REI
LEAR
(“QUE
REI SOU EU, SEM REINADO E SEM COROA? SEM
CASTELO E SEM RAINHA, AFINAL, QUE REI SOU EU?” - Herivelto Martins)
É um
monólogo? Sim.
Mas é um SHAKESPEARE? Sim.
Então, não
pode ser!!!
Pode, sim, é
excelente e está em cartaz no Teatro dos
Quatro (ver SERVIÇO, ao final
desta resenha). E só pôde ser possível a
concretização desse projeto, graças à reunião de três grandes talentos (SHAKESPEARE é “hors-concours”): GERALDO CARNEIRO, ELIAS ANDREATO e JUCA DE
OLIVEIRA.
O espetáculo é
REI LEAR, uma das obras-primas do
bardo inglês, tragédia muito longa e dividida em cinco atos, transformada,
nesta versão, num monólogo que dura apenas 60 minutos, o suficiente para que a
história do rei da Bretanha, que abriu mão de sua realeza e de todos os seus
bens materiais a favor de duas das três filhas e que acaba por ser traído por
elas, seja contada.
Juca de Oliveira / Rei Lear.
Sem muita
coragem e excessivo talento, não se pode ousar tanto. Neste ano, um outro trabalho semelhante (uma
tragédia shakespeariana, transformada em monólogo, com o único ator fazendo
quase todos os personagens, já marcou o ano teatral de 2014: Ricardo III, adaptado por Gustavo Gasparani e Sérgio Módena, irretocavelmente,
interpretado pelo próprio Gasparani,
que faz 21 dos 54 personagens da peça.
Agora, é a vez de JUCA DE OLIVEIRA brilhar, em trabalho similar, se bem que, nesta adaptação,
menos da metade dos cerca de 20 personagens “aparecem” em cena, sem que isso,
em nada diminua a insuperável qualidade da experiência. Além do protagonista, o ator vive mais cinco
personagens: as três filhas (GONERIL,
REGAN e CORDÉLIA), além do BOBO
(sua consciência e o único capaz de lhe chamar a atenção, com
relação a seus erros, sem correr o risco de perder o pescoço) e do nobre
KENT (CAIO).
A peça foi escrita, pelo que se supõe, em torno de 1604/1605 (cerca de dez anos
antes de morrer seu autor, numa fase de grande maturidade como escritor) e já foi
adaptada, repetidas vezes, para o teatro e o cinema.
Montar uma peça de SHAKESPEARE, hoje, como a escreveu o dramaturgo, é um desafio muito
grande, para atores, diretores e produtores, visto que seus textos reúnem
muitos personagens / atores, são extremamente longos e escritos em linguagem
rebuscada, normalmente em versos, e, infelizmente, em função de vários fatores,
o grande público não se volta muito para esse tipo de espetáculo. Apenas uma minoria sabe apreciar o talento do
autor e encontrar prazer em assistir à encenação de um de seus textos, até
mesmo se comédia for, no original.
Algumas
pessoas não aceitam a proposta de se adaptar uma obra de qualquer autor, menos
ainda de um dos expoentes máximos da dramaturgia universal, e já ouvi alguém
dizer que teme que, de agora em diante, só se faça uso desse artifício para se levar
um SHAKESPEARE à cena. Não engrosso esse bloco. Acho que sempre haverá idealistas e corajosos
produtores, diretores e atores para a montagem de um “original”, e não vejo nada
de errado em tais adaptações, desde que sejam bem feitas, como a que serve,
agora, de análise e a citada Ricardo III.
Em
60 anos de palco, JUCA DE OLIVEIRA,
seguramente, um dos maiores atores brasileiros, já teve, antes, a oportunidade
de representar o grande autor três vezes: atuou em Júlio César (1966), interpretando Marco Antônio; Ricardo III (1975) e Othello (1982), estas como
protagonista, outros três belíssimos trabalhos, dos quais (os dois últimos)
guardo belas recordações, que não se apagaram, nem se apagarão, com o tempo.
SINOPSE:
LEAR, o idoso rei
bretão, decide dividir o reino entre suas três filhas: GONERIL, esposa do Duque de
Albany; REGAN, esposa do Duque da Cornualha; e CORDÉLIA, sua favorita, que tinha por pretendentes o Rei da França e o Duque da
Borgonha. Para calcular a
partilha, pede às filhas que expressem a gratidão e o amor que sentem por ele,
pelo pai. GONERIL e REGAN,
gananciosas e falsas, fazem discursos aduladores, em que afirmam que o amam mais
que qualquer coisa no mundo. CORDÉLIA, por outro lado, sensata e
verdadeira, contraria as expectativas do rei e afirma que o ama "como
corresponde a uma filha, nada mais, nada menos".
