperial, no centro do Rio, torná-lo parte ativa deste ambiente, através de um espetáculo absolutamente popular e, ao mesmo tempo, repleto de informações sociais, políticas, econômicas e históricas. Para que o espetáculo fosse itinerante, solicitou-se o uso da Sala dos Archeiros, do Pátio e do entorno do Paço Imperial, área de efervescência turística, com grande fluxo de visitantes.

 

Com linguagem popular e um espírito cômico, que permeia a trama, o espetáculo se comunica, diretamente, com a plateia carioca, que busca entretenimento, aliado à experimentação, independente de classes sociais e faixa etária. Além disso, o texto da peça é um retrato do Rio antigo.

 

 

 


(Página do programa da peça.)

 


 

            Bem, depois de me apropriar de um dos mais completos “releases” que me chegaram às mãos até hoje, passo a discorrer sobre o espetáculo.



 


(Página do programa da peça.)

 

 


            Embora não tenha lido o livro, ainda que já tenha começado a me interessar por ele, cuja possibilidade de acesso me parece muito remota, considero ótimo o texto de FELIPPE VAZ, por ser de fácil assimilação por qualquer tipo e público – atento ao que é dito, é óbvio –, sem cair no popularesco, tanto nas partes narrativas quanto nos diálogos, aliás muito bem estruturados.

 

            Sempre apreciei o trabalho de CÉSAR AGUSTO, como ator, e, nos últimos tempos, passei a admirá-lo, mais ainda, por suas direções. Recentemente, não me cansei de elogiar seu trabalho, à frente da direção de “A Tropa”, peça que reputo das melhores deste ano, até agora, de qualidade equiparável à que está servindo de motivo para esta crítica. Isso sem falar em “Mãe”, que dirigiu, a quatro mãos, com Álamo Facó, uma obra-prima, e, no ano passado, “A Próxima Parada”.

 

 


 

 

            Aqui, CÉSAR, dividiu a direção com FABIANO DE FREITAS (codireção), e abusou do direito de ser criativo e desafiador. Contando com a cessão do espaço do Paço Imperial, uma grande generosidade do IPHAN, dessa forma, contribuindo para a cultura, que deveria ser, sempre, a vocação daquele Instituo, o diretor, de forma magistral, soube explorar cada espaço que estava a seu dispor e construiu uma sequência de cenas de forma tão criativa e genial, atribuindo, à montagem, pelo caráter itinerante, e quase interativo, um dinamismo incrível.

            Conhecedor dos espaços daquele local, por ter visto, ali, grandes e inesquecíveis exposições, jamais poderia passar pela minha cabeça que a inteligência, a sensibilidade e o bom gosto de um diretor de TEATRO pudesse utilizar aquelas área de forma tão plena, tão linda, tão inteligente. O Paço tornou-se funcional, para a montagem deste grandioso espetáculo.

 

            Além disso, a direção trabalhou, durante muito tempo, com o elenco, até que conseguissem fazer um trabalho que nos faz regredir ao início do século passado, tudo com muita verdade, sensibilidade, alegria, seriedade e, acima de tudo, muitíssimo prazer.

 

            Quem poderia imaginar que alguém pensasse em utilizar dois músicos, em ação, o tempo todo, sublinhando e pontuando as cenas? A resposta poderia vir na forma de outra pergunta: E o que há de excepcional nisso? E uma complementação: Tantos diretores já o fizeram... E eu replico, com uma nova indagação, capaz de derrubar qualquer contra-argumento: Mas os instrumentos eram dois trombones de vara? Sim, senhores, dois excelentes músicos, EVERSON MORAES e JONAS HOCHERMAN e seus instrumentos, executando variações de músicas e ritmos, ainda contribuindo para a criação de sons que dão destaque a algumas cenas, tudo sob a ótima direção musical, cena sonora e música original de MURILO O’REILLY. Excelente ideia! Excelente trabalho!

 

            BIA JUNQUEIRA, que tantos trabalhos excelentes já fez, inclusive com muito destaque na temporada de 2015, quando ganhou vários prêmios, aqui, assina a mais que competente direção de arte e instalação, que ganha destaque na cena final, em que o ladrão é confinado numa prisão, e lá vai a óbito.

