UM
DE NÓS
(“NÓS” SOMOS ESSE “UM”.)
Assim eu me expressei,
por uma rede social, tão logo cheguei a casa, após ter assistido a esta peça: Gente, eu recomendo muito este espetáculo. Fui com uma expectativa "x" e saí do
teatro com a tal expectativa multiplicada por dez. O espetáculo é "10x". Em breve, resenha. Parabéns, queridos amigos Pedro Monteiro , Zé Wendell Soares e Gabriela Estêvão.
Agora, aqui
estou, cumprindo a promessa e ampliando as felicitações aos dois outros atores
do espetáculo, LUCAS ORADOVSCHI e JORGE NEVES, e a todos os demais
envolvidos no projeto.
Lendo a sinopse, distribuída à imprensa, à
guisa de divulgação, fica um pouco difícil uma pessoa se interessar tanto por
esta peça. Talvez o “tanto” até seja exagero, na frase
anterior. Eu também fiquei me indagando
como “a saga quase olímpica de um judoca
iraniano” poderia interessar a alguém, e, menos ainda, como isso poderia render
um bom espetáculo teatral.
Fui, muito
cético, ao Teatro Maria Clara Machado
(Planetário da Gávea), onde a peça
está em cartaz e ficará até o dia 10 de fevereiro, conhecendo apenas o
trabalho de três, das cinco pessoas do elenco, além das excelentes direções
anteriores de JOANA LEBREIRO, que
também assina esta.
Posso ser
repetitivo, mas não me furto falar do prazer que é ir a um teatro com uma
determinada expectativa e sair dele com ela multiplicada muitas vezes. Talvez seja melhor até do que quando se vai,
esperando muito, e se recebe um pouco mais, ou, até mesmo, muito mais. Mas, se a expectativa já era boa, não faz
tanta diferença...
Neste
trabalho, devem ser louvadas, antes de tudo, a iniciativa e a coragem de PEDRO MONTEIRO, que correu atrás de um
sonho, “ralou” muito, até vê-lo realidade.
Uma bela realidade, contando com o apoio e a colaboração de alguns
outros sonhadores como ele.
O judô exige disciplina.
SINOPSE:
Numa madrugada,
um homem assiste a uma entrevista pela TV.
Um judoca iraniano, no
Pan Americano de 2007, competindo pela seleção da Guatemala. (Estranho, não?!)
A luta, que
o classificaria para os Jogos Olímpicos de Pequim, não havia
acontecido.
O atleta dá uma entrevista,
contando a sua trajetória - as tentativas de realizar o seu sonho de
ir aos Jogos Olímpicos e as reviravoltas de sua vida e da história do Irã,
que o impediram.
Aos 8 anos, um menino
iraniano cansou de apanhar do pai, por ser agitado, demais. Ele, então, fez uma promessa a si: tornar-se
um grande lutador e judô, de preferência o maior do seu país.
No auge dos treinos, no
entanto, a guerra, em 1980, o obrigaria a lutar por seu país, não nos Jogos
Olímpicos de Moscou, mas nas fileiras do exército iraniano.
A partir daí, o homem que
assistia à TV não consegue parar de pensar nesse inusitado personagem
e começa a imaginar como teria sido essa história.
Lucas Oradovschi.
O homem em questão
se chama PEDRO MONTEIRO, que
escreveu, no programa da peça: “Numa madrugada, um Homem assiste, pela TV,
à entrevista de um judoca iraniano, que sonhava ir aos Jogos Olímpicos, e
começa a imaginar sua história. Uma saga
quase olímpica, na qual Judô, História e Teatro se encontram no tatame”.
Isso
aconteceu em 2007, quando o jovem ator PEDRO
acabava de sair da Escola de Artes Dramáticas, cheio de projetos na cabeça, o
que é tão peculiar aos jovens, principalmente os artistas. Naquela madrugada, quiçá insone (Bendita
insônia!), ele viu um homem, numa entrevista, num programa esportivo, saindo de
uma área de competição, dizendo que a luta dele não tinha acontecido, e, mesmo
assim, ele se sentia um derrotado. Como
assim? Derrotado? A partir daquele momento, o sujeito começou a
contar toda a sua história, ao término da qual, PEDRO disse a si mesmo: ISSO
PODE VIRAR TEATRO.
Antes
desse sonho, que ora está em prática, PEDRO
se rendeu a dois outros: Os Ruivos e
Funk Brasil 40 Anos de Baile, ambos
com bastante sucesso de público e de crítica.