Irritado com essa resposta, LEAR
deserda-a e expulsa-a do reino, entregando-a, sem dote, ao Rei da França, que a
aceita assim mesmo, por amá-la de verdade.
KENT
intercede por CORDÉLIA e também
termina banido, entretanto, em vez de partir para o exílio, retorna ao reino,
disfarçado de CAIO, e põe-se ao
serviço de LEAR, quando este se
encontrava na corte de GONERIL.
De acordo com o trato entre o pai e as duas filhas herdeiras, o rei deveria
ser atendido por uma corte de cem cavaleiros e alternaria a hospedagem na casa
de cada uma de suas filhas, a cada mês. GONERIL, porém, reduz o número de serviçais
do rei “aposentado” e impõe que as ordens deste sejam ignoradas pelos serviçais.
LEAR
se enfurece contra a filha ingrata e busca refúgio nos domínios de REGAN, sem saber que as duas estão
mancomunadas, contra ele, conspitando contra sua integridade física e moral.
Pai e filhas se reencontram, tempos depois, na casa do CONDE DE GLÓCESTER, onde o rei rompe, definitivamente, com as
filhas, após se certificar da traição e ingratidão das duas. O velho rei é expulso da casa, na companhia
apenas do seu BOBO e de KENT / CAIO.
Uma grande tempestade desaba sobre o rei e seu esquálido séquito. LEAR,
já mostrando sinais de loucura, refugia-se numa cabana, guiado por Glócester, que não pode suportar a
maneira como as filhas tratam o pai.
O ex-monarca, agora completamente louco, é guiado, por KENT, ao reencontro com CORDÉLIA.
Com a razão parcialmente recuperada, ele
tem vergonha do seu comportamento anterior, mas CORDÉLIA, muito cordata, não mostra nenhum rancor em relação ao pai
e lhe perdoa. Reconciliam-se.
Nesta interessantíssima versão, o tradutor e adaptador optou por terminar a
peça com um “happy end”, desprezando as várias mortes que acontecem no
original, incluindo a do REI LEAR e as
das três filhas.
ALGUMAS OBSERVAÇÕES PERTINENTES SOBRE O ESPETÁCULO:
1) Não há como negar que REI
LEAR é mais do que contemporâneo, se considerarmos que SHAKESPEARE criou um texto rico e
complexo, que trata das grandes forças motrizes da humanidade, ontem, hoje e
sempre, como o ódio, o amor, a compaixão, a lealdade, a cobiça, a ingratidão e a
traição. Ainda que escrita no
século XVII, o que se vê, em REI LEAR,
ainda permanece atual, numa comparação entre a atitude das duas filhas do velho
REI com as de muitos filhos e filhas
de hoje, que continuam expulsando de casa os velhos pais, para encarcerá-los em
asilos, visitando-os ou não, até a morte.
A velhice, ou melhor, como ela é tratada nos nossos dias, é um mote que
permeia a peça do início ao fim.
2) Como uma das justificativas para a
grande aproximação entre o palco e a plateia, LEAR está presente nos dias de hoje, como um pai comum. Poderia estar na pele de um poderoso
empresário, rico e influente, que constrói um império, uma fortuna, que lhe
assegura um poder e, de repente, ao atingir a maturidade de seu poder, vê-se na
contingência de abrir mão de seu “status”, muitas vezes, de forma insana ou,
pelo menos, descuidada, a favor de herdeiros, que acabam por dilapidar um
império tão difícil de ser construído.
3) O grande protagonista desta história é, ao mesmo tempo, o sujeito da
narrativa, ora agente, ora paciente; ora narrador de sua saga, ora protagonista
dela.
4) Leva-se, da peça, uma grande lição.
Como grande conhecedor e estudioso da alma humana, talvez o
grande primeiro “psicanalista” da História, SHAKESPEARE, (in)diretamente, nos aconselha a que os pais jamais deveriam transferir, em
vida, seus bens para o nome dos filhos. É
uma lição cruel a ser aprendida, ainda hoje, pela pena do genial dramaturgo,
por meio de seu REI LEAR.
5) Dois momentos são marcantes nesta encenação. O primeiro é quando o REI, depois da grande decepção com as duas filhas, desafia as
forças da natureza e clama aos deuses que não poupem as ingratas de toda sorte
de maldição. O ator transforma-se, de
uma maneira comovente, num ser vingativo, o que demanda uma forte dose de
emoção, presentes na expressão corporal e facial, assim como no tom de
voz. O público fica tenso durante a
cena, o que é, obviamente, muito bom, sinal de que a verdade jorra das palavras
e ações do grande ator JUCA DE OLIVEIRA. O outro é o reencontro com CORDÉLIA e a troca de perdões e carinho
entre pai e filha, o renascimento da esperança.
Da mesma forma forte, por outro viés, a cena também provoca muita
comoção no público.
6) Todos os elogios feitos à tradução e adaptação de GERALDO CARNEIRO serão ainda
insuficientes. Ele conseguiu, com muita
propriedade, atingir um equilíbrio entre o clássico vocabulário original e
inserções linguísticas mais próximas à nossa realidade, sem macular o original,
utilizando um vocabulário, ao mesmo tempo, refinado e simples, objetivo, que se
presta, de forma natural, à compreensão do texto por parte de qualquer indivíduo
de inteligência e sensibilidade consideradas normais. Tive a grata oportunidade de cumprimentá-lo
pessoalmente, visto que estava sentado à minha frente, visivelmente emocionado,
no dia da sessão para convidados.
7) A correta e brilhante direção
de ELIAS ANDREATO, como já vi
acontecer em espetáculos anteriores, dirigidos por ele, opta pela simplicidade,
pela objetividade, transferindo ao ator o foco principal. Dessa forma, JUCA DE OLIVEIRA, com seu indiscutível talento, dá uma aula de
interpretação, permitindo que sejam, facilmente, identificados todos os
personagens e momentos em que atuam, por meio de variadas expressões faciais e
corporais, associadas a diferentes vozes.
Quando o ator se apresenta como o REI
LEAR, consegue passar, de forma transparente, a figura do monarca confuso, angustiado, insano e
cercado de inescrupulosos inimigos. Da
mesma forma, conduz cada um dos outros personagens que representa.
8) Merece um destaque o fato
de que toda emoção e energia que partem do palco, em direção à plateia, são
construídas sem o auxílio de qualquer elemento de cena – cenário (FÁBIO NAMATAME) -, a não ser uma cadeira simples, onde o
personagem inicia sua atuação e a termina, assumindo uma mesma postura. Em compensação, tudo é posto em relevo por uma
boa iluminação, de WAGNER FREIRE, a qual cria ambientes e
momentos de nebuloso mistério, em memoráveis efeitos plásticos.
9) Combina com tudo o figurino correto, também de FÁBIO NAMATAME, que apresenta um rei sem
coroa, sem trono nem a postura da
realeza. O visagismo do personagem,
certamente de propósito, o aproxima de um homem comum.
10) É excelente a trilha sonora assinada por DANIEL
MAIA.
FICHA TÉCNICA:
Texto: WILLIAM SHAKESPEARE
Tradução e Adaptação: GERALDO CARNEIRO
Elenco: JUCA DE OLIVEIRA
Direção: ELIAS ANDREATO
Assistente de Direção: ANDRÉ ACIOLI
Figurino e Cenário: FÁBIO NAMATAME
Iluminação: WAGNER FREIRE
Preparação Corporal: MELISSA VETTORE
Trilha Sonora: DANIEL MAIA
Fotografia: JOÃO CALDAS FILHO
Logo: ELIFAS ANDREATO
Programação Visual: VICKA SUAREZ
Making-Off: REMBRANT ARTS
Texto: WILLIAM SHAKESPEARE
Tradução e Adaptação: GERALDO CARNEIRO
Elenco: JUCA DE OLIVEIRA
Direção: ELIAS ANDREATO
Assistente de Direção: ANDRÉ ACIOLI
Figurino e Cenário: FÁBIO NAMATAME
Iluminação: WAGNER FREIRE
Preparação Corporal: MELISSA VETTORE
Trilha Sonora: DANIEL MAIA
Fotografia: JOÃO CALDAS FILHO
Logo: ELIFAS ANDREATO
Programação Visual: VICKA SUAREZ
Making-Off: REMBRANT ARTS
Gestão de Patrocínios: AT Cultural
Produção Rio: GÁVEA FILMES – BIANCA DE FELIPPES
Produção Executiva RJ: GABRIEL BORTOLINI
Direção de Produção: KEILA MÉGDA BLASCKE
Assessoria de Imprensa: JSPONTES COMUNICAÇÃO – JOÃO PONTES e STELLA STEPHANY
Produção Rio: GÁVEA FILMES – BIANCA DE FELIPPES
Produção Executiva RJ: GABRIEL BORTOLINI
Direção de Produção: KEILA MÉGDA BLASCKE
Assessoria de Imprensa: JSPONTES COMUNICAÇÃO – JOÃO PONTES e STELLA STEPHANY
SERVIÇO:
TEATRO DOS QUATRO (Shopping da Gávea – 2º piso)
Horários: De quinta-feira a sábado, às 19h.
Domingo, às 18h30min.
Temporada até 30 de novembro.
Considero este espetáculo um grande presente de Natal antecipado, digno
do nome de WILLIAM SHAKESPEARE.
(FOTOS: JOÃO CALDAS FILHO)
Amei a resenha, vou assistir o mais rápido possível!
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