A
NOIVA
DO
CONDUTOR
(DIGNA
E MERECIDA HOMENAGEM.
UMA
CELEBRAÇÃO!!!)
Somente gênios
conseguem viver apenas 26 anos e deixar, de legado, para a cultura de um país,
um material tão volumoso e de excelente qualidade. NOEL ROSA (1910 / 1937) foi
um desses gênios.
Além de cerca
de trezentas canções, a maioria sucessos até hoje, gravadas e regravadas pelos
maiores nomes da MPB, NOEL também trabalhou, como contratado
da extinta Rádio Clube do Brasil, em
1935, com a incumbência de ser o responsável pela discoteca da emissora,
escrever esquetes humorísticos (Conversas
de Esquina), textos publicitários, além de adaptações e paródias de óperas
famosas, prática muito comum nas rádios do Rio de Janeiro, naquela época.
A ideia das operetas radiofônicas consistia em se escolher
uma música de um compositor conhecido e colocar, nela, uma nova letra, em
português, que tratasse de assuntos do cotidiano ou da política da época. Foi o caso, por exemplo, de “O Barbeiro de Niterói”, calcada em “O Barbeiro de Sevilha”. Diferente das demais paródias operísticas,
“A NOIVA DO CONDUTOR”, tem enredo e
músicas originais, escritos por NOEL
ROSA e ARNOLD GLUCKMANN.
SINOPSE:
A opereta conta a história
de um condutor de bondes, JOAQUIM,
interpretado por MARCELO NOGUEIRA,
que se faz passar por um bem-sucedido advogado, “com escritório num arranha-céu
da Avenida Central, com uma bela vista para a cidade”, a fim de conquistar o
coração de sua amada, HELENA, IZABELLA BICALHO.
A história segue com a
oposição da família da moça, representada pelo pai, o DR. HENRIQUE, personagem de RODRIGO
FAGUNDES, ao referido namoro e as peripécias de JOAQUIM, para conseguir o seu objetivo: casar com sua amada.
O severo pai da moça,
desconfiado da sinceridade do rapaz, resolve visitá-lo, no tal “escritório”,
porém, no dia em que resolve fazê-lo, na companhia da filha, embarcam num bonde
e veem JOAQUIM em pleno exercício de
sua verdadeira profissão: condutor.
Foi aí que “a casa
caiu”!!!
Um misto de sentimentos
envolve a cena: tristeza, descrença e decepção, por parte da mocinha; raiva,
humilhação e desgosto, “justificáveis”, da parte do pai; e aflição, consternação
e desespero, do rapaz, ao ser desmascarado.
Apesar de ser
uma peça bastante divertida, ingênua até, leve e romântica, no enredo,
brasileiríssima, em seu formato, com bastantes pitadas de humor, ou, até, por
causa disso, podem ser notadas, claramente, críticas contundentes aos valores
morais dos personagens, representantes da sociedade carioca, revelando o apego
ao dinheiro e ao “status” social, a maior valorização do “ter” sobre o “ser”, o
material prevalecendo sobre os demais valores, a importância dada às
“aparências”. Com humor e fina ironia, características fundamentais de toda a
sua obra, encontradas, à farta, nas letras de suas canções, NOEL criou uma opereta tipicamente
carioca, em que os valores mudam a todo instante, de acordo com a conveniência
do momento. A pessoa “vale quanto pesa”; ou melhor, vale, mais ou menos, de
acordo com o dinheiro que tem, a fortuna acumulada, não importando, inclusive,
de que maneira ele tenha sido construída ou conquistada.
Rodrigo Fagundes, Marcelo Nogueira e Izabella
Bicalho.
Idem.
Além de tudo
isso, podemos considerar a obra bastante atual, pois, nela, já são constatados
problemas e temas que estão presentes no cotidiano hodierno, tais como
diferenças e injustiças sociais, preconceitos, conflitos de gerações,
hipocrisia...
Concluída
no início de 1936, infelizmente, a opereta não chegou a ir ao ar e permaneceu
desconhecida, do grande público, por aproximadamente 50 anos, até que, em 1985,
Marília Pêra e Grande Otelo, numa bela iniciativa, gravaram a obra num LP (Sugiro consultas na Internet).
Capa do LP.
A atual
montagem do espetáculo comemora, portanto, duas datas importantes: os 80 anos
de sua composição e os 30 anos da
célebre gravação de Marília e Otelo. Isso sem falar que, estamos
comemorando 450 anos de fundação da
cidade do Rio de Janeiro, e ninguém
melhor que NOEL ROSA para
representar e traduzir o espírito carioca. É merecedora de grande louvor,
portanto, a oportuna iniciativa de MARCELO
NOGUEIRA e DJALMA THÜRLER, que
nos proporcionam o contato com esta obra, quase inédita e de relevado valor
histórico.