Ainda
escreve PEDRO, no programa da peça
(Adoro ler bons programas de peças.): “E, agora, chegou a hora de falar de um
sonho! Um sonho de um homem como
qualquer UM DE NÓS. Que, mesmo não
podendo lutar, se sentia um derrotado.
Derrotado por quem? Medalha de
Ouro para 1, pódio pra 3. E os
outros? É desses outros que eu quero
contar esta história”.
Neste
espetáculo, estão presentes o sonho, a superação e a paixão pelo esporte. Cinco
judocas, quimonos e um tatame. Esses são
os únicos elementos usados na encenação de UM
DE NÓS. Todas as cenas e
situações foram elaboradas a partir da perspectiva dos movimentos do
Judô.
A peça é como
uma grande luta, na qual os personagens entram e saem através do “caminho suave”, significado original
da palavra Judô.
Gabriela Estevão.
SOBRE O PROJETO:
O papel do
artista é investigar linguagens, quebrar barreiras, sair da “zona de
conforto” e pensar em formas de levar sua arte para além
do habitual.
UM DE NÓS foi um espetáculo concebido com o desafio de fazer dialogar Judô e Teatro, e também com o intuito de ser uma obra passível de ser
encenada não só em espaços convencionais, mas em qualquer lugar.
Para se contar essa
história, o fundamental é um tatame, os cinco judocas, com seus quimonos,
e disposição para as quedas.
O projeto contou, desde o início,
com uma parceria fundamental: o Instituto
Reação, do medalhista olímpico Flávio
Canto.
Os atores começaram
a treinar judô, dois meses antes do início dos ensaios, e
puderam contar com uma especialíssima assessoria técnica de
esportistas do Instituto, durante
todo o processo.
Conhecido como “o caminho suave", hoje, o Judô é o esporte individual que mais
conseguiu medalhas para o Brasil nos Jogos
Olímpicos. Além disso, é um esporte de grande participação e de
adoração entre crianças do país.
UM DE NÓS soma tudo isso: a história de um sonho, superação e
reviravoltas surpreendentes. Chega,
trazendo uma proposta diferente e com grande potencial -
não só por seu ineditismo, mas também por tratar de um tema com
grande aceitação pelo público: a paixão pelo esporte, o sonho olímpico,
os desejos e os questionamentos sobre o que é ser vencedor ou
perdedor. Os sonhos, frustrações e superações de qualquer UM DE NÓS.
Parodiando
alguém, ao definir, um dia, uma escola de samba do Rio de Janeiro (Salgueiro), UM DE NÓS não é melhor nem pior; apenas um espetáculo diferente. Diferente na proposta, na estética, na
linguagem.
A
entrega dos atores ao trabalho é tão intensa, que o espectador, desde a entrada
dos cinco ao tatame, é levado a crer que são cinco pessoas praticantes do
esporte (judô) que resolveram “brincar de teatro”. É incrível a intimidade deles com o esporte,
sem que o tenham praticado antes dos dois meses de conhecimento e treinamento
naquela modalidade esportiva. E que
preparo físico!
Não! Não são cinco judocas, brincando de fazer
teatro. São cinco ótimos atores de TEATRO, utilizando o esporte (judô),
para encantar os espectadores com a sua ARTE.
Não
há como deixar se envolver com o drama do jovem ARASH (PEDRO MONTEIRO), que tenta, apaixonada e tenazmente,
participar de uma olimpíada, sempre frustrado em seus ideais. Assim foi na de Moscou (1980), na de Los
Angeles (1984), na de Seul (1988) e na de Barcelona (1992).
Vários foram
os fatores que o impediram de disputar uma medalha de ouro, seu único objetivo,
numa daquelas competições. Você poderá, e deverá, saber o porquê de cada
“derrota”, assistindo à peça. E vale
muito a pena saber o motivo de cada uma delas.
ALGUMAS OBSERVAÇÕES
INTERESSANTES SOBRE O ESPETÁCULO:
1)
A maneira como os atores entram em cena, a postura
deles, é idêntica à de atletas se preparando para uma competição. Entram, um a um, vestem seus quimonos e
começam um aquecimento, correndo à volta do tatame. “Enganam” muito bem os cinco. Vi, neles, o que já falei anteriormente,
praticantes de judô, preparando-se para lutar.
2)
É interessante como duas simples ações de troca de uma
foto, que está num quadro, no cenário, marca uma passagem de tempo. No caso, simbolicamente, marca a mudança de
um regime político para outro. Isso está
concretizado na mudança da foto de um mestre do judô, provavelmente seu
criador, pela do Aiatolá Khomeini; a volta da foto anterior se dá após uma nova
mudança do regime político do Irã.
3)
É bem marcante a diferença dos pais de ARASH, quanto ao tratamento a ele
dispensado. A mãe sempre o protegia, ou,
pelo menos, tentava, e o incentivava, com relação ao esporte. O pai, ao contrário, extremamente rude e
violento, além de não querer que ele praticasse seu esporte, ainda o maltratava
muito, fisicamente, com surras homéricas, injustificavelmente, por qualquer razão. ARASH,
no entanto, queria muito que o pai o visse lutando, mas este nunca ia às competições. E ARASH
vencia sempre, e ia mudando de faixas, correspondentes às graduações no judô. O filho sempre pedia à mãe que convencesse o
pai a acompanhá-la numa de suas lutas e, exatamente no dia em isso se dá, ARASH é derrotado.
4)
Apesar dos maus tratos do pai, é bastante comovente a
cena em que ARASH volta ao Irã, para
se despedir do pai, moribundo. Não me
recordo se está expresso em alguma fala do personagem, mas está, cenicamente,
patente o perdão do filho ao pai.
5)
Emocionante, também, é o momento em que ARASH tem de interromper o seu sonho
olímpico, para lutar, contra a sua vontade, pelo Irã, por algo em que ele não
acreditava. Na guerra, ele se fere, mas
sobrevive.
Arash é ferido na guerra.
6)
Durante a encenação, há algumas vezes em que um dos
atores faz uso do microfone, para pequenas, e oportunas, narrações, o que quebra,
positivamente, o clima de uma representação teatral. Ficou muito bom esse detalhe.
Zé Wendell.
Lucas Oradovschi.
7)
Embora, confesso, não tenha me encantado, ainda, por qualquer
tipo de luta marcial (É bastante discutível se o judô é uma delas. Segundo minhas pesquisas – posso estar errado
–, trata-se de uma “arte marcial
esportiva”.), acho muito interessantes alguns ensinamentos presentes nessa “modalidade
esportiva” (É luta marcial ou esporte?) e que são repetidos, no espetáculo, o
que considero bastante positivo, como: “O judô é como a vida. Você precisa saber avançar e saber cair; não
tem a opção de ficar parado. No judô, se
você não agir, não se movimentar, será penalizado. E, na vida, também. O judô é um treinamento e uma encenação da
vida. O judô é uma metáfora”.
8)
É muito criativa a maneira como GABRIELA ESTÊVÃO utiliza o quimono para transformá-lo em
acessórios, como xales, burcas, capas, para diversos personagens, em algumas
cenas.
9)
Um destaque vai para a simplicidade e originalidade do cenário, de NATÁLIA LANA: 28 quimonos, dobrados e presos a uma parede preta,
mais dois conjuntos de faixas coloridas, referentes às graduações no judô,
penduradas junto à referida parede, mais 5 quimonos dobrados, sobre um tatame
vermelho.
10) Muito
bonita, e oportuna, é a trilha sonora,
de MARCELO ALONSO NEVES, que utiliza
canções orientais, cuja sonoridade lembra lamentos e choros. Tudo a ver com o espetáculo. IPPON
para Marcelo!!!
11) O
texto da peça, escrito pelo seu
idealizador, PEDRO MONTEIRO, e por
mais dois colaboradores, MARCUS GALIÑA
e JOANA LEBREIRO, é bem “enxuto”,
diz apenas o essencial para que a saga do herói possa ser contada e compreendida, de maneira fácil e agradável, sem
as filigranas típicas da cultura oriental.
Bom trabalho, a seis mãos.
12) Como
sempre, JOANA LEBREIRO fez um bom
trabalho na direção dos atores, o
que, para ela, deve ter sido um grande desafio.
Aliás, para os atores também.
13) A
direção de movimento, nesta encenação,
reveste-se de uma importância ímpar, e o resultado do trabalho de NATHÁLIA MELLO é excelente.
14) DANIELA (DANI) SANCHEZ assina mais um
de seus ótimos trabalhos de iluminação.
Notei, na sessão a que assisti, apenas, dois pequenos “cochilos”,
rapidamente sanados, que devo creditar ao operador de luz, mas que, em nada
comprometeram a boa iluminação do espetáculo.
15) A
saga de ARASH o leva a treinar num
centro esportivo, nos Estados Unidos, onde conhece ROSA, uma guatemalteca, dona de um restaurante em seu país, pela
qual se apaixona e com a qual se junta.
Esse detalhe é muito importante na história, porque é por ali que vai se
delineando a última tentativa do herói para conseguir uma oportunidade de ver
realizado o seu sonho em se tornar medalhista (de ouro) numa olimpíada, uma vez
que resolveu ir para a Guatemala, com a mulher, onde se naturalizou cidadão
daquele país, passando a exercer a atividade de professor de judô, para
crianças carentes. Como cidadão
guatemalteco, pôde disputar uma vaga para os Jogos Panamericanos, o que lhe
renderia o direito de representar o país nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992,
o que, infelizmente, também não se concretizou. Mas o motivo de mais um “fracasso” eu não
revelo, nem sob um estrangulamento no tatame.
Vá, você mesmo, conhecê-lo (MAS
VÁ DE VERDADE!!!), no Teatro Maria
Clara Machado.
Arash e Rosa.
16) O
elenco tem um comportamento magnífico em cena, sem destaques. Todos
estão impecáveis em suas atuações.
O elenco.
Gabriela Estevão Jorge Neves
Lucas Oradovschi Zé Wendell
UM DE NÓS foi, ou melhor, É uma grata surpresa neste início de
temporada de TEATRO de 2015. Um espetáculo sem expoentes globais, sem a
divulgação que merecia ter na mídia, feito com muita garra e esforço, quase sem
dinheiro, com ínfimos patrocínios e que resultou num grande espetáculo teatral.
Vou rever.
Para terminar, a fala final, da cena mais emocionante do espetáculo, dita
pelo ator PEDRO, dirigindo-se, em
homenagem, ao personagem ARASH,
ilustrada pela foto abaixo:
"Herói
é todo aquele que vive a sua saga e permanece de pé. Eu queria, agora, abraçar o ARASH e dizer:
Você é meu herói, você merece um poema dramático, a sua saga é repleta de
ensinamentos, o seu mito deveria torna-se conhecido. É tocante demais, para um homem, diante de uma
TV, às 3 horas da manhã, a sua história. Eu pensava em você, pensava em mim; eu pensava
nos ‘wazaris’ que a vida me dá e no duro que dou neste tatame. ARASH, ninguém sabe quem é você, como é seu
povo, como é a sua terra. Todos nós
vivemos empanturrados de enganos, mas, para mim, você está impregnado do espírito
olímpico, de grandeza persa, do ouro, do aplauso de diversos povos e, também,
dos horrrores da guerra e das tensões políticas mais extremas. Acho que deveria ter uma medalha para pessoas
como você, que não desistem de lutar, que não desistem de sonhar. Afinal de contas, a gente vive para
quê?"
Sabe como o espetáculo termina?
Com um belíssimo IPPON!!!
FICHA TÉCNICA:
História e Idealização: PEDRO MONTEIRO
Texto: MARCUS GALIÑA, JOANA LEBREIRO e PEDRO MONTEIRO
Direção: JOANA LEBREIRO
Elenco: GABRIELA ESTÊVÃO, JORGE NEVES, LUCAS ORADOVSCHI, PEDRO MONTEIRO
e ZÉ WENDELL.
Direção de Movimento: NATHÁLIA MELLO.
Diretora assistente: BRUNNA NAPOLEÃO.
Música Original e Direção Musical: MARCELO ALONSO NEVES.
Iluminação: DANI SANCHEZ
Figurino: ROBERTA TOZZATO.
Cenário: NATÁLIA LANA.
Design gráfico: LÍVIA PAUPÉRIO
Fotos: VINI COUTO
Produção: MARCELLA TOBELEM e SP2 BRAZIL
Realização: PEDRO MONTEIRO.
SERVIÇO:
TEATRO MARIA CLARA MACHADO (Planetário da
Gávea) - Rua Padre Leonel Franca, 240 – Gávea (ao lado da PUC)
Até 10 de fevereiro de 2015.
Horários: De 6ª feira a 3ª
feira, às 21h.
Valor do ingresso: R$ 30.00 (inteira)
Tempo de duração: 70
minutos
Classificação: Livre
Informações: (21)2274-7722
(FOTOS: VINI COUTO)
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