AS TRÊS IRMÃS
(CABE TUDO NUM JARDIM?)
Alguém, ou um grupo de amigos, que se propõe a
encenar um clássico da dramaturgia universal já merece todo o meu
respeito. Se for uma peça de um senhor
chamado Anton Pavlovitch TCHEKHOV, o respeito é
maior ainda.
Para se montar TCHEKHOV,
é preciso muita coragem, ousadia, determinação e criatividade. Tudo isso pode ser encontrado na montagem que
está ocupando o Jardim do Casarão Austregésilo de Athayde.
No tocante à
criatividade, esta montagem leva uma grande vantagem em relação a outras a que
assisti, ao longo de algumas décadas de dedicação ao TEATRO. É que, em geral, o texto, dividido em quatro
atos, é assim representado, com intervalos, nas salas convencionais, contando,
normalmente, com muitos cenários e figurinos pomposos.
O toque criativo desta
produção, muito pelo fato de ser modesta, do ponto de vista orçamentário, é que
os quatro atos foram condensados em apenas um, com 120m de duração,
aproximadamente, e todas as cenas acontecem nos jardins de uma uma linda e aconchegante construção
do século XIX, em pleno Come Velho ,
quase ao lado da estação do trem que leva ao Corcovado. Nesse mesmo Casarão, já assisti a três
ou quatro outras belas produções.
As três irmãs: Gisela de Castro, Paulo Sandroni e
Julia Deccache.
Além
das três irmãs, o irmão Andrei, Rodrigo Cirne.
Alguns críticos apontam AS
TRÊS IRMÃS como a obra-prima do dramaturgo russo, e eu – hoje, não entendo
por quê -, durante muito tempo, também fui da mesma opinião, entretanto, já faz
um bom tempo, deixo-me encantar mais por A GAIVOTA, TIO VÂNIA e O
JARDIM DAS CEREJEIRAS.
Qualquer sinopse deste texto ocuparia um longo
espaço. Tentarei fazê-lo da forma mais
enxuta, não garantindo que isso aconteça, sem prejuízo para quem não conhece a
história.
Nesta peça, as
estações do ano têm um papel de destaque, uma vez que, metaforicamente, estão
relacionadas aos momentos que vivem os personagens. A história tem início no dia do aniversário
de IRINA, a mais nova das três irmãs,
um ano após a morte do pai das moças, e bem poderia ser chamada, também, sem
nenhuma impropriedade, de OS QUATRO IRMÃOS,
por causa de ANDREI, o irmão das três
protagonistas, peça também importante no enredo.
A peça se
inicia, quando é primavera, estação do renascimento, quando há um despertar da
natureza, bem como das esperanças das três irmãs PROZÓROV - IRINA, OLGA e MACHA. As três revivem os
seus sonhos, entre os quais está o desejo de voltar a Moscou, onde nasceram e
viveram os primeiros anos de suas vidas, desejo este mais forte em IRINA e OLGA. MACHA não considera possível tal regresso, mas sonha com uma
mudança na sua vida, uma vez que vive, com dificuldade, a “normalidade” do
casamento. O quarto e último ato
passa-se no outono, estação que prepara o corpo e a alma para o inverno, o qual
traz o frio da morte, o desalento, o fim de um ciclo. No outono, também ocorre a emigração das aves,
cujos cantos tanto alegram a nossa vida, durante a primavera e o verão, e o
cair das folhas, com o levar dos sonhos das irmãs.
As três falam,
o tempo todo, em voltar para Moscou, onde acham que tudo tem algum propósito,
já que, onde vivem, levam uma vida muito monótona, sem ter nada de interessante
para fazer o dia todo. É uma peça cuja
história deve ser deduzida, exclusivamente, dos diálogos entre os personagens,
uma vez que não há nada que nos dê maiores explicações sobre o passado ou a
personalidade de cada um deles. Mas, aos
poucos, pelo que dizem e por suas atitudes, vão sendo delineados seus perfis, o
que levará os espectadores a entender o comportamento de cada um dos actantes.
As personagens
são extremamente superficiais, reclamam o tempo todo de tédio e os diálogos são
desconexos. Cada um está tão envolvido
em si mesmo, que falam, simplesmente, o que pensam e não, necessariamente, o
que a conversa pede, e isso até gera situações constrangedoras.
ANDREI sonha em ser professor em uma
grande universidade de Moscou e está noivo de uma mocinha, que as irmãs não
aprovam. Sonhos e tédio resumem o que
seria o primeiro ato da peça.
Passam-se
alguns anos e quase nada mudou.
Continuam as reclamações diárias das três personagens principais. Agora, OLGA
e IRINA encontraram um trabalho, o
que, naturalmente, seria motivo para que parassem as lamúrias, já que teriam
com o que se ocupar, no entanto elas continuam em suas lamentações, por terem
de trabalhar em empregos que não lhes agradam.
ANDREI está casado com NATACHA, tem um
filho e está obeso, um dos indícios de
decadência. Não se tornou professor,
como era seu desejo, e sim secretário do Setor Rural. Tudo continua na mesmice, um tédio só, e os
sonhos estão quase morrendo, enquanto uma nova e cruel realidade começa a ser
desenhada: NATACHA, a cunhada não
bem aceita pelas três irmãs, tão fútil superficial e aparentemente amistosa, no princípio, numa virada
de personalidade, aproveita-se do estado de ânimo, de fraqueza, dos quatro
irmãos e passa a dominar a propriedade, de forma autoritária, inclusive com
maus tratos direcionados a ANFISSA,
uma velha ama octogenária, que ajudou a criar as moças e o irmão, defendida por OLGA, que promete à anciã serviçal, no
final da peça, cuidar dela até o fim de seus dias.
Com relação a ANDREI, ele, que, no início da trama, é
mais profundo e poético nas suas intervenções e no seu amor por NATACHA, com o avançar da ação, depois
de abandonar suas pretensões a uma carreira acadêmica, passa a ser totalmente
dominado pela mulher e perde-se no jogo e na bebida, com TCHEBUTÍKIN, endividando-se ao extremo, chegando ao ponto de ter de
hipotecar a casa.
MACHA, esposa de um
ex-professor, aos poucos, percebe a mediocridade do marido e se deixa levar
pelos encantos do comandante VERCHININ,
o qual chegara àquela província com o seu destacamento, enquanto dois de seus
oficiais fazem a corte a IRINA. O comandante, casado e pai de duas filhas,
lamenta-se pelo mau casamento feito, reclama muito da mulher, e isso faz com que MACHA, igualmente infeliz no matrimônio, alimente, cada vez mais,
uma relação séria com ele, o que acaba por não ser levado a efeito, pois o destacamento
se retira da cidade, levando a esperança de MACHA e também de IRINA,
cujo pretendente morre num duelo, enquanto OLGA
se conforma, aceitando o cargo de diretora da escola, que ela não queria. As três abdicam, assim, de seus sonhos de
mudança.
Todas as principais
personagens da peça sonham com uma vida melhor, mas não chegam a tomar a
iniciativa para concretizar os seus objetivos, não compreendem os seus próprios
sentimentos e os seus discursos revelam-se um misto de emoções confusas.
O texto de TCHEKHOV acaba por ser uma reflexão
sobre a posição vulnerável das três irmãs que, no final, são incapazes de
enfrentar a arrogância de NATACHA ou
de se determinarem a voltar para Moscou.
Enquadrar AS TRÊS IRMÃS numa única categoria de TEATRO não é tarefa das mais fáceis,
entretanto, numa balança, um dos pratos penderia mais para o drama, ainda que
possam ser detectadas, no texto, pitadas de humor, como é o caso de TCHEBUCHKIN, o médico velho, amigo da família, que, a despeito de
viver se culpando pela morte de uma paciente, quando, ao lhe fazer um
atendimento, estava bêbado, é bastante engraçado, toda vez que diz não se
lembrar mais nada sobre medicina. O
texto também contempla bastante a ironia, principalmente por parte das três
irmãs com relação à indesejada cunhada.
A
montagem me agradou pelo todo e aqui vão alguns comentários particulares, que
julgo necessários a um melhor resultado e a apresentação da ficha técnica:
1) Quanto ao elenco, à exceção de CASSIO
PANDOLF (TCHEBUTYKIN), GISELA DE
CASTRO (MACHA), PAULA SANDRONI
(OLGA), JULIA DECCACHE (IRINA) e
RODRIGO CIRNE (ANDREI), os quais
sustentam o mesmo bom nível de interpretação durante todo o desenrolar da
trama (gostei do quinteto), os demais oscilam um pouco de cena para cena. É o caso, por exemplo, de NATASHA CORBELINO (NATACHA), que me
pareceu um pouco “fria”, inexpressiva e "forçada", em suas primeiras aparições, entretanto eleva bastante
seu nível de interpretação, quando sua personagem “bota as unhas de fora”, ou
seja, quando revela sua verdadeira personalidade, austera, agressiva, déspota. Os demais que compõem o elenco cumprem bem suas funções, sem
destaques especiais.
Cassio, Gisela e Paula.
Julia e Rodrigo.
2) Com relação à direção, não vejo nenhum grande
deslize, mas, por se tratar de algo incomum no TEATRO, uma encenação ao ar livre, num jardim de grandes
proporções, acho que alguns detalhes simultâneos, em algumas cenas, se perdem do
público, em função de ultrapassarem o ângulo de visão do espectador. Também é um pouco grande a distância entre a
plateia e algumas ações. É preciso, também,
orientar os atores no sentido de projetar melhor a voz, num ambiente totalmente
hostil a qualquer técnica relacionada ao assunto, porquanto, ali, as condições
de acústica podem ser consideradas quase zero.
Confesso que perdi alguns trechos de algumas falas, e já me antecipo, dizendo que
fiz, recentemente, uma audiometria, a qual me revelou uma excelente saúde
auditiva. O texto é muito longo e foi
ótima a resolução de concentrar os quatro atos num só, contudo creio que daria
para serem feitos mais alguns cortes, tornando a peça menos monótona, o que
também pode ser alcançado, exigindo-se, do elenco, um ritmo mais acelerado,
embora o “tempo arrastado” seja uma das características das obras de TCHEKHOV. Mas aplaudo a diretora, MORENA CATTONI
e o seu diretor-assistente, DANIEL CHAGAS, pela coragem, pela
iniciativa e por todo o empenho voltado à realização de um belo espetáculo.
3) Parabéns ao elenco: AMANDA VIDES VERAS (não assisti ao
espetáculo com ela; está substituindo JULIA
DECCACHE, no papel de IRINA), ARTHUR ROZAS (FEDOTIK - o fotógrafo), CARLOS
NEIVA (SOLIONI), CASSIO PANDOLPH (TCHEBUTYKIN), CHICA
OLIVEIRA (ANFISSA), GISELA DE CASTRO
(MACHA), JEAN MACHADO (BARÃO
TUZENBACH), JOSÉ GOMIDE (FERAPONTE –
o velho surdo), JULIA DECCACHE
(IRINA), MARCELO MORATO (KULYGUIN),
NATASHA CORBELINO (NATACHA), PAULA SANDRONI (OLGA), PAULO ROQUE (VERCHININ) e RODRIGO CIRNE (ANDREI).
4) Preparação vocal: VERÔNICA
MACHADO. Acho que ainda deveria
trabalhar um pouco mais com os atores, considerando o fato de a peça ser feita
ao ar livre, contando, ainda, com os inevitáveis e desagradáveis ruídos externos. No dia em que assisti, volta e meia, ouvíamos
urros e toques de vuvuzelas, já que estava acontecendo um jogo de futebol desta
malfadada Copa do Mundo.
5) Direção de arte: LUCIANA
FOCALUCI.
6) Assistência de Cenografia: MONIQUE
ROSA e FERNANDA CORREIA. Curiosamente, a ficha técnica não fala em “cenografia”, pois o cenário é fornecido pela própria
natureza e pelos demais componentes artificiais do belíssimo jardim do Casarão. Essa assistência
deve estar relacionada a alguns objetos que são agregados à cena; simples, baratos,
mas que ajudam a compor as diversas ambientações.
Cenário
natural.
Outra visão do
cenário natural.
7) Figurinos: CÉSAR SOARES. Modestos, porém ajustados aos personagens
e à época em que se passa a trama.
8) Assistência de figurino: VALENTINA
FARRAH.
9) Produção do CASARÃO AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE, CLARA SANDRONI.
10) Idealização: GISELA DE
CASTRO, MORENA CATTONI e PAULA SANDRONI.
Olha o passarinho!
Olha o resultado!
Louvo, imensamente, a
iniciativa e gostaria de ver muitos outros espetáculos “alternativos!”
encenados naquele simpático espaço. Quem
sabe outros textos do próprio TCHEKHOV,
já que, na minha visão, cabe tudo nesse jardim?!
Natasha Corbelino, eu e
Gisela de Castro.
Paula Sandroni, eu e
Rodrigo Cirne.
Cassio Pandolph e eu.
O espetáculo é apresentado GRATUITAMENTE e ficará em cartaz de 6ª feira a domingo, até 20 de julho, às 16h, no Casarão Austregésilo de Athayde, rua Cosme Velho, 599, quase ao lado da estação do trem para o Corcovado. Reservas: email astresirmasnojardim@gmail ou telefone (21)97321-3133.
O espetáculo é apresentado GRATUITAMENTE e ficará em cartaz de 6ª feira a domingo, até 20 de julho, às 16h, no Casarão Austregésilo de Athayde, rua Cosme Velho, 599, quase ao lado da estação do trem para o Corcovado. Reservas: email astresirmasnojardim@gmail ou telefone (21)97321-3133.
(FOTOS: PRODUÇÃO / DIVULGAÇÃO DO ESPETÁCULO;
PÁGINA DA PEÇA NO FACEBOOK e MARISA SÁ.)
Espetáculo é denso, belo.
ResponderExcluirApesar de não ser uma especialista, concordo com sua resenha.