MARCELO,
que foi aluno de DJALMA, durante sua
formação, como ator, na Escola de Teatro
Martins Pena, anos depois de formado, num contato com o trabalho do antigo
professor, na Universidade da Bahia,
em Salvador, onde, atualmente, DJALMA
desenvolve seu trabalho didático-profissional, encantou-se com a experiência
que vivenciou naquela viagem e convidou o mestre para se associar ao projeto.
A ideia de montar a opereta na sua
versão original foi logo abandonada, uma vez que o seu tempo de duração
ultrapassava, talvez, pouco mais de trinta minutos, o que seria impraticável,
em se tratando de uma montagem teatral. Então, surgiu a brilhante ideia de
mesclar o texto original, a íntegra da história, com cenas que homenageassem e exaltassem
NOEL e sua importantíssima obra,
além da utilização de algumas de suas canções, tudo inserido no contexto da
obra. O emprego da metalinguagem, no espetáculo, fez com que ele atingisse um
tempo de duração excelente, suficiente para os dois objetivos: apresentar uma
opereta e homenagear um de seus autores, dos mais importantes para a Música Popular Brasileira.
O que é “extra
opereta” é de excelente qualidade, uma vez que foram selecionadas algumas
das mais representativas canções de NOEL
e criados pequenos textos sobre detalhes de sua curta, porém profícua, passagem
nesta vida. Ficou ótima, por exemplo, a inclusão de um poema
erótico-pornográfico, recitado por MARCELO
NOGUEIRA (não por JOAQUIM) e a
utilização das canções, para costurar as cenas, mantendo-se, perfeitamente, a
unidade do espetáculo. Isso é muito importante num musical, para que não fique
evidente o ato de se interromper um texto, uma cena, para a inserção, sem pé
nem cabeça, de uma canção. Aqui, tudo
está no seu devido lugar, à hora certa.
Da boca do trio de atores, muito bem reforçado por ROBERTO BAHAL, que também colabora nos
vocais, podemos ouvir variados ritmos musicais, desde suaves toadas e valsas, até
o calor da rumba, passando pela embolada, a marcha, com predominância para o
samba, gênero do qual NOEL “foi
educado”, vindo a se tornar “bacharel”, o “Poeta da Vila”.
Sobre
o texto, não há muito mais a falar. Passemos,
então, aos comentários acerca dos demais elementos que contribuem para esta
ótima montagem:
1) Direção – Djalma Thürler – Competente. Talvez seu maior mérito
tenha sido não complicar o que, por natureza, já é bem simples. Assim, notamos,
em cena, aquilo que me foi confidenciado por MARCELO NOGUEIRA: o diretor deixou os atores bem livres, à vontade,
para entrar e sair do personagem, sem estabelecer os tradicionais clichês para
essa prática. O resultado disso é excelente. Permite aos espectadores um
salutar exercício de tentar descobrir se “Agora,
é o personagem ou é o ator?”. Muito bom isso!!!
Também aplaudo sua capacidade de
dirigir atores, de modo a gerar uma boa cumplicidade com a plateia, a começar pela
ideia de colocar MARCELO NOGUEIRA e RODRIGO FAGUNDES, já caracterizados, ainda fora do teatro, convidando o público a
embarcar numa “viagem”. Descontrai e aproxima palco e plateia. Funciona muito bem!
2) Elenco –
MARCELO NOGUEIRA (JOAQUIM), IZABELLA BICALHO (HELENA), RODRIGO FAGUNDES (DR.
HENRIQUE) e ROBERTO BAHAL (em participação especial, como PAI DE JOAQUIM). Ótimo amálgama!
Elenco (da esquerda para a direita): Rodrigo Fagundes,
Marcelo Nogueira, Izabella Bicalho e Roberto Bahal.
MARCELO, além de bom ator, domina a técnica vocal, já que
também tem formação na área. É estudioso, dedicado ao seu ofício, o que lhe
rende excelentes atuações em musicais, como a mais recente, quando idealizou e
protagonizou o espetáculo “Agnaldo Rayol
– a Alma do Brasil”, numa interpretação inesquecível, irretocável, digna de
todos os elogios.
Mas o foco, no momento, é sobre o personagem JOAQUIM, que MARCELO interpreta com maestria, tanto nos momentos em que
prevalece a dramaturgia quanto nos números musicais. É detentor de uma
bela e possante voz e de muita sensibilidade para o canto.
Marcelo Nogueira.
IZABELLA, com longa
experiência em musicais, só faz ratificar seu talento incomensurável, que a
coloca no rol das melhores “cantrizes” do TEATRO MUSICAL BRASILEIRO.
Além de nos brindar com suas perfeitas interpretações musicais, ainda se
destaca como atriz, numa perfeita simbiose com MARCELO, principalmente, e com RODRIGO
FAGUNDES.
