ANTI-NELSON
RODRIGUES
(AUTODEBOCHE
EM GRANDE ESTILO.)
O
Rio de Janeiro tem de agradecer muito ao GRUPO
TAPA, na pessoa de EDUARDO TOLENTINO
DE ARAÚJO, um de seus fundadores, sempre que eles nos visitam, com uma nova
montagem teatral, jamais de qualidade duvidosa. Ao contrário, são todas muito
boas, algumas excelentes, como é o caso da que está encerrando temporada no Teatro de Arena da Caixa Cultural (VER
SERVIÇO.): “ANTI-NELSON RODRIGUES”.
Apesar
de ter surgido na PUC do Rio de Janeiro, como um grupo de teatro amador (Teatro Amador Produções Artísticas – TAPA),
em 1974, cinco anos depois, tornou-se profissional e, em 1986, se transferiu
para São Paulo. A partir daí, os cariocas ficamos sempre na expectativa de uma
das visitas do deles à nossa cidade.
Um
dos melhores grupos teatrais do Brasil, com reconhecimento no exterior, o TAPA tem como marca
registrada um teatro de repertório, com a montagem de autores clássicos, como Skakespeare, Bernard Shaw, Anton Tchékhov,
August Strindberg, Oscar Wilde e Luigi Pirandello, além dos expoentes brasileiros, tais como Arthur Azevedo, Nelson Rodrigues e Jorge
Andrade.
Com
quatro décadas de bons serviços prestados ao TEATRO BRASILEIRO, o GRUPO
TAPA já recebeu mais de 80 prêmios, entre Shell, Mambembe,
Molière, APCA, Qualidade Brasil e Governador do Estado.
O
espetáculo em tela, “ANTI-NELSON
RODRIGUES”, penúltima obra de NELSON
RODRIGUES (1912-1980), escrita em 1973, chega ao Rio, depois de uma
vitoriosa temporada em São Paulo, sucesso de crítica e de público. Tem direção de EDUARDO TOLENTINO DE ARAÚJO, e traz, no elenco, nomes de atores que atuam mais nos palcos do que em outras
mídias: AUGUSTO ZACCHI, CAROL
CASHIE, CLARA CARVALHO, CESAR BACCAN, EDUARDO SEMERJIAN, OSWALDO MENDES e PENHA PIETRA’S.
SINOPSE:
A peça conta a história de
OSWALDINHO (AUGUSTO ZACCHI), um
jovem rico e mimado pela mãe, TEREZA
(CLARA CARVALHO), e desprezado pelo pai, GASTÃO (EDUARDO SEMERJIAN).
Inescrupuloso, ladrão e
mulherengo, torna-se dono de uma das fábricas do pai e decide conquistar uma
funcionária recém-contratada, a jovem e incorruptível JOICE (CAROL CASHIE).
Acostumado a ter tudo o
que quer, OSWALDINHO tenta “comprar”
JOICE, que, por sua vez, sonha com
um amor verdadeiro. desde menina. e não se deixa levar pelo dinheiro.
Fazem parte, ainda, da
trama LELECO (CÉSAR BACCAN), amigo
de infância de OSWALDINHO, SALIM SIMÃO (OSWALDO MENDES), pai de JOICE, e HELENICE (PENHA PIETRA’S), empregada de SALIM.
A peça, encomendada ao dramaturgo,
pela atriz Neila Tavares, que, há
muito, pedia a NELSON que lhe
dedicasse um texto original (há oito anos, não apresentava uma peça nova ao
público), foi encenada, pela primeira vez, em 1974, com
direção de Paulo Cesar Pereio.
Trata-se de um sumário das melhores e mais saborosas situações rodriguianas.
Entre humor e o drama, as personagens transitam, à deriva, em busca de amor e
redenção.
