terça-feira, 21 de abril de 2015


MEU SABA

 

 

 

(UM LINDO E COMOVENTE TRIBUTO DE UMA NETA A UM AVÔ!)

 

 

 

 

 


 

 

 

Como não sou muito versado em cultura judaica, embora a considere linda, rica, e muito a respeite, confesso, na minha profunda ignorância, que parti para o Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, ou, para simplificar, Teatro Sérgio Porto, na noite do último sábado, dia 18, pensando em assistir a um espetáculo cuja ação se passasse durante um “shabat”, nome dado ao dia de descanso semanal, no judaísmo, simbolizando o sétimo dia, em Gênesis, após os seis dias de Criação.  Julguei, nas minhas quase trevas com relação ao universo judaico, que se tratasse de uma forma “aportuguesada” daquele substantivo.  Ledo e, ao mesmo tempo, agradabilíssimo engano!  “SABA”, para quem não sabe, significa “AVÔ”.

A história tem a duração de trinta segundos, que se multiplicam, por meio de vários “flash-backs”, atingindo 60 minutos de um belo e comovente espetáculo, que pode ser resumido em “um lindo e comovente tributo de uma neta a um avô”.

A peça, que conta com mais uma ótima direção de DANIEL HERZ, é um monólogo, livremente inspirado no livro “EM NOME DA DOR E DA ESPERANÇA”, de NOA BEN-ARTZI PELOSSOF, neta do ex-primeiro-ministro de Israel YITZHAK RABIN.

A atriz CLARISSA KAHANE, aos 17 anos, teve contato com a obra, por ela se apaixonou, surgindo, logo, a ideia de adaptá-la para o palco.  NOA escreveu sobre a sua relação com o avô, assassinado em 1995.  Passados dez anos da leitura do livro, CLARISSA decidiu, então, em parceria com o produtor MIGUEL COLKER, concretizar o seu projeto, contando com a consultoria dramatúrgica de EVELYN DISITZER.

 

 

 


Clarissa Kahane.  (Ou Noa?)

 

 

 

Como pode um espetáculo teatral ter a duração de apenas 30 segundos?  Na verdade, a história se desenvolve em dois tempos: o cronológico e o psicológico.  Cronologicamente falando, a ação transcorre nos trinta segundos de preparo da jovem NOA, para fazer um discurso em homenagem ao avô, na cerimônia de seu sepultamento, às vistas do mundo e, no local, das maiores personalidades da política internacional.  Fora escolhida, pela família, para tão honrosa e dolorosa missão. Insegura, em “flash-backs”, ela revive emoções, em um jogo narrativo, que mistura as lembranças da infância, marcada pela tragédia e resgatada pelo amor de sua família, o medo constante, o impacto caótico da guerra, o ódio de fora e também de dentro do país.  NOA fala sobre o assassino de seu avô e os extremistas que nutrem a violência.

YITZHAK RABIN, então primeiro-ministro do Estado de Israel, recebera, um ano antes de ser assassinado, por um extremista israelense, um compatriota, contrário ao movimento pacifista, defendido por RABIN, o Prêmio Nobel da Paz, dividido com Yassar Arafat, por seus feitos nos acordos de paz entre o Estado de Israel e a Palestina.

No livro, escrito um ano após a morte do “saba”, NOA relembra seu nascimento, sua infância na casa do avô e suas conversas, a luta pela paz e as crises existenciais de uma adolescente em meio à guerra.

 

 

 


Insegurança diante de uma missão.

 

 

Saí do espetáculo muito “mexido” por dentro, diante de uma interpretação tão expressiva e comovente, como a de CLARISSA KAHANE, um jovem talento de atriz.  De início, senti-a um pouco insegura – a atriz, não a personagem, já que a insegurança desta existe mesmo, diante daquela missão.  Acredito que tal fato deva ter ocorrido por conta da presença de pessoas de sua família, quero crer, que ocupavam a primeira fila.  Entretanto, com menos de dez minutos de representação, o que vi foi uma atriz segura e completamente entregue à paixão que a personagem lhe causara, desde a primeira leitura do livro.  Foi um enorme prazer ter-me deixado envolver pela bela interpretação da jovem atriz.

 

 

 


Um rosto por trás dos tijolos.

 

 

 

Acredito que grande parte do meu envolvimento emocional com a peça se deva ao fato de eu não ter tido a presença de um avô, durante toda a minha vida, uma vez que, quando meus pais se casaram, ambos já eram órfãos paternos.  É uma tristeza que levarei comigo ao túmulo.  Se me fosse dada a oportunidade de fazer um único pedido a Deus, talvez este fosse que eu pudesse voltar à minha infância e lá, de uma forma mágica, pudesse encontrar o vovô Joaquim e o vovô Álvaro, a quem amo, sem nunca ter conhecido, talvez com a mesma força com que NOA amou RABIN.  Gostaria de conhecer o outro lado desse relacionamento, já que a minha porção avô é muito feliz, no convívio, quase diário, com as minhas duas maiores paixões: Tomás e Joaquim.

