O
HOMEM ELEFANTE
(BOM
TEATRO, FEITO POR QUEM SABE FAZÊ-LO.)
Engana-se quem pensa que o
filme de David Lynch, de 1980, com o
mesmo título, e que recebeu oito indicações ao Oscar, deu origem a esta
peça. Na verdade, ocorreu o
contrário. A peça The Elephant Man foi escrita em
1977, por BERNAD POMERANCE, e
inspirou a versão cinematográfica. Foi
grande sucesso na Broadway, na década de 80, com inúmeras montagens, e está em
cartaz, novamente, por lá, com Bradley
Cooper no dificílimo papel título.
Confesso que não é o
gênero de espetáculo que me agrade muito (não se encaixa na rubrica “terror”,
mas contém elementos “plásticos” e visuais que podem causar repugnância), tanto
que só assisti ao filme, em vídeo, muito tempo depois de seu lançamento, mas
não consegui chegar ao final.
Quando soube da
montagem teatral, que ocuparia o Teatro
OI Futuro Flamengo, onde está em cartaz, e ficará até 8 de fevereiro, pensei que deveria assistir a ela, mais
por um dever profissional que por gosto e interesse próprios, entretanto, vendo
que a direção seria de CIBELE FORJAZ, por quem tenho grande admiração,
como profissional, resolvi apressar minha ida ao OI Futuro. Não pude aceitar
o convite para a estreia, entretanto consegui ver a peça, quase às vésperas do Natal,
no último dia 22 de dezembro (2014).
Não havia, no elenco,
nenhum nome conhecido, nenhuma daquelas “celebridades” que, após o espetáculo,
sofrem o assédio dos fãs, por fotografias.
Fui preparado para ver
cenas repugnantes, chocantes, agressivas a qualquer senso estético e, “o pior”,
feito por quem eu não conhecia, ou pensava não conhecer. O que esperar “daquilo”? Mas havia CIBELE na direção, e ela não é nada amadora. Muito pelo contrário. Cresceu, mais ainda, a minha curiosidade. Agora, posso dizer que não é um espetáculo
que cause nada daquilo a que me referi no início deste parágrafo.
O saldo disso tudo
acabou sendo super positivo, a ponto de eu estar querendo assistir, mais uma
vez, o mais rápido possível, ao espetáculo, que, de saída, já recomendo como um
dos melhores do ano teatral de 2014 recém-encerrado.
Daniel Carvalho Faria.
SINOPSE:
O texto, de BERNARD POMERANCE, é inspirado na história verídica de JOHN MERRICK, jovem com uma terrível
deformação, que viveu em Londres, durante quase 28 anos, na segunda metade do
século XIX, e virou atração de “freak shows” (shows de aberrações).
Na verdade, há um equívoco quanto ao
nome de quem inspirou a ficção: era Joseph Merrick
(1862-1890). O autor do texto enganou-se
e ficou assim mesmo.
Ainda
menino, MERRICK foi parar nas
“garras” do SR. ROSS, após ter sido
abandonado pela mãe, que, supostamente, fora atacada por um elefante quando
estava grávida.
Na história, MERRICK (VANDRÉ SILVEIRA) é explorado e maltratado pelo “showman”
ROSS (DANIEL CARVALHO FARIA), até
ser resgatado pelo jovem médico DR.
TREVES (DAVI DE CARVALHO), sendo acolhido, para observação e estudos, num
prestigiado hospital londrino. Lá, MERRICK passa de objeto de piedade e
curiosidade à coqueluche da aristocracia e dos intelectuais, com a ajuda de uma
famosa atriz, a SRA. KENDAL (REGINA
FRANÇA), que o apresenta à sociedade londrina.
Mas a sua esperança de, um dia, poder
ser "um homem como os outros" acaba por se revelar um sonho que nunca
será realizado.
Davi de
Carvalho.
O Dr. Treves
apresenta a “aberração”.
Os idealizadores do projeto são três
jovens atores mineiros, todos radicados no Rio de Janeiro, onde fundaram a CIA. ABERTA: DANIEL CARVALHO FARIA, DAVI DE CARVALHO e VANDRÉ
SILVEIRA, que já merecem aplausos pelo empreendimento, os quais dividem
a cena com REGINA FRANÇA, atriz convidada.
Projeto no papel,
tiveram a felicíssima ideia de convidar a grande diretora, de São Paulo, CIBELE
FORJAZ, para conduzir a direção do
espetáculo, tarefa que divide com o diretor WAGNER ANTÔNIO, também daquela capital.
