“A ÚLTIMA ATA”
ou
(SERIA CÔMICO,
SE NÃO FOSSE TRÁGICO.)
ou
(O LÁ É O AQUI;
E AGORA.)
Alguma coisa boa, em meio ao CAOS que estamos vivendo
no Brasil – e, aqui, falo, especificamente, do Rio de
Janeiro, em vários sentidos, principalmente o político e o cultural –
tinha que acontecer, de repente. Desde uma noite, há cerca de um mês e meio,
quando estive no complexo "Poeira / Poeirinha", para assistir a uma
peça, no primeiro, e encontrei algumas pessoas amigas do elenco
de “A ÚLTIMA ATA”, que lá estavam para assistir a uma outra peça,
no Poeirinha, e eles me falaram que estavam ensaiando um grandioso
espetáculo, “com mais de 10 atores no elenco” (Agora, sei
que são, exatamente, 11.), todos do “primeiro time”, sem
que me informassem sobre o título da peça, já acendi o meu sinal
de alerta e comecei a me interessar pelo que estava por vir, motivado também
pelo fato de ficar sabendo que a direção era de VICTOR GARCIA PERALTA,
mais um aditivo para a minha curiosidade e ansiedade.
Foto: Gilberto Bartholo.
Até receber o convite para uma sessão dedicada à classe
artística, numa segunda-feira, dia 10 próximo passado, da peça
“A ÚLTIMA ATA” (“The Minutes”) no "Teatro das Artes",
(Shopping da Gávea – Rio De Janeiro – VER SERVIÇO.), não havia “ligado
o nome à pessoa”, ou seja, não desconfiava de que aquela era a peça
da qual me haviam falado aqueles amigos que eu encontrara no "Poeirinha".
Foto: Gilberto Bartholo.
“A ÚLTIMA ATA” é, por várias razões, motivo de muito
orgulho para quem é fã ardoroso do bom TEATRO, como se fazia
antigamente, sem nenhuma conotação de saudosismo; é apenas a constatação de uma realidade.
Vivendo o momento conturbado por que o país vem passando, extremamente
polarizado, às vésperas de uma eleição para a presidência da República,
na qual está em jogo o destino de um país continental - salvá-lo da imensa
degradação a que fomos condenados, nos últimos quatro anos, ou jogar uma pá de
cal sobre o CAOS, para “o defunto feder menos”, e enterrar,
de vez, o obscurantismo, a intolerância, o negacionismo, os preconceitos, a
mediocridade, a mentira e o ódio -, encenar uma peça que tem tudo a
ver com esse momento, com 11 atores em cena, é digno dos nossos
maiores aplausos e agradecimentos a quem a idealizou, traduziu, adaptou
o texto e é responsável pela produção da montagem, JOSÉ PEDRO
PETER; à direção; ao elenco; a todos os artistas de
criação; e aos técnicos. Um batalhão de competentes e dedicados
profissionais, para a garantia de um espetáculo de primeira linha.
A peça foi escrita em 2017, porém só foi
encenada, na Broadway, este ano, com o título de “The
Minutes”, obra do consagrado dramaturgo TRACY LETTS, o mesmo que
escreveu “Agosto”, grande sucesso de público e de crítica,
também com um elenco de 11 atores, que abiscoitou muitos prêmios,
quando estreou, no Brasil, em 2018. “The Minutes”
foi indicada, este ano, ao “Tony Awards”, como melhor peça inédita,
considerada, pela crítica norte-americana, como “uma
das melhores peças encenadas na Broadway, nos últimos anos”.
Isso não é pouca coisa mesmo!!!
Fico pasmo, quando penso que um dramaturgo, tão
distante de nós, geograficamente e do ponto de vista sociocultural, possa ter
escrito uma peça tão representativa da situação política brasileira do
momento, sem ter tido essa intenção. Isso nos leva à conclusão de que se trata de um texto “urgente
e atemporal”, na visão de JOSÉ PEDRO PETER, o idealizador da
montagem, a que eu acrescento “universal”, pela qualidade
da dramaturgia e o impacto que a encenação gera nas plateias.
