sábado, 24 de janeiro de 2015


 
UM DE NÓS
 
 
(“NÓS” SOMOS ESSE “UM”.)
 
 
 
 
 
 
Assim eu me expressei, por uma rede social, tão logo cheguei a casa, após ter assistido a esta peça: Gente, eu recomendo muito este espetáculo.  Fui com uma expectativa "x" e saí do teatro com a tal expectativa multiplicada por dez.  O espetáculo é "10x".  Em breve, resenha. Parabéns, queridos amigos Pedro Monteiro, Zé Wendell Soares e Gabriela Estêvão.
 
Agora, aqui estou, cumprindo a promessa e ampliando as felicitações aos dois outros atores do espetáculo, LUCAS ORADOVSCHI e JORGE NEVES, e a todos os demais envolvidos no projeto.
 
Lendo a sinopse, distribuída à imprensa, à guisa de divulgação, fica um pouco difícil uma pessoa se interessar tanto por esta peça.  Talvez o “tanto” até seja exagero, na frase anterior.  Eu também fiquei me indagando como “a saga quase olímpica de um judoca iraniano” poderia interessar a alguém, e, menos ainda, como isso poderia render um bom espetáculo teatral. 
 
Fui, muito cético, ao Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea), onde a peça está em cartaz e ficará até o dia 10 de fevereiro, conhecendo apenas o trabalho de três, das cinco pessoas do elenco, além das excelentes direções anteriores de JOANA LEBREIRO, que também assina esta.
 
Posso ser repetitivo, mas não me furto falar do prazer que é ir a um teatro com uma determinada expectativa e sair dele com ela multiplicada muitas vezes.  Talvez seja melhor até do que quando se vai, esperando muito, e se recebe um pouco mais, ou, até mesmo, muito mais.  Mas, se a expectativa já era boa, não faz tanta diferença...
 
Neste trabalho, devem ser louvadas, antes de tudo, a iniciativa e a coragem de PEDRO MONTEIRO, que correu atrás de um sonho, “ralou” muito, até vê-lo realidade.  Uma bela realidade, contando com o apoio e a colaboração de alguns outros sonhadores como ele.
 
 
 
O judô exige disciplina.
 
 
 
 
SINOPSE:
 
Numa madrugada, um homem assiste a uma entrevista pela TV.
 
Um judoca iraniano, no Pan Americano de 2007, competindo pela seleção da Guatemala.  (Estranho, não?!)
 
A luta, que o classificaria para os Jogos Olímpicos de Pequim, não havia acontecido.
 
O atleta dá uma entrevista, contando a sua trajetória - as tentativas de realizar o seu sonho de ir aos Jogos Olímpicos e as reviravoltas de sua vida e da história do Irã, que o impediram.
 
Aos 8 anos, um menino iraniano cansou de apanhar do pai, por ser agitado, demais.  Ele, então, fez uma promessa a si: tornar-se um grande lutador e judô, de preferência o maior do seu país.
 
No auge dos treinos, no entanto, a guerra, em 1980, o obrigaria a lutar por seu país, não nos Jogos Olímpicos de Moscou, mas nas fileiras do exército iraniano.
 
A partir daí, o homem que assistia à TV não consegue parar de pensar nesse inusitado personagem e começa a imaginar como teria sido essa história.
 
 
 
 
Lucas Oradovschi.
 
 
 
            O homem em questão se chama PEDRO MONTEIRO, que escreveu, no programa da peça: “Numa madrugada, um Homem assiste, pela TV, à entrevista de um judoca iraniano, que sonhava ir aos Jogos Olímpicos, e começa a imaginar sua história.  Uma saga quase olímpica, na qual Judô, História e Teatro se encontram no tatame”.
 
            Isso aconteceu em 2007, quando o jovem ator PEDRO acabava de sair da Escola de Artes Dramáticas, cheio de projetos na cabeça, o que é tão peculiar aos jovens, principalmente os artistas.  Naquela madrugada, quiçá insone (Bendita insônia!), ele viu um homem, numa entrevista, num programa esportivo, saindo de uma área de competição, dizendo que a luta dele não tinha acontecido, e, mesmo assim, ele se sentia um derrotado.  Como assim?  Derrotado?  A partir daquele momento, o sujeito começou a contar toda a sua história, ao término da qual, PEDRO disse a si mesmo: ISSO PODE VIRAR TEATRO.
 
            Antes desse sonho, que ora está em prática, PEDRO se rendeu a dois outros: Os Ruivos e Funk Brasil 40 Anos de Baile, ambos com bastante sucesso de público e de crítica. 
 