 

            Os figurinos, de ANTÔNIO GUEDES, são uma atração à parte, por sua simplicidade e, ao mesmo tempo, de grande significado. Todos os personagens apresentam figurinos parecidos, quase uniformes, até porque o DR. ANTÔNIO é representado por vários dos homens. Solução simples, para distinguir os personagens do que seria o povo, ou uma espécie de coro, foi utilizar máscaras de “clowns’ (ou “clóvis” ou bate-bolas), deixando de rosto à mostra o ator que, no momento, representa o protagonista. O crédito é para a direção, neste caso.

 

 


Quem é quem?

 

 

            Como deve ser difícil projetar um desenho de luz, que seja bonito e funcione, dentro de um espaço público, tombado pelo Patrimônio Histórico, sem causar danos à construção! Pois GENILSON BARBOSA conseguiu essa façanha e idealizou uma bela luz para o espetáculo.

 

            O visagismo, a cargo de MÁRCIO MELLO, põe em cena figuras e um visual muito interessantes.

 

            A preparação corporal é de suma importância, nesta montagem, já que os atores são muito exigidos, fisicamente, e fazem movimentos que os deixam extenuados. E o mérito é de LU BRITES, DANI CAVANELLAS e DANILO MORAES.

 

            Par o final destes comentários, resta falar do elenco da peça. Nota-se, da primeira à última cena, um grande empenho de todos, muita versatilidade e talento. Eu não saberia destacar nenhum nome, porque o texto e a direção possibilitam a todos a oportunidade de destaque, nesta ou naquela cena, e não se nota diferença na qualidade das atuações. Não conhecia o trabalho da maioria, entretanto já me tornei admirador de todos, sem exceção. Pela ordem alfabética, ANDRÉ ROSA, BRENO MOTTA, DANI CAVANELLAS, DANILO MOARES, FELIPE FRAZÃO, FLÁVIA COUTINHO, RÔMULO CHINDELAR, SARAH LESSA e VICTOR ALBUQUERQUE. A todos, o meu agradecimento, pelo prazer que me proporcionaram naquela noite.

 

 

 


 

 

 

            O espetáculo pode oferecer uma decodificação muito voltada para o momento presente, apesar de o texto ultrapassar um século. É crítico, e isso se vê, principalmente, de maneira explícita, inquestionável e fantástica, na última fala do protagonista, quando está encarcerado e questiona o sistema carcerário daquela época:

 

ANTÔNIO: É preciso ser bom na detenção. É preciso ser humilde, ser doce, estar sempre de acordo com qualquer um que cheire a autoridade. Se não, é pior. Eles te mandam pra solitária, ou pro Raio.  É preciso ser bom na detenção. E, no entanto, é aqui que os homens se tornam feras. Se matou, irá querer matar mais; se roubou, mais ainda roubará. É preciso ser bom na detenção. Todos são maus. São maus porque é impossível deixar de ser. Contra a fúria, a fúria. Contra a violência. Quem entra aqui jovem e sai velho perde o amor à vida, fica incontrolável. Quantas tentativas de assassinatos não têm acontecido aqui dentro?  Nos prendendo assim, o que eles pretendem? Corrigir? Emendar? Fazer com que não roube mais? A sociedade é muito ingênua.

 

 

Que tal? Concordam? Mudou alguma coisa, com relação aos dias de hoje?

 

           

Recomendo, com o maior empenho, este espetáculo e estou tentando encontrar um “furo de pauta”, na agenda, para poder revê-lo.

 

 

 


 

 

 

 

 
SERVIÇO:
 
Temporada: De 1º de abril até 29 de maio (2016).
Local: Paço Imperial.
Endereço: Praça Quinze de Novembro, 48 – Centro – Rio de Janeiro.
Telefone do Espaço: (21) 2220-2991.
Dias e Horários: 6ªs feiras e sábados, às 19h30min; aos domingos, às 18h30min.
 
INGRESSOS GRATUITOS, COM SENHAS DISTRIBUÍDAS UMA HORA ANTES DO ESPETÁCULO.
 
Classificação Etária: 16 anos.
Duração: 90 minutos
 

 

 

 

 

Antônio(s) anônimos.

 

 

 

(FOTOS: ELISA MENDES.)

 

 

 

 

 


Com Felipe Frazão (Foto: Marisa Sá.)

 

 

 

 

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