Só
poderia dar certo o “casamento” da CIA. ABERTA, que prima por pesquisas
que levem a novas dramaturgias e a diversas linguagem de encenação (Vermelho
Amargo é uma prova disso) com o trabalho de CIBELE FORJAZ, que opta
por empregar, em suas montagens, métodos de pesquisa e direção pouco ortodoxos
e nada cartesianos (exemplo máximo do que digo: sua fantástica montagem de O
Idiota, em 2011).
Apesar de bem jovem (foi
fundada em 2011), a CIA. ABERTA já
acumula alguns prêmios, em diversas áreas do TEATRO.
Quanto a CIBELE FORJAZ, não lhe faltam prêmios e
indicações e o reconhecimento por seus
25 anos dedicados ao TEATRO, como
diretora e iluminadora, além de docente
e pesquisadora do Departamento de Artes Cênicas da USP. Trabalhou, ainda, como assistente de José Celso Martinez Correa.
Daniel carrega
Vandré nos ombros, sob o olhar atento de Davi.
Neste espetáculo, está
em jogo o conceito do “normal” em confronto com a “diversidade”, no caso
simbolizada pela aberração morfológica que começou a surgir, no personagem
título, aos três anos de idade, e só fez transformá-lo, cada vez mais, num ser
de aparência horripilante, mas de um interior lindo, bem nos moldes do
Naturalismo, em que o belo estético não combinava com a beleza interior. Quando havia um, o outro era seu oposto.
Durante seu curto tempo
de vida, JOHN MERRICK serviu de
“diversão”, para os apreciadores de bizarrices, mas também foi alvo do
interesse da ciência, na pessoa do DR.
TREVES, que tinha por objetivo estudar o seu caso e, mais do que isso,
buscar uma forma para corrigir o “mal feito”, sem perceber que suas boas
intenções acabariam por conduzi-lo à morte.
O texto, acentuado pela
visão da direção e o belo trabalho do quarteto de bons atores, deixa bem claro
que, antes de olhar e julgar o lado “torto” do outro, deveríamos nos ater ao
nosso, uma vez que ele está presente, fisicamente ou não, em cada ser humano, e
que não se deve, nem se pode, exigir, do outro, a perfeição, que nenhum de nós
tem para exibir. Questiona, de forma bem
natural, a importância das aparências e a desvalorização das essências.
Aparência ou
essência?
Ótimo texto e excelente direção, passemos a uma breve análise de outros elementos da FICHA TÉCNICA:
O elenco é homogêneo, afinado, harmonioso; uma grata surpresa para
mim. O destaque, como não poderia deixar
de ser, vai para VANDRÉ SILVEIRA,
que interpreta JOHN MERRECK, o
HOMEM ELEFANTE.
Acredito ter sido um grande esforço, para o ator, a
composição do personagem, que exige um enorme desgaste físico e
psicológico. A prova disso é a cena
final, após a qual, o talentoso ator precisa de algum tempo para se recuperar
do excesso de esforço e carma emotiva aplicados nela, para agradecer ao
demorados aplausos.
É comovente o
seu trabalho, digno de premiações.
Para a interpretação do personagem, o ator, que tem
uma forte compleição física (“saradão”, no popular), é muito exigido no que se
refere à expressão corporal e vocal, assumindo posições desconfortáveis para o
físico e tendo de forjar sons e espécies de “grunhidos”, que, só com muita
técnica, treinamento e determinação, podem ser atingidos.
Durante toda a encenação, não consegui desviar o
olhar dele e sentia sua falta, nos poucos momentos em que estava fora do palco. A cena final é impactante, esplendorosa, e
provoca, nos espectadores, várias leituras, como tive a oportunidade de ouvir,
à saída do teatro. Eu fiz a minha, mas
não a revelo. Vá conferir.
Para o ator, aplausos de pé e um grito (ou muitos) de
“BRAVO!”.
Vandré Silveira, o grande destaque da peça.
Na pele do SR. ROSS, DANIEL CARVALHO FARIA, compôs, com bastante competência, a figura
do grande vilão, um homem explorador, ardiloso, ganancioso
e mercenário, que vive a jogar, na cara do protagonista, que a sobrevivência
deste devia-se, única e exclusivamente, à sua “generosidade e espírito
humanitário”. O público é recebido pelo
personagem, como um cicerone, como se estivesse indo ao teatro de variedades, para
assistir a um show de bizarrices. Palmas
para o ator!
Já
DAVI DE CARVALHO, como o DR. TREVES, também faz um bom trabalho,
porém com mais discrição e sobriedade, por conta de seu personagem. Sua posição, com relação ao caso de JOHN MERRECK, é de um investigador,
sério, e, ao mesmo tempo, procura dar a este um tratamento digno de um ser humano,
quase paternal, que cativa o espectador.
Fica-se na torcida de que o DR. TREVES
consiga amenizar o sofrimento daquela pobre criatura, e, para isso, muito
empenho há por parte do personagem.
Brilhante desempenho!
Agradável
surpresa representou, para mim, o trabalho da atriz REGINA FRANÇA, até então desconhecido, se a memória não me trai. Desdobra-se em pequenos papéis, até chegar à
personagem SRA. KENDAL, uma famosa
atriz londrina. REGINA demonstra grande versatilidade, nos pequenos papéis que
representa na trama, e muita personalidade quando interpreta sua personagem
principal. Gostaria de vê-la muito mais
vezes no palco, repetindo a correção dedicada a este trabalho.
É correta a iluminação de WAGNER ANTÔNIO, assim como satisfazem os cenários de AURORA DOS
CAMPOS, divididos em três espaços, o que fez a já pequena capacidade do
teatro (72 lugares) ser reduzida a 40.
Mas foi por uma boa causa. Bons,
também, são os figurinos, de VALENTINA SOARES. Tudo isso é embalado por uma interessante direção musical e trilha sonora de DR. MORRIS
(não entendi bem o nome). A antiga “maquiagem”, que passou a ser
“caracterização” e, hoje, recebe o nome de “visagismo”, neste espetáculo passou
a ser “identidade visual”. Não importa o nome que se dá a tal função; o
que interessa é dizer que o trabalho do BALÃO
DE ENSAIO (?), responsável por ela, é muito importante, nesta peça, e foi
muito bem executado.
A realidade
das sombras.
Um único aspecto
negativo não poderia deixar de ser citado, que diz respeito à acomodação do
público. Pela complexidade da proposta e
por seu ineditismo, houve necessidade de que o reduzido espaço do teatro
perdesse 32 de seus assentos, sendo que os restantes foram trocados por
almofadões, reservando-se cerca de uma dezena de cadeiras apenas, destinadas às
pessoas idosas ou a quem apresente problemas de locomoção ou algo
semelhante.
Ocorre que, como as cenas se dão em pontos opostos, o
público se vê na necessidade de se virar, várias vezes, o que gera um grande
desconforto, ainda mais se considerarmos que o espetáculo tem a duração de 120
minutos.
Mas isso não deve ser considerado um obstáculo ou
desestímulo para se ir ao teatro OI
Futuro Flamengo, para assistir a um dos melhores espetáculos em cartaz no
momento.
Maus tratos, antes da intervenção do Dr. Treves.
“Salvo” pelo Dr. Treves.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Bernard Pomerance
Idealização: Cia Aberta
Encenação: Cibele Forjaz e Wagner Antônio
Assistente de direção: Artur Abe
Elenco: Daniel Carvalho Faria, Davi de Carvalho, Regina França e Vandré
Silveira
Iluminação: Wagner Antônio
Cenário: Aurora dos Campos
Figurino: Valentina Soares
Direção musical e trilha sonora: Dr Morris
Identidade Visual: Balão de Ensaio
Ilustração: Antonio Sodré Schreiber
Fotografia: Vitor Vieira (divulgação) e Rodrigo Castro (cenas)
Direção de produção: Paulo Mattos
Produção executiva RJ: Tamires Nascimento
Produção executiva SP: Paulo Arcuri
Operação de luz: Lívia Ataíde
Operação de som: Dominique Arantes
Uma
das cenas mais interessantes do espetáculo.
Daniel, Vandré, Regina e Davi: cena impactante.
SERVIÇO:
Temporada: Até 8 de fevereiro
Horários: De 5ª feira a domingo,
às 20h
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e
R$ 10,00 (meia)
Vendas: na bilheteria e no “site” www.ingressorapido.com.br
Local: OI Futuro Flamengo
Endereço: Rua Dois de Dezembro,
63 – Flamengo.
Classificação etária: 16 anos
Capacidade: 40 lugares
Duração: 2 horas
Gênero: Drama
Funcionamento da
Bilheteria: de 3ª a 6ª feira, das
14h às 20h; sábados, domingos e feriados, das 14h às 20h.
Informações: (21) 3131.3060
(FOTOS: VÍTOR VIEIRA –
divulgação – e RODRIGO CASTRO - cenas)
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