DANIEL HERZ, competente em tudo o que faz, em total harmonia com o belíssimo e instigante trabalho de cenografia, de BIA JUNQUEIRA, optou por dividir a encenação em dois momentos distintos: o do trajeto de um ponto qualquer em que NOA se encontrava, nas imediações do local da cerimônia fúnebre do avô, até o lugar exato em que faria sua alocução, e a narrativa de suas memórias.  Para percorrer o caminho que a levaria ao púlpito, onde estava fixo um microfone, representado, genialmente, por uma metralhadora, a atriz dá um ou dois passos e para, deslocando-se sobre uma passarela, montada sobre tijolos, peças que também se espalham por todo o espaço cênico, formando interessantes blocos e simbolizando fragmentos utilizados na construção daquela belíssima relação avô/neta.

A cada parada, a personagem se dirige à plateia, deslocando-se por todo o espaço cênico, contando passagens e fatos marcantes na vida dela com o avô, assim como relembra alguns dos pensamentos do “saba”.  Depois, retorna ao local em que interrompera sua caminhada em direção ao palanque.

Essa passarela não é contínua; há um espaço, de cerca de um metro, entre as duas partes.  Para conseguir passar de uma a outra, NOA precisa colocar, com as próprias mãos, três tijolos, sobre os quais pode pisar a atingir a outra parte.  Dentro do contexto, essa metáfora cênica constitui-se num grande achado por parte da direção.

 

 

 


Transpor o hiato de um caminho, até atingir o objetivo.

 

 

Ainda sobre o magnífico cenário, que desperta a atenção do espectador ao primeiro contato com ele, deve ser dito que é supervalorizado pela impressionante iluminação, de AURÉLIO DI SIMONI, que, além de todas as propostas de mudanças de luz, que marcam detalhes da peça, como, por exemplo, a cada vez que se fazia ouvir um tiro, a luz mudava para o vermelho, com a duração de nem um segundo, gerando um grande impacto, com o auxílio de uma boa sonoplastia, ainda colocou uma luz, que não consegui decifrar bem de onde vinha, dentro dos espaços vazados dos tijolos, provocando uma plasticidade belíssima.  Não me lembro de ter assistido a um espetáculo teatral que comportasse tantas mudanças de luz, o que gera mérito, também, a quem a opera, cujo nome não aparece na ficha técnica, mas a quem quero prestar uma homenagem, pela competência profissional.  Um erro do operador de luz pode comprometer, em muito, o desenrolar e a beleza da peça.

Gostei bastante da postura que CLARISSA assume, cada vez que fala pelo “saba”.  Sempre que tem de reproduzir conselhos ou outras coisas que seu avô lhe dizia, além de uma sutil mudança de voz, a atriz curva-se um pouco e gesticula, de forma marcante, com o braço esquerdo.  Fica convencionada a marca da presença do “saba” em cena.  

O figurino é de ANTÔNIO GUEDES.  Um bom trabalho, misturando elementos dos anos 90, relativos aos trajes das mulheres israelenses da época, com algumas pitadas de modernidade.

Como não poderia ser de outra forma, a plateia é formada, em sua grande maioria, por representantes da colônia judaica, para os quais, talvez, a mensagem da peça possa passar como uma merecida homenagem a um grande líder pacifista judeu, entretanto o que eu vi em cena, mais do que qualquer outra coisa, foi algo muito mais importante.  O que me bateu bem fundo na alma, e fica, para mim, em primeiríssimo plano, é a profunda relação de amor mútuo entre um avô e uma neta.

 

Recomendo, sem pestanejar, este espetáculo.  

 

 

 


Falta pouco para o cumprimento da missão.

 

 

 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Direção: Daniel Herz 
Elenco: Clarissa Kahane 
Autoria: Noa Ben Artzi-Pelossof 
Adaptação: Clarissa Kahane, Daniel Herz e Evelyn Dizitzer 
Direção de Produção: Miguel Colker 
Consultoria Dramatúrgica: Evelyn Disitzer 
Diretor Assistente: Wendell Bendelack
Assistente de Direção: Carol Santarone 
Iluminação: Aurélio Di Simoni 
Cenografia: Bia Junqueira 
Figurino: Antônio Guedes 
Música: Antônio Saraiva 
Direção de Movimento: Duda Maia
Assistente de Cenografia: Zoé Martin-Gousset 
Assistente de Figurino: Adriana Lessa 
Design: Luisa Henke 
Fotos: Pedro Fulgêncio – Frito Studio
Comunicação: Rodrigo Schuwenk
Programação Visual: João Suprani e Ana Seno
Produção: Henrique Botkay 
Coordenação de Produção: Agatha Santos
Produção Executiva: Rodrigo Wodraschka 
Coprodução: Albert Saadia
Assistente de administração: Marcelo Bento 
Produção Geral: Araucária
Idealização: Clarissa Kahane e Miguel Colker
 

 

 

 

 
SERVIÇO:
 
Local: Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto (Rua Humaitá, 163 - Rio de Janeiro)
Temporada: de 17 de abril a 30 de maio
Dias e horários: sextas-feiras e sábados, às 21h; domingos, às 20h.
Capacidade: 130 lugares
Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia)
Classificação indicativa: 12 anos
Duração: 60 minutos.
 

 

 

 

 

 

(FOTOS: PEDRO FULGÊNCIO – FRITO STUDIO)

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