É
marca registrada de NELSON RODRIGUES
tocar fundo na ferida da sociedade e rir dela, o quanto sua capacidade crítica
e ácida lhe permite, entretanto, lembra-nos TOLENTINO, nesta peça, o “Anjo
Pornográfico”, título da ótima biografia de NELSON RODRIGUES, escrita por Ruy
Castro, o dramaturgo “ampliou sua
descrença e seu desencanto – um sentimento algo semelhante ao que temos hoje,
diante do mundo em que vivemos, e resolveu debochar de si
próprio”, inclusive, acrescento, dando vida física a personagens
virtuais, que ele criara na imprensa.
Abrindo o peito às pedradas, continuo
firme no meu pensamento de não considerar NELSON
um gênio, como é visto pela maioria dos que têm ligações mais íntimas com o TEATRO. Serei sempre repetitivo, ao
falar dele, dizendo que o cronista está, anos-luz, à frente do dramaturgo, na
minha modesta e humilde avaliação, entretanto, de suas dezessete peças
escritas, publicadas e montadas, “ANTI-NELSON RODRIGUES” é uma das
poucas que me agradam e me levam, com prazer, ao teatro, sendo pouco conhecida
do grande público. E, quando a montagem
é merecedora de elogios, não os poupo, como é o presente caso.
Tive a oportunidade de assistir a
três montagens profissionais deste título. A primeira foi em 1974, no Rio de Janeiro, já citada, com direção de Paulo César Pereio. No elenco, além de Neila Tavares, o próprio Pereio,
José Wilker, Iara Jati, Carlos Gregório
e Nélson Dantas. Essa montagem foi
um grande sucesso de público e de bilheteria, na época, porém pouca lembrança
tenho dela.
A
segunda foi no ano passado, no Centro Cultural
Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro, uma excelente montagem, com
direção de Bruce Gomlevski, elenco
formado por Tonico Pereira, Joaquim Lopes, Juliana Teixeira, Yasmin
Gomlevski, Rogério Freitas, Carla Cristina e Gustavo Damasceno.
Já
começo gostando do texto pr causa do
seu título, curioso e criativo, o que, de certa forma, é uma maneira de atrair
o público e, resume bem o enredo, uma vez que termina no que se pode chamar de
um “happy end”, ao invés de acabar sempre em desgraça, “pra baixo”, como seria
de se esperar nas obras de NELSON.
De
forma alguma, analisarei esta montagem em termos comparativos com a citada,
dois parágrafos acima, pois, além de não ser esse o meu propósito, são dois
excelentes trabalhos, desenvolvidos em diferentes propostas.
Sobre
o texto, o espectador que entra no
teatro sem saber que a peça foi escrita por NELSON (só mesmo muito desavisado), já, nas primeiras falas,
reconhece-o. Está lá ele, com seu vocabulário, suas gírias, suas construções
sintáticas próprias, tudo muito marca registrada do autor. Aqui, ele acresenta
o detalhe da metalinguagem, fazendo
referência a outros seus personagens, de outras peças, ou criados, no exercício
do jornalismo; e até a si mesmo. Assim, no texto, há personagens dizendo: “Espera
lá! Não é o SALIM SIMÃO botafoguense, o personagem de Nelson Rodrigues?[
...] Eu pensava que era assim como o
Sobrenatural de Almeida, o Gravatinha, a Grã-Fina das Narinas de Cadáver... / Olha que, segundo o NELSON RODRIGUES, eu sou
um extrovertido ululante”. É um detalhe bastante divertido e que muito
me agrada. Ainda o texto nos oferece a oportunidade de uma reflexão sobre o
comportamento familiar, a partir de assédios, ameaças, ciúmes e exercício do
poder.
A direção, de EDUARDO TOLENTINO, explorou, com
profundidade, o caráter, reto ou torto, de cada personagem, mais torto que
reto, iluminando as idiossincrasias de cada um, demonstrando-as de uma forma
puxada para o farsesco, com ligeiros toques de exageros nas tintas, em algumas
cenas, o que não deve ser visto como ponto negativo nesta montagem. Ao
contrário, atribui-lhe uma marca pessoal. Gosto da ideia de ter todos os atores
em cena, ou melhor, nos limites cênicos, mesmo que fora das ações. Creio que
isso confere ao espetáculo um tom bastante intimista, entre eles e a plateia,
durante o tempo todo de duração da peça, o que é reforçado pelo formato da
montagem, em arena, atores e público muito próximos. Não sei como foi o
resultado em São Paulo, onde o espetáculo foi montado num palco italiano, se
não me equivoco, mas no Rio, funciona muitíssimo bem.