RODRIGO, para mim, e, creio,
para todos os espectadores, certamente, é a grande surpresa deste espetáculo. Seu talento, como ator cômico, é
inquestionável, tantas vezes demonstrado na TV e nos palcos, que é o que nos
interessa. Quando soube que fazia parte do elenco, fiquei curioso para vê-lo
cantando. Dúvida cruel: RODRIGO
canta? Reúne condições para aguentar uma opereta? E a resposta é dada no palco: sim. Canta e está habilitado a fazer
uma opereta.
O
ator confessou que aceitara o papel, porém temeroso, uma vez que tinha medo de
não corresponder às expectativas da direção,
quanto ao quesito canto. Com muita dedicação e contando com o excelente
trabalho de GLÓRIA CALVENTE, responsável
pelos arranjos e pela direção musical, RODRIGO se empenhou, e mergulhou de cabeça, em aprender a cantar,
num trabalho de voz que o levou a um resultado bastante satisfatório, para uma
primeira experiência. Incentivo o querido ator a investir no canto. Já
demonstrou que leva jeito para a coisa. É só continuar treinando e estudando
mais. Na parte dramática, está
excelente, inclusive com seus “cacos”, precisos e muito engraçados.
ROBERTO BAHAL é um excelente músico,
que, aqui, contribui, esporadicamente, como ator, dando conta do recado. Seu
forte mesmo é o piano, embora também se apresente como violonista, maestro,
compositor e arranjador.
3) Fazem parte da pequena banda
que acompanha os atores, além do piano
de ROBERTO BAHAL, ANDREY CRUZ, nos sopros, e NÍLTON VILELA,
na percussão, fazendo um som muito
agradável aos ouvidos e interagindo com os atores e a plateia.
4) Cenário - JOSÉ DIAS projetou um cenografia que prima pela simplicidade
e praticidade, deixando bastante liberdade, no palco, para o deslocamento dos
atores. Utiliza poucos recursos cênicos, apenas o suficiente para servir de
base à ação dos atores, como cadeiras, que se transformam em pequenas escadas; mesas
de bar; e uma cortina, tipo persiana, no fundo, tomando todo o palco. Para
ilustrar a cena em que uma canção alude às chamadas festas juninas, é utilizado
um cordão, com bandeirinhas coloridas. Mas a grande sensação da cenografia é um bondinho de brinquedo,
de controle remoto, circulando por um trilho, que toma toda a borda do palco,
movimentando-se num vai e vem constante. O brinquedo foi importado e precisou
de três profissionais para fazê-lo mover-se em cena. E o resultado é bastante interessante.
5) Figurino - Mais uma vez, rendo elogios aos ótimos figurinos da sempre competente CAROL LOBATO. São simples e funcionais,
inseridos na proposta do espetáculo.
6) Iluminação - AURÉLIO DE SIMONI é outro que abusa da
simplicidade na peça, criando uma luz
que, longe de qualquer sofisticação, serve a cada cena de forma sóbria,
descomplicada e adequada.
7) Direção de
Movimento - A boa direção de movimento leva a assinatura
de DUDA MAIA, uma das melhores profissionais
do ramo, a julgar por alguns memoráveis trabalhos recentemente. Este só faz
engrossar a sua lista de sucessos.
8) Direção
Musical e Arranjos - Muito
competentes a direção musical e os arranjos, de GLÓRIA CALVENTE, em sua primeira assinatura oficial nesta área. Começou com o pé direito.
FICHA TÉCNICA:
Texto e Músicas: Noel Rosa e Arnold Gluckmann
Direção: Djalma Thürler
Elenco: Izabella Bicalho, Marcelo Nogueira e Rodrigo Fagundes - Participação
especial, como Pai do Condutor, Roberto Bahal
Direção Musical e Arranjos: Glória Calvente
Músicos: Roberto Bahal (piano e violão), Andrey Cruz (sopros) e Nílton
Vilela (percussão)
Cenário: José Dias
Iluminação: Aurélio de Simoni
Figurinos: Carol Lobato
Preparação Vocal: Glória Calvente
Realização: Arte Mestra Produções
Direção
de Produção e Idealização: Marcelo Nogueira
Produção
Executiva: Lúdico Produções
Assessoria
de Imprensa: Duetto Comunicação
Helena e Joaquim.
SERVIÇO:
Local: Centro Cultural dos Correios
Endereço: Rua Visconde de Itaboraí, 20 – Centro – RJ
Telefone: 2253-1580
Temporada: Até 13 de dezembro
Dias e Horários: De quinta-feira a domingo, sempre às 19h
Duração: 1h20min
Classificação: 12 anos
Gênero: Musical
Lotação: 200 lugares
Valor do Ingresso: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia-entrada)
O espetáculo é uma múltipla celebração!!! A NOEL ROSA, ao Rio de Janeiro,
à música e ao TEATRO MUSICAL BRASILEIRO.
Acima de tudo,
é uma celebração à vida!!! E isso é
mais do que motivo suficiente para se ir ao teatro.
(FOTOS: JANDERSON PIRES)
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