CONTRA
O VENTO
(UM MUSICAOS)
(CAMINHANDO A FAVOR DO VENTO,
COM LENÇO E COM DOCUMENTO.)
Fazia tempo,
eu esperava, e TODOS NÓS MERECÍAMOS,
um bom filme ou uma ótima peça de TEATRO
sobre o inesquecível SOLAR DA FOSSA,
um dos ícones da resistência ao golpe de 64 e aos horrores dos porões da
ditadura militar, a qual fez este país retroceder décadas.
Graças à iniciativa
e ao talento de FELIPE VIDAL, de DANIELA PEREIRA DE CARVALHO e de um
grupo de pessoas, as quais se empenharam, integralmente, num projeto, esse meu/nosso
sonho foi concretizado.
Assisti à
estreia do espetáculo teatral (musical) CONTRA
O VENTO (UM MUSICAOS), no Teatro I
do CCBB, que fica em cartaz até o
dia 31 de maio.
É imperdível!
Para quem já tem 65 anos, como eu, e viveu, intensamente, aqueles anos 60 e 70,
como para os mais jovens, que precisam saber dessa importantíssima referência
na nossa história e cultura.
Para
escrever estes comentários, apoio-me, muito, no excelente “release”, enviado
pela assessoria de imprensa (JSPontes
Comunicação), por meio dos eficientíssimos João Pontes e Stella Stephany.
A peça fala
sobre o Movimento Tropicalista,
através da história do SOLAR DA FOSSA,
lendária pensão, que funcionava num casarão do final do século XVIII, situado
em Botafogo, onde, hoje, fica o Shopping Rio Sul, e que abrigou nomes
fundamentais da arte e do pensamento, ainda não ilustres naquela época, que
surgiam nos anos 60, como Caetano
Veloso, Gal Costa, Tim Maia, Paulo Leminski, Aderbal
Freire-Filho, Magro (MPB 4), José Carlos Capinan, Zé Kéti, Paulinho da Viola, Guarabyra,
Naná Vasconcelos, Maria Gladys, Cláudio Marzo, Betty Faria,
Ruy Castro, Tânia Scher, David Tygel,
Paulo Diniz, Fernando Pamplona, Nelson
Ângelo, Ricardo Vilas, Luis Carlos Sá, Rogério Duarte, Antônio Pedro,
Cristovam Buarque, Sueli Costa, dentre outros.
Elenco.
A
plateia embarca numa viagem no tempo e relembra alguns dos momentos mais
criativos das artes e do pensamento na (ex-)Cidade Maravilhosa do século
passado: o Movimento Tropicalista,
ou a Tropicália. Revive os dias de efervescência cultural do SOLAR.
O musical é um
projeto do coletivo de artistas COMPLEXO
DUPLO.
Reúne 21
canções, das quais 13 são originais, todas excelentes, compostas, especialmente
para o espetáculo, por LUCIANO MOREIRA
e FELIPE VIDAL.
O projeto foi
contemplado pelo edital de Fomento da Secretaria Municipal de Cultura – RJ e
está inserido nas comemorações oficiais dos 450 anos da cidade do Rio de
Janeiro, o que considero uma brilhante iniciativa, de quem quer que seja.
Na verdade, o
casarão abrigava o Pensionato Santa Terezinha, ligado à Igreja de Santa Terezinha,
até hoje ao lado do “shopping” (E quem há de querer medir força com a Igreja?! O SOLAR
foi ao chão, mas a igreja não.).
Ganhou seu
“nome artístico”, quando recebeu, como um de seus hóspedes, o carnavalesco Fernando Pamplona, em plena “fossa”, logo após uma sofrida
separação – “fossa” era o nome que
se dava, naqueles dias (acho que até hoje), a um estado de espírito depressivo,
fosse ele de origem romântica ou existencial.
O “SOLAR”, como seus hóspedes, visitantes
e simpatizantes gostavam de chamá-lo, foi uma incubadora de artistas e
episódios memoráveis. Foi dentro de seus
apartamentos que Caetano Veloso
compôs a emblemática “Alegria, Alegria”,
além de homenagear a casa, junto com Gilberto
Gil, na letra de “Panis et Circenses”,
um dos clássicos do Movimento
Tropicalista (“Mandei plantar folhas de sonhos no jardim do Solar”).