O elenco do espetáculo tem um
rendimento excelente e homogêneo, com alguns destaques.
Meu primeiro foco mais concentrado
vai para AUGUSTO ZACCHA, que
interpreta OSWALDINHO,
um dos notáveis cafajestes (Ou não?)
criados por NELSON. Jovem, bonito,
rico, além de muito sedutor, inescrupuloso e extremamente mulherengo. Mimado e
adorado pela mãe e desprezado pelo pai, não sem motivos, já que este havia
construído um império, cujo desmoronamento previa, após a sua morte, em função
do caráter e do comportamento do filho. Ainda acumula o rótulo de ladrão, já
que, logo na primeira cena, é surpreendido pela mãe, na tentativa de roubar-lhe
as joias. Torna-se, por intercessão
dela, presidente de uma das fábricas do
pai e se apaixona por uma funcionária recém-contratada, a jovem e incorruptível
JOICE (Até que página?).
Pouco presente nos palcos cariocas, lembro-me de um bom recente trabalho
de ZACCHA, em “Chuva Constante”, do qual guardei boas recordações. Melhores ainda
trouxe do seu OSWALDINHO.
Augusto Zaccha.
Oswaldinho.
O segundo vai para EDUARDO SEMERJIAN, na pele de GASTÃO, o pai, um milionário, um “chefe
de família” (Que família?!), para
quem esta não faz muito sentido, já que não consegue estabelecer uma sintonia
familiar com a esposa e o filho. É fora de casa que ele procura o prazer, um
sentido para viver, mais voltado para os valores materiais que para os
interiores, os morais.
O personagem, que nem é tão forte, na trama, perto de outros, como pode
parecer, ganha uma importância maior, graças à excelente interpretação de SEMERJIAN, um veterano dos palcos.
Eduardo Semerjian.
Mais um destaque vai para a jovem
atriz CAROL CASHIE, como JOICE. Não me lembro de tê-la visto num
palco, anteriormente (provavelmente, não esteja exercitando a memória como
deveria), mas testemunhei, em cena, uma grande demonstração de segurança e
competência.
Sua JOICE foi muito bem
construída, correspondendo bastante à personagem escrita por NELSON, uma jovem “de família”,
religiosa, extremamente correta e honesta, sonhadora, apaixonada, que espera
por um amor, desde menina, e não se deixa levar pelo dinheiro. Isso tudo ela
interpreta “como manda o figurino”
(homenagem a NELSON), até que um “figurinista” novo entra em ação e desconstrói
o modelito, o que era vestido pela moça, até então.
Carol Cashie, em grande cena.
O trabalho de OSWALDO MENDES também me agradou bastante. O personagem que
interpreta é um jornalista aposentado, pai de JOICE, e se confunde, no pensamento e no comportamento, com o
próprio NELSON, já em final de
carreira. Não sei se seria um exagero
dizer que se trata do alterego do escritor.
Incorruptível, até a página 2 (Ou
10?).
Penso que CLARA CARVALHO teria como conceder à personagem TEREZA um pouco mais de protagonismo,
embora a personagem não seja protagonista, na peça, um pouco mais de realce,
muito embora seu trabalho não deixe aberturas para comentários desabonadores.
Atua com uma certa parcimônia, mas deixa registrada a sua vasta experiência de
palco, de atriz tantas vezes premiada. O que mais me chamou a atenção, em seu
trabalho, é sua postura e movimentação em cena, não fosse ele bailarina de
formação, tendo feito parte do Corpo de
Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Pode ser considerada “móveis e utensílios” (Outra homenagem a NELSON),
dentro do Grupo TAPA, já que faz
parte dele há anos, tendo participado de muitas das mais marcantes montagens do
Grupo.
TEREZA é uma mulher infeliz
no casamento, porém esperta o suficiente para mantê-lo, sob a aparência de uma
união perfeita, para poder viver as benesses da riqueza que o marido lhe
proporciona, e disso não faz segredo. Seu relacionamento com o filho deixa bem
claro que existe, latente e indisfarçadamente, um tom incestuoso entre os dois,
que está presente em outras obras do autor, muito mais por parte dela, fogosa e
sedutora. Apesar de reconhecer as falhas de caráter de OSWALDINHO, tenta protegê-lo, de todas as formas, do pai. A
personalidade forte só é posta em prática quando o embate é com GASTÃO, o marido; com o filho,
mostra-se frágil e submissa.
Relacionamento mãe/filho (Zuccha e Clara).
Como é bom o LELECO, de CÉSAR BACCAN!
O ator é responsável por bons momentos de humor, no espetáculo. O personagem
funciona como um “escudeiro” e espécie de “apagador de incêndios”, provocados
pelo amigo de infância, OSWALDINHO.
A postura de submissão, ante o poderoso “chefão”, é suficiente para o ator
demonstrar seu bom potencial de interpretação.
“The
last, but not the least”, temos PENHA
PIETRA’S, como HELENICE, a
empregada da família da casa de OSWALDINHO
(Seria ele mesmo o dono da casa?). Pela estruturação do texto, a personagem
é apenas uma mera coadjuvante, porém, falando ou em seus silêncios, a atriz
sabe como ocupar o espaço cênico. Uma personagem coadjuvante, num elenco de
bons atores, também consegue demonstrar seu talento. Coadjuvante é a personagem, não a atriz.
São bastante interessantes a cenografia,
de MARCELA DONATO, não realista,
formada, basicamente, por cadeiras, alguns pequenos móveis e espelhos, os figurinos, da mesma MARCELA, de acordo com a época da
narrativa, bem como funciona bem a iluminação, de NÉLSON FERREIRA, e a trilha
sonora, de EDUADRO TOLENTINO DE
ARAÚJO, com destaque para a utilização do clássico tango “À Meia Luz” (A Media Luz), sucesso na voz de Carlos Gardel.
Um dos grandes trunfos da peça é
seu final surpreendente.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: Eduardo Tolentino de Araújo
Elenco: Augusto Zacchi (Oswaldinho), Carol Cashie (Joice), Clara
Carvalho (Tereza, mãe de Oswaldinho), César
Baccan (Leleco, amigo de Oswaldinho), Eduardo
Semerjian (Gastão, pai de Oswaldinho),
Oswaldo Mendes (Salim Simão,
pai de Joice) e Penha Pietra’s (Helenice,
empregada de Salim)
Figurinos e Cenário: Marcela Donato
Iluminação: Nélson Ferreira
Trilha Sonora: Eduardo Tolentino de Araújo
Fotos: Ronaldo
Gutierrez
Produção Geral: César Baccan
Patrocínio: Caixa
Cultural
Realização: Grupo TAPA
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
ESTÁ AÍ UM “NELSON
RODRIGUES” QUE ME REPRESENTA!
SERVIÇO:
Temporada: De 18 de fevereiro a 13 de março.
Local: Teatro de Arena da Caixa Cultural – Av. Almirante Barroso, 25 – Centro (próximo à estação
Carioca do metrô) – Rio de Janeiro.
Tel:
(21) 3980-3815.
Dias e Horários: De 5ª feira a domingo, sempre às 19h.
DURAÇÃO: 90 minutos.
GÊNERO: Comédia.
Valor
do Ingresso: R$20,00 e R$10,00 (meia-entrada).
Capacidade: 226 espectadores (sendo 4 lugares para
cadeirantes). Acesso a portadores de necessidades especiais).
Classificação
Etária: 14 anos.
(FOTOS: RONALDO GUTIERREZ)
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