Está mais próxima à realidade de um país ou de outro; no caso do Brasil,
identificação total. O fato de saber que a peça foi escrita por
um dramaturgo norte-americano, passando a ação numa aldeia fictícia,
chamada “Big Cherry”, não ficando claro onde ela se situa, de
certa forma, nos serve, um pouco, de alento, quando percebemos que não somos
apenas nós, brasileiros, a chafurdar na lama que espalham à nossa frente. Já
diziam Cazuza e Arnaldo Brandão, “Transformam
o país inteiro num puteiro, / Pois, assim, se ganha mais dinheiro.”.
SINOPSE:
Os holofotes da peça pairam sobre uma reunião de políticos, vereadores, em que hipocrisia, ganância,
ambição e corrupção sobem à superfície, quando um novo morador da
cidade, e membro recém-empossado, o vereador Amadeu (ALEXANDRE
VARELLA), começa a fazer perguntas “inconvenientes”.
Para esta montagem, diferentemente da
original, por ideia do seu diretor, a ação foi deslocada do ambiente da Câmara
de Vereadores, cujo prédio “sofera danos estruturais, devido a
chuvas intensas e duradouras”, para o Theatro Municipal
do lugar, na busca de uma metalinguagem.
Tudo acontece dentro de um Theatro,
deixando, ao espectador, uma ideia de que tudo aquilo a que ele assiste
não é uma realidade, mas uma representação teatral.
Onde foi parar a última ata?
Por que o vereador César (ARY COSLOV) não
faz mais parte daquela Câmara?
As menores cidades guardam os maiores segredos.
A trama, que tem um mistério como fio condutor,
apresenta, como pano de fundo, o disparate coletivo dos vereadores da Câmara
local.
Um dos temas centrais é até que ponto estamos dispostos a ir, para não nos descobrirmos do lado errado da História; se é que o desejamos.
A
fartura de elementos e de detalhes, no palco, é tão superlativa,
nesta encenação, que fico meio perdido, sem saber por onde começar meus
comentários, a ponto de ter assistido ao espetáculo duas vezes, para
poder escrever como gosto, da forma mais abrangente e profunda que a peça
merece. Creio que o melhor caminho seria começar pela coragem de JOSÉ
PEDRO PETER, quando se decidiu a produzir esta peça, que já
deveria ter estreado, antes da pandemia de COVID-19. A mesma coisa de
sempre é traduzida nas palavras de PETER: “Produzir TEATRO, no
Brasil, é uma verdadeira ‘via-crúcis’, especialmente quando não se tem
patrocínio ou lei de incentivo. Mas a convicção de que eu tinha uma história na
qual eu acreditava e que precisava ser contada, com urgência, sempre me fez
seguir adiante. E eu não poderia estar mais orgulhoso do resultado, sobretudo
da minha parceria com o diretor VICTOR GARCIA PERALTA, que não apenas respeitou
minha visão, mas a expandiu de maneiras brilhantes, que eu nem poderia
imaginar.”.
TRACY
LETTS “abusa” do direito de ser preciso,
direto, dedo firme, comprimindo chagas expostas e provocando dores, nos espectadores,
valendo-se de COMÉDIAS. Aqui, ouso discordar da classificação que a peça
recebe, quanto a seu gênero; eu trocaria por “TRAGICOMÉDIA”.
Os minutos finais da peça guardam uma grande surpresa, uma cena icônica
e extremamente significativa – mas eu não vou dar “spoiler” -,
que funciona como um “direto, de direita, na boca do estômago”. A
digital maior, do consagrado dramaturgo, pelo que conheço de sua obra,
me parece a capacidade de escrever textos em que se propõe a “esclarecer os problemas e choques no mundo moralmente desintegrado
em que vivemos”. Assim acontece em “Killer
Joe” (O título foi mantido em português.) e “Agosto”,
suas duas outras peças que já vi encenadas, ambas excelentes.