Também foi lá
que Paulinho da Viola compôs a
belíssima “Sinal Fechado”, que, na
peça, recebeu um arranjo digno de todos os elogios, de MARCELO ALONSO NEVES.
Foi, ainda, no
território da FOSSA que o trio Sá, Rodrix e Guarabyra se formou.
Sem falar que,
numa bela noite de lua, Caetano, Toquinho e Abel Silva, violão em punho, fizeram uma serenata, embaixo da
janela da atriz Ítala Nandi,
considerada, então, uma das mais bonitas moradoras e musa do cinema nacional.
Isso só para
citar alguns eventos marcantes ocorridos no SOLAR.
Todo dia era dia de festa.
SINOPSE:
A peça conta a história de um diário (fictício), que teria sido
encontrado na demolição do SOLAR DA FOSSA.
Esse diário tem, presas à sua capa, somente as páginas do início, em
1967, e do final, em 1969, pois todo o conteúdo do meio está espalhado por
entre páginas soltas e desordenadas.
Por isso as histórias da peça não seguem uma ordem cronológica, e o
espetáculo pode acontecer, a cada dia, em uma ordem diferente.
Para decidir essa ordem, haverá uma votação, feita pelo público, no
início de cada apresentação.
Relax cultural.
Tanto as
histórias contidas no diário quanto os personagens são ficcionais, e inspirados
e criados a partir de fusões de personagens reais.
No início do
espetáculo, dois atores apresentam o diário e mostram, para a plateia, que suas
páginas internas foram organizadas por alguém - talvez pela própria dona - em
três blocos: PANIS ET CIRCENCIS, SINAL FECHADO e TRÊS DA MADRUGADA.
É proposta uma
eleição, com a participação do público, para decidir em que ordem esses blocos
serão apresentados. A cada espetáculo, a
ordem poderá mudar, fazendo com que a história seja contada de forma diferente
a cada dia, detalhe bastante interessante.
Isso, em nada, trará prejuízo à encenação, por se tratarem de seções
estanques, costuradas num todo. No dia
da estreia, a ordem escolhida foi a apresentada acima.
A música, em sua maioria, originalmente
composta por LUCIANO MOREIRA e FELIPE VIDAL, é executada, ao vivo,
pelos próprios atores, que cantam e tocam os instrumentos (acordeon, afoxé,
agogô, baixo, banjo, bateria, caixa, caxexê, cazu, chocalho, clarineta, flauta,
gaita, guitarra, pandeiro, pandeirola, piano, reco-reco, caixa de fósforo, surdo,
tamborim, triângulo, trompete, violão, violino, violoncelo). Essa tendência vem ocorrendo, com muita frequência,
nos últimos tempos, e realça o talento do artista brasileiro. Ultimamente, para atuar num musical, não
basta, apenas, interpretar, cantar e dançar.
O executar qualquer instrumento musical agregou um valor especial a este
tão querido gênero teatral.
As demais canções
da trilha sonora têm inspiração nos estilos musicais dos anos 60, em geral, e
no Tropicalismo, em especial, e são
inseridas e executadas como numa grande celebração coletiva, seguindo o
espírito da época, libertário e aparentemente “caótico”.
O período foi
marcado pela explosão da energia criativa em todas as áreas, especialmente na
música, e a palavra de ordem era romper com regras e modelos vigentes, numa
clara oposição à estreiteza e à opressão impostas pela ditadura militar.
A ideia de falar
do SOLAR, associando-o a um dos mais
tenebrosos momentos políticos vividos pelos brasileiros, o nefasto golpe
militar de 64, é genial e foi muito bem desenvolvida por DANIELA e, magistralmente, dirigida por FELIPE. Sem falar na garra e
competência com que atores e atrizes contam as histórias.
O cenário, da vitoriosa AURORA DOS CAMPOS dialoga com a obra “Tropicália”, instalação “penetrável”
de Hélio Oiticica (1937-1980),
criada em 1967 (os chamados ”penetráveis” têm como pré-requisito a incursão do
visitante, ou seja, os ambientes só funcionam com a presença do espectador). Apresenta bastantes detalhes, característica
marcante no trabalho de AURORA, e
constitui uma atração à parte na peça. O
espectador pode sair pesquisando, com os olhos, e há de encontrar detalhes
incríveis na cenografia.
A estética dos
figurinos, de FLÁVIO SOUZA e RAQUEL THEO,
também remete à época, resgatando atmosfera do final da década de 60 e início
de 70. São coloridos, folgados,
permitindo conforto aos atores e que estes se movimentem com facilidade em
cena.
Sarau.
Não é um
espetáculo que comporte destaques pessoais, já que se trata de um excelente
trabalho de criação coletiva, entretanto julgo justo pôr em relevo:
1) A
utilização abundante de projeções de imagens da época, dentre as quais destaco
cenas da peça O Rei da Vela, célebre
montagem do Grupo Oficina (Viva José
Celso!) e do filme Terra em Transe
(Salve Glauber!).
2) Em diversos
momentos, o suposto diário fica em evidência, sob um foco de luz, no proscênio,
como a chamar a atenção do espectador para a essência do espetáculo.
3) Os relatos,
com detalhes, sobre as torturas sofridas pelos que eram capturados pelos gorilas
da ditadura, principalmente no segundo bloco, emocionam, sobremaneira, o
espectador.
4) A canção
que encerra o 1º ato, TEMA DE ANA,
se não me equivoco, é de uma beleza ímpar.
Comovente! Também a que inicia o
2º é muito tocante.
5) A atuação
de JEFFERSON ALMEIDA é excelente e
marcante, num personagem ousado, para os padrões morais da época, mas que, nos
limites daquele território, podia ser o que realmente era, respeitado e
querido, acima de tudo.
6) A beleza e
a força cênica de JÚLIA BERNAT, a
despeito de seu porte “mignon” é outro detalhe que fica marcado, na retina do
espectador. Ela cresce em cena. Seu sorriso, o frescor de sua representação e
a naturalidade como o faz são dignos de muitos aplausos.
7) Todo o
elenco se comporta de forma bastante satisfatória, cada um sabendo tirar
proveito das oportunidades que o texto lhe oferece, de destaque em cena,
principalmente ADASSA MARTINS, CLARISSE ZARVOS, JULIE WEIN, LAURA BECKER
e LEONARDO CORAJO.
7) A
utilização de um cartaz, do filme Deus e
o Diabo na Terra do Sol, de Glauber
Rocha, afixado no cenário, num dado momento, por um dos personagens, foi
uma ótima lembrança da direção/cenografia
8) Na cena em
que os personagens revivem um dos muitos saraus que aconteciam no SOLAR, ganha destaque a declamação de
um dos melhores poemas do grande poeta Capinan,
O Rebanho, que retrata bem o momento
político e social pós-golpe, e de um outro poema, este de Paulo Lemisnsk. São dois
grandes momentos do espetáculo.
9) A cena em
que é discutido o valor afetivo de um presente, no caso o “longplay” Tropicália, é hilária e, ao mesmo
tempo, muito significativa e profunda.
10) O já
citado brilhante arranjo, de MARCELO
ALONSO NEVES, para Sinal Fechado,
um dos clássicos do genial Paulinho da
Viola, assim como toda a sua direção
musical.
Uma obra-prima.
As canções do espetáculo:
1.
Pra Cada Não, Um Sim (Música e Letra: Luciano Moreira)
2.
Bem-vinda ao Solar (Música e Letra: Felipe Vidal e Luciano Moreira)
3.Um
Dia Desse, Eu Me Caso Com Você (Música: Kassim / Letra: Torquato Neto)
4.
Yes, Nós Temos Bananas (Música e Letra: Braguinha)
5.
Penetrada Pelo Teatro (Música: Felipe Vidal / Letra: Daniela Pereira de
Carvalho)
6.
Frente Pluripansexual (Música e Letra: Felipe Vidal)
7.
Domingo no Parque (Música e Letra: Gilberto Gil)
8.
Cabeça Mate (Música: Luciano Moreira / Letra: Felipe Vidal e Luciano Moreira)
9.
Panis et Circencis (Música e Letra: Caetano Veloso e Gilberto Gil)
10.
Tão Leve (Música: Luciano Moreira / Letra: Felipe Vidal e Luciano Moreira)
11.
Rocksamba (Música: Luciano Moreira / Letra: Felipe Vidal e Luciano Moreira)
12.
For Her (Música: Luciano Moreira / Letra: Felipe Vidal)
13.
Caótico (Música: Luciano Moreira / Letra: Felipe Vidal)
14.
Três da Madrugada (Música: Carlos Pinto / Letra: Torquato Neto)
15.
Tema de Ana (Música e Letra: Felipe Vidal)
16.
Portas Abertas (Música e Letra: Felipe Vidal e Luciano Moreira)
17.
Parque Industrial (Música e Letra: Tom Zé)
18.
O Meu Lugar é Aqui (Música: Luciano Moreira / Letra: Felipe Vidal e Luciano
Moreira)
19.
Sinal Fechado (Música e Letra: Paulinho da Viola)
20.
Gran Circo Romano (Música e Letra: Luciano Moreira)
21.
Alegria, Alegria (Música e Letra: Caetano Veloso)
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Daniela Pereira de Carvalho
Direção:
Felipe Vidal
Canções
Originais: Luciano Moreira e Felipe Vidal
Direção
Musical: Marcelo Alonso Neves
Elenco
(em ordem alfabética) – Personagem - Instrumentos
Adassa
Martins – D. JUREMA - triângulo e vocais
Clarisse
Zarvos – ANA - clarineta e vocais
Felipe
Antello – TAVARES - bateria e pandeiro
Gui
Stutz – CLÁUDIO – guitarra, trompete, baixo e vocais
Guilherme
Miranda – CAOS - flauta, banjo, violão, acordeon e vocais
Izak
Dahora – BETINHO - violino, surdo e caixa de fósforo e vocais
Jefferson
Almeida – RÔMULO (ROMINA) - cazu e vocais
Júlia
Bernat – RITA – baixo, violão e vocais
Julie
Wein – LAURA - piano, violoncelo, baixo e vocais
Laura
Becker – MARIA - agogô, pandeiro, reco-reco, caixa, surdo, cazu, caxexê, triângulo,
gaita, piano, bateria e vocais
Leonardo
Corajo – LÉO - tamborim, afoxé, surdo, chocalho, agogô e vocais
Luciano
Moreira – TONICO / VELHO APOSENTADO - violão, baixo, chocalho e vocais
Tainá
Nogueira – CLARICE, a dona do diário - pandeirola e vocais
Ana
Moura – “Stand in” do personagem RITA - vocais
Cenário:
Aurora dos Campos
Figurino:
Flávio Souza e Raquel Theo
Iluminação:
Tomás Ribas
Preparação
Corporal e Direção de Movimento: Renata Jambeiro
Preparação
Vocal E Arranjos Vocais: Mona Vilardo
Videografismo
e Programação Visual: Eduardo Souza (Pavê) e Paulo Caetano
Fotos:
Renato Mangolin
Interlocução
Crítica: Daniele Ávila Small
Visagismo:
Juliana Mendes
Desenho
de Som: Branco Ferreira
Produção
Executiva: Cláudia Charmillot
Direção
de Produção: João Braune – Fomenta Produções
Produção
Executiva: Cláudia Fleury
Apoio:
CCBB - RJ
Patrocínio:
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
Realização:
Complexo Duplo e Fomenta Produções
Idealização
do Projeto: Felipe Vidal e Daniela Pereira De Carvalho
Assessoria
de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
LOCAL:
CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL RJ (CCBB) – Teatro I - Rua Primeiro de Março,
66 – Centro – RJ - Tel: (21)3808-2020
HORÁRIOS:
de 4ª feira a domingo, sempre às 19h
INGRESSOS:
R$10,00 e R$5,00 (meia entrada)
FUNCIONAMENTO
DA BILHETERIA: de 4ª feira a 2ª feira , das 09h às 21h (aceita cartão) e vendas
pela site http://www.ingressorapido.com.br)
CAPACIDADE:
172 espectadores
GÊNERO:
MUSICAL
DURAÇÃO:
180 minutos (incluindo intervalo de 15min)
CLASSIFICAÇÃO
ETÁRIA: 18 anos
TEMPORADA:
Até 31 de maio
Contrariando
o próprio título do espetáculo e o teor da letra da canção de Caetano Veloso, Alegria, Alegria, o espetáculo caminha a favor do vento,
credenciado, corretamente documentado e rumo ao sucesso.
Parabéns a todos
os envolvidos no projeto!
RECOMENDO MUITO!
(FOTOS: RENATO MANGOLIN)
Adorei o espetáculo 😀 resenha luxuosa😙
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