            Ainda escreve PEDRO, no programa da peça (Adoro ler bons programas de peças.): “E, agora, chegou a hora de falar de um sonho!  Um sonho de um homem como qualquer UM DE NÓS.  Que, mesmo não podendo lutar, se sentia um derrotado.  Derrotado por quem?  Medalha de Ouro para 1, pódio pra 3.  E os outros?  É desses outros que eu quero contar esta história”.
 
            Neste espetáculo, estão presentes o sonho, a superação e a paixão pelo esporte. Cinco judocas, quimonos e um tatame.  Esses são os únicos elementos usados na encenação de UM DE NÓS.  Todas as cenas e situações foram elaboradas a partir da perspectiva dos movimentos do Judô.
 
A peça é como uma grande luta, na qual os personagens entram e saem através do “caminho suave”, significado original da palavra Judô.



 
Gabriela Estevão.
 
 
    
 
 
SOBRE O PROJETO:
 
O papel do artista é investigar linguagens, quebrar barreiras, sair da “zona de conforto” e pensar em formas de levar sua arte para além do habitual. 
 
UM DE NÓS foi um espetáculo concebido com o desafio de fazer dialogar Judô e Teatro, e também com o intuito de ser uma obra passível de ser encenada não só em espaços convencionais, mas em qualquer lugar.
 
Para se contar essa história, o fundamental é um tatame, os cinco judocas, com seus quimonos, e disposição para as quedas.
 
O projeto contou, desde o início, com uma parceria fundamental: o Instituto Reação, do medalhista olímpico Flávio Canto.
 
Os atores começaram a treinar judô, dois meses antes do início dos ensaios, e puderam contar com uma especialíssima assessoria técnica de esportistas do Instituto, durante todo o processo. 
 
Conhecido como “o caminho suave", hoje, o Judô é o esporte individual que mais conseguiu medalhas para o Brasil nos Jogos Olímpicos.  Além disso, é um esporte de grande participação e de adoração entre crianças do país. 
 
UM DE NÓS soma tudo isso: a história de um sonho, superação e reviravoltas surpreendentes.  Chega, trazendo uma proposta diferente e com grande potencial - não só por seu ineditismo, mas também por tratar de um tema com grande aceitação pelo público: a paixão pelo esporte, o sonho olímpico, os desejos e os questionamentos sobre o que é ser vencedor ou perdedor.  Os sonhos, frustrações e superações de qualquer UM DE NÓS.
   
 
 
 
 
 
 


            Parodiando alguém, ao definir, um dia, uma escola de samba do Rio de Janeiro (Salgueiro), UM DE NÓS não é melhor nem pior; apenas um espetáculo diferente.  Diferente na proposta, na estética, na linguagem.
 
            A entrega dos atores ao trabalho é tão intensa, que o espectador, desde a entrada dos cinco ao tatame, é levado a crer que são cinco pessoas praticantes do esporte (judô) que resolveram “brincar de teatro”.  É incrível a intimidade deles com o esporte, sem que o tenham praticado antes dos dois meses de conhecimento e treinamento naquela modalidade esportiva.  E que preparo físico! 
 
Não!  Não são cinco judocas, brincando de fazer teatro.  São cinco ótimos atores de TEATRO, utilizando o esporte (judô), para encantar os espectadores com a sua ARTE.
 
            Não há como deixar se envolver com o drama do jovem ARASH (PEDRO MONTEIRO), que tenta, apaixonada e tenazmente, participar de uma olimpíada, sempre frustrado em seus ideais.  Assim foi na de Moscou (1980), na de Los Angeles (1984), na de Seul (1988) e na de Barcelona (1992). 
 
Vários foram os fatores que o impediram de disputar uma medalha de ouro, seu único objetivo, numa daquelas competições.  Você poderá, e deverá, saber o porquê de cada “derrota”, assistindo à peça.  E vale muito a pena saber o motivo de cada uma delas.
 
 
 
ALGUMAS OBSERVAÇÕES INTERESSANTES SOBRE O ESPETÁCULO:
 
 
1)      A maneira como os atores entram em cena, a postura deles, é idêntica à de atletas se preparando para uma competição.  Entram, um a um, vestem seus quimonos e começam um aquecimento, correndo à volta do tatame.  “Enganam” muito bem os cinco.  Vi, neles, o que já falei anteriormente, praticantes de judô, preparando-se para lutar.
 
 
 
 
 
 
2)      É interessante como duas simples ações de troca de uma foto, que está num quadro, no cenário, marca uma passagem de tempo.  No caso, simbolicamente, marca a mudança de um regime político para outro.  Isso está concretizado na mudança da foto de um mestre do judô, provavelmente seu criador, pela do Aiatolá Khomeini; a volta da foto anterior se dá após uma nova mudança do regime político do Irã.
 
3)      É bem marcante a diferença dos pais de ARASH, quanto ao tratamento a ele dispensado.  A mãe sempre o protegia, ou, pelo menos, tentava, e o incentivava, com relação ao esporte.  O pai, ao contrário, extremamente rude e violento, além de não querer que ele praticasse seu esporte, ainda o maltratava muito, fisicamente, com surras homéricas, injustificavelmente, por qualquer razão.  ARASH, no entanto, queria muito que o pai o visse lutando, mas este nunca ia às competições.  E ARASH vencia sempre, e ia mudando de faixas, correspondentes às graduações no judô.  O filho sempre pedia à mãe que convencesse o pai a acompanhá-la numa de suas lutas e, exatamente no dia em isso se dá, ARASH é derrotado.
 
4)      Apesar dos maus tratos do pai, é bastante comovente a cena em que ARASH volta ao Irã, para se despedir do pai, moribundo.  Não me recordo se está expresso em alguma fala do personagem, mas está, cenicamente, patente o perdão do filho ao pai.
 
5)      Emocionante, também, é o momento em que ARASH tem de interromper o seu sonho olímpico, para lutar, contra a sua vontade, pelo Irã, por algo em que ele não acreditava.  Na guerra, ele se fere, mas sobrevive.
 
 
 
Arash é ferido na guerra.
 
 
 
6)      Durante a encenação, há algumas vezes em que um dos atores faz uso do microfone, para pequenas, e oportunas, narrações, o que quebra, positivamente, o clima de uma representação teatral.  Ficou muito bom esse detalhe.
 
 
 
Zé Wendell.
 
 
 
Lucas Oradovschi.
 
 
 
7)      Embora, confesso, não tenha me encantado, ainda, por qualquer tipo de luta marcial (É bastante discutível se o judô é uma delas.  Segundo minhas pesquisas – posso estar errado –, trata-se de uma “arte marcial esportiva”.), acho muito interessantes alguns ensinamentos presentes nessa “modalidade esportiva” (É luta marcial ou esporte?) e que são repetidos, no espetáculo, o que considero bastante positivo, como: “O judô é como a vida.  Você precisa saber avançar e saber cair; não tem a opção de ficar parado.  No judô, se você não agir, não se movimentar, será penalizado.  E, na vida, também.  O judô é um treinamento e uma encenação da vida.  O judô é uma metáfora”.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8)      É muito criativa a maneira como GABRIELA ESTÊVÃO utiliza o quimono para transformá-lo em acessórios, como xales, burcas, capas, para diversos personagens, em algumas cenas.
 
9)      Um destaque vai para a simplicidade e originalidade do cenário, de NATÁLIA LANA: 28 quimonos, dobrados e presos a uma parede preta, mais dois conjuntos de faixas coloridas, referentes às graduações no judô, penduradas junto à referida parede, mais 5 quimonos dobrados, sobre um tatame vermelho.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10)  Muito bonita, e oportuna, é a trilha sonora, de MARCELO ALONSO NEVES, que utiliza canções orientais, cuja sonoridade lembra lamentos e choros.  Tudo a ver com o espetáculo.  IPPON para Marcelo!!!
 
11)  O texto da peça, escrito pelo seu idealizador, PEDRO MONTEIRO, e por mais dois colaboradores, MARCUS GALIÑA e JOANA LEBREIRO, é bem “enxuto”, diz apenas o essencial para que a saga do herói possa ser contada e  compreendida, de maneira fácil e agradável, sem as filigranas típicas da cultura oriental.  Bom trabalho, a seis mãos.
 
12)  Como sempre, JOANA LEBREIRO fez um bom trabalho na direção dos atores, o que, para ela, deve ter sido um grande desafio.  Aliás, para os atores também.
 
13)  A direção de movimento, nesta encenação, reveste-se de uma importância ímpar, e o resultado do trabalho de NATHÁLIA MELLO é excelente.
 
14)  DANIELA (DANI) SANCHEZ assina mais um de seus ótimos trabalhos de iluminação.  Notei, na sessão a que assisti, apenas, dois pequenos “cochilos”, rapidamente sanados, que devo creditar ao operador de luz, mas que, em nada comprometeram a boa iluminação do espetáculo.
 
15)  A saga de ARASH o leva a treinar num centro esportivo, nos Estados Unidos, onde conhece ROSA, uma guatemalteca, dona de um restaurante em seu país, pela qual se apaixona e com a qual se junta.  Esse detalhe é muito importante na história, porque é por ali que vai se delineando a última tentativa do herói para conseguir uma oportunidade de ver realizado o seu sonho em se tornar medalhista (de ouro) numa olimpíada, uma vez que resolveu ir para a Guatemala, com a mulher, onde se naturalizou cidadão daquele país, passando a exercer a atividade de professor de judô, para crianças carentes.  Como cidadão guatemalteco, pôde disputar uma vaga para os Jogos Panamericanos, o que lhe renderia o direito de representar o país nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992, o que, infelizmente, também não se concretizou.  Mas o motivo de mais um “fracasso” eu não revelo, nem sob um estrangulamento no tatame.  Vá, você mesmo, conhecê-lo (MAS VÁ DE VERDADE!!!), no Teatro Maria Clara Machado.
 
 
 
Arash e Rosa.
 
 
 
16)  O elenco tem um comportamento magnífico em cena, sem destaques.  Todos estão impecáveis em suas atuações.
 
 
 
O elenco.
 
 
 
         
                                   Gabriela Estevão                                        Jorge Neves
 
 
Pedro Monteiro
 
 
 
         
                                 Lucas Oradovschi                                   Zé Wendell
 
 
 
UM DE NÓS foi, ou melhor, É uma grata surpresa neste início de temporada de TEATRO de 2015.  Um espetáculo sem expoentes globais, sem a divulgação que merecia ter na mídia, feito com muita garra e esforço, quase sem dinheiro, com ínfimos patrocínios e que resultou num grande espetáculo teatral.
 
Vou rever.
 
Para terminar, a fala final, da cena mais emocionante do espetáculo, dita pelo ator PEDRO, dirigindo-se, em homenagem, ao personagem ARASH, ilustrada pela foto abaixo:
 
 
 
 
 
"Herói é todo aquele que vive a sua saga e permanece de pé.  Eu queria, agora, abraçar o ARASH e dizer: Você é meu herói, você merece um poema dramático, a sua saga é repleta de ensinamentos, o seu mito deveria torna-se conhecido.  É tocante demais, para um homem, diante de uma TV, às 3 horas da manhã, a sua história.  Eu pensava em você, pensava em mim; eu pensava nos ‘wazaris’ que a vida me dá e no duro que dou neste tatame.  ARASH, ninguém sabe quem é você, como é seu povo, como é a sua terra.  Todos nós vivemos empanturrados de enganos, mas, para mim, você está impregnado do espírito olímpico, de grandeza persa, do ouro, do aplauso de diversos povos e, também, dos horrrores da guerra e das tensões políticas mais extremas.  Acho que deveria ter uma medalha para pessoas como você, que não desistem de lutar, que não desistem de sonhar.  Afinal de contas, a gente vive para quê?"
 
 
 
Sabe como o espetáculo termina?  Com um belíssimo IPPON!!!
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA TÉCNICA:
 
História e Idealização: PEDRO MONTEIRO
 
Texto: MARCUS GALIÑA, JOANA LEBREIRO e PEDRO MONTEIRO
 
Direção: JOANA LEBREIRO
 
Elenco: GABRIELA ESTÊVÃO, JORGE NEVES, LUCAS ORADOVSCHI, PEDRO MONTEIRO e ZÉ WENDELL.
 
Direção de Movimento: NATHÁLIA MELLO.
 
Diretora assistente: BRUNNA NAPOLEÃO.
 
Música Original e Direção Musical: MARCELO ALONSO NEVES. 
 
Iluminação: DANI SANCHEZ
 
Figurino: ROBERTA TOZZATO.
 
Cenário: NATÁLIA LANA.
 
Design gráfico: LÍVIA PAUPÉRIO
 
Fotos: VINI COUTO
 
Produção: MARCELLA TOBELEM e SP2 BRAZIL
 
Realização: PEDRO MONTEIRO.
 
 
 
 
 
 
SERVIÇO:
TEATRO MARIA CLARA MACHADO (Planetário da Gávea) - Rua Padre Leonel Franca, 240 – Gávea (ao lado da PUC)

Até 10 de fevereiro de 2015.

Horários: De 6ª feira a 3ª feira, às 21h.

Valor do ingresso: R$ 30.00 (inteira)

Tempo de duração: 70 minutos

Classificação: Livre

Informações: (21)2274-7722
 
 
 
 
(FOTOS: VINI COUTO)
 

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