Encaro “A ÚLTIMA ATA” como uma bem-sucedida sátira
política, afiada e cáustica, que leva o espectador ao salutar
exercício de refletir sobre o que, nas entrelinhas, embora facilmente
decodificado, é criticado. Para uma reunião ordinária, semanal,
que só acontece à noite, da Câmara Municipal de um lugarejo
chamado Cerejeiras, na versão brasileira (O nome da
cidadezinha já soa estranho. Talvez Bananeiras, Mangueiras,
Laranjeiras ou o nome de outra árvore facilmente encontrada no Brasil
tivesse mais sentido. Parece-me que a opção do tradutor e adaptador
do texto foi proposital; tanto que, no decorrer da peça, em dado
momento, esse nome é questionado; não, porém, pelo nome da árvore.), vão chegando, aos poucos, oito edis,
os quais se juntam a uma supervisora legislativa, Dalila (DEDINA
BERNADELLI), já em cena, cuja ocupação não fica bem clara, além de ser a
responsável por “coordenar” a reunião e ficar, como uma secretária,
com a incumbência de redigir as atas. O presidente da Câmara,
o vereador Mondego (MARIO BORGES) é o primeiro a chegar. Há, no cenário,
sobre o qual falarei, em detalhes, mais adiante, uma cadeira vazia,
antes ocupada pelo vereador César – ficamos sabendo depois -, que
renunciara ao cargo.
O vereador Amadeu (ALEXANDRE VARELLA), o segundo a chegar, depois de Dalila e do vereador Mondego, o presidente, é dentista, um homem íntegro, idealista, justo e de pensamento liberal, mas ingênuo, que havia perdido a última reunião, porque tivera que comparecer ao funeral de sua mãe. Ele e César compartilharam ideais semelhantes e se tornaram aliados amigáveis. Amadeu quer saber o que aconteceu na reunião anterior, que ele havia perdido, e o que acontecera ao amigo, no que não é atendido pelo presidente, assim como, também, este não aceita o seu desejo de que fosse lida, como de praxe, para aprovação, a ata da reunião anterior, da qual, já disse, não pôde participar. Diante de sua dupla insistência, o presidente vai se revelando indignado e, depois, beligerante, uma atitude, no mínimo “estranha”. Isso lhes lembrara alguém assim, por estas bandas?
Dessa forma, nesse clima hostil, o mistério da ata inacabada vai tomando corpo, na mesma proporção que o autor nos faz conhecer as diversas falhas e peculiaridades de caráter dos nove membros da Câmara, com nomes “divertidamente irônicos”, e origens diversas, bem como são constituídos os nossos legisladores. Cerejeiras é bem parecida com uma “Sucupira”, com vários “odoricos” disfarçados em outras identidades civis. Em escala menor, visto que a Câmara de Cerejeiras representa um microcosmo das nossas, temos um representante dos militares, o Capitão Aníbal (ALEXANDRE DANTAS), nada diferente dos nossos, autoritário e muito dissimulado; uma senhora matrona, com ares de evangélica, cujo nome revela sua idade, Violante, nome de “velhas” (ANALU PRESTES), ocupante de uma cadeira há mais de 20 anos, muito prolixa e, até certo ponto, um tanto “barraqueira”; uma professora, Margarida (DÉBORA FIGUEIREDO), que envergonha a classe (Não consigo me esquecer da Dona Margarida, também professora, criação da inesquecível Marília Pêra, em “Apareceu a Margarida”, embora as duas personagens nada tenham em comum.), que parece “ter caído de paraquedas” ali, apática e uma espécie de “vaquinha de presépio”, uma representante do que se convencionou chamar de “baixo clero”, que retoca maquiagem e se dedica a afazeres incompatíveis com o momento; um típico representante da “lei de Gérson”, Dilermano (LEONARDO NETO), um verdadeiro, no popular “vaselina”, o qual luta, tenazmente, para contar com a simpatia de seus pares, pela aprovação de um projeto, que, em princípio, seria para beneficiar portadores de necessidade especial de locomoção, mas que, na verdade, estaria visando a um benefício para a sua irmã, cadeirante, e que custaria mais caro que um outro; um representante da “indefectível” bancada evangélica, o Pastor Fumero (MARCELO AQUINO); o político “profissional”, Gregório (ROBERTO FROTA), o mais antigo de todos, no cargo, com 39 anos de legislatura, o que o faz achar que tal longevidade lhe confere mais direitos que os demais (Leia-se: “regalias” ou “mordomias”.); e por aí vai... Assim como acontece nos nossos corpos legislativos, há uma total predominância de homens, representando o povo local. Apenas 2 mulheres; 22,2222...% do total de vereadores. Dos 9, somente 1 negro; 11,1111...%. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
Serve
aquela reunião para nos revelar questões, grandes e pequenas - muitas
irrelevantes -, que refletem a incompetência egoísta dos vereadores, bem
como a corrupção da cidade, incluindo a revelação de que uma quantidade
absurda de bicicletas roubadas, em Cerejeiras, e recuperadas, sendo
vendida, ilegalmente, por lucros gananciosos, pelo irmão, também
militar, do Capitão Aníbal. O pior de tudo é a descoberta de
que o “Festival de Heranças de Cerejeira”, realizado anualmente,
em homenagem ao homem que “salvou a cidade dos saqueadores índios
guaicurus”, não passa de uma farsa, cultuada e reverenciada, há
mais de 150 anos; uma farsa, do culto a falsos heróis, perpetrada,
por várias gerações de “patriotas cerejeirenses”, motivo de
indignação para o vereador César, o qual traz à tona aquela
terrível mentira. Isso me faz lembrar o lendário “mito” Roque Santeiro,
saído da privilegiada cabeça de um gênio como Alfredo Dias Gomes,
que estaria completando, há poucos dias, cem anos, se ainda estivesse
vivo. Os “mitos” nunca
acrescentam; pelo contrário, fazem um país “apodrecer”.
“A
ÚLTIMA ATA”, pelo conjunto que faz o espetáculo existir, é uma das melhores produções teatrais a que
tive o prazer e o privilégio de assistir, nos últimos anos. A começar pelo brilhante texto
– aqui, refiro-me ao original, principalmente o “enredo”,
e à tradução e adaptação para os nossos palcos, pelo que parabenizo JOSÉ
PEDRO PETER, que procurou se manter fiel a tudo o que escreveu TRACY
LETTS, chamando a si o direito de acrescentar, ao texto, “pinceladas”
de brasilidade, para facilitar a compreensão da trama e a percepção
das críticas que faz o “pai da criança”. Um trabalho de
mestre!
Fazendo por onde continuar merecedor da minha admiração, como um dos melhores encenadores deste país, ainda que nascido na Argentina – brasileiro “por adoção” -, VICTOR GARCIA PERALTA nos brinda com uma senhora aula do que seja uma direção teatral. Imaginem trabalhar com um elenco de 11 excepcionais atores e mantê-los em cena, juntos, pelo quase total de 90 minutos – a duração da peça. Confidenciou-me PERALTA, após a sessão para a classe teatral, ter sido o maior desafio, para ele (E eu diria que o seria para qualquer diretor, mesmo com o seu gabarito e experiência.) manter os 11 atores em cena, todos “atuando”, “criar partituras no silêncio”, reproduzindo suas palavras. “Os atores estão vivos; o tempo todo. Ora tem alguém mexendo na bolsa, ora, olhando o celular; claro que sem desviar a atenção de quem está falando. Uns concordam com o que é dito e outros discordam. Há muitas discussões.”. Achei fantástico esse detalhe da direção, para o que, obviamente, conta ponto o talento do elenco. A ideia de VICTOR, ao transferir o local da reunião, da Câmara de Vereadores, interditada, pela ação de uma forte chuva que se abatia sobre a cidade, por um longo tempo, para o interior do Theatro Municipal Débora Miranda, é de uma preciosidade a toda prova. Adoro ver a metalinguagem sendo explorada numa peça teatral. E é extremamente interessante, ao mesmo tempo que patética e bizarra, o que leva o público a gargalhar muito, a longa cena em que o presidente Mondego, cúmplice da grande mentira, se propõe a “dar uma aula de História” ao “insipiente” vereador Amadeu, narrando “o grande fato histórico”, que "livrou a cidade do terror imposto pelos indígenas, e sua consequente salvação", contando, para isso, com a “coragem de um grande herói, o Sargento Aragão”, na “histórica Batalha de Aporé”. E o que leva o público a desopilar o fígado durante essa cena? É o fato de toda a narrativa, “em tom épico”, ser “encenada” por alguns vereadores, da forma mais “canastra” possível.
O espetáculo é um espelho de como
somos coniventes com certas coisas. Na visão da grande e premiada atriz
ANALU PRESTES, “A peça reforça muito a nossa realidade, em que há
muita manipulação de quem está no poder, onde todos estão mancomunados. Eu me
inspirei nas mulheres de extrema direita da nossa política. Ela (Sua
personagem, Violante.) é bem tradição, família e
propriedade, dessas que defendem, com muita veemência, esses valores. Têm
diálogos que são difíceis, bem ao contrário de tudo que eu penso.”.
Foi escalado um elenco dos sonhos,
composto por “11 craques”, todos “expoentes da cena carioca
e com trajetórias essencialmente teatrais”, para estrelar uma “COMÉDIA”
mordaz e provocativa, “que expõe a podridão por trás das narrativas
históricas que nos são contadas”. Não há como destacar o trabalho de
uns, e colocar em segundo plano o de outros, porque todos, sem a menor
exceção, construíram suas “personas” da maneira mais correta, perfeita e
detalhada. Mas não posso deixar de dizer quão feliz fico, ao ver, em cena,
brilhante, como sempre, um ator de 84 anos, ROBERTO FROTA,
atuando com o maior vigor, assim como ARY COSLOV, há doze anos afastado
dos palcos, por ter se dedicado a dirigir grandes espetáculos teatrais. Seria
injusto, se me propusesse a exaltar o brilhante trabalho de apenas alguns, se
todos se equivalem em qualidade. E os 11 têm seus momentos de solo,
quando atraem, para si, as luzes dos refletores, para que possam pôr em
evidência as suas próprias. E como é bom ver atores representando, com perfeição,
alguém totalmente oposto ao que eles são, na vida real, agindo na direção
oposta à que tomam, em suas vidas pessoais!
Voltando, um pouco, a falar sobre o texto,
quanto a detalhes em que nos enxergamos, na política de Cerejeiras,
destaco dois “protocolos” que vigem, para o início de uma sessão
na Câmara dos Vereadores: é feita uma oração, pelo Pastor
Fumero, normalmente, porém, na sessão retratada na peça, essa “honra
e privilégio” são transferidos para o vereador Amadeu,
que o faz, com alguma convicção – isso é rotineiro, a despeito de o Estado ser
laico (Exatamente como desejam transformar o Brasil.); todos,
perfilados, fazem um juramento à bandeira de Cerejeiras,
completamente esdrúxulo e ridículo, a meu juízo: “Eu juro lealdade à
bandeira de Cerejeiras e ao município que ela representa. Uma cidade sob um
único Deus. Indivisível. Com liberdade e justiça para todos.”. (Mais um
traço comum com o que estamos testemunhando, no momento, em nosso país, quando
ouvimos, repetidas vezes, aquele bordão fascista, que me recuso a
reproduzir aqui.) Só isso bastaria para dizer
que “o lá é o aqui”. E agora. Confesso que essa triste realidade me causa
ânsias de vômito.
Assim como aqui, perde-se tanto tempo, com discussões sobre
assuntos inexpressivos e em abundância de moções e homenagens totalmente
desnecessárias e não merecidas. Os vereadores de Cerejeiras
não se cansam de enaltecer os feitos do time de futebol local, por sua bela
campanha num campeonato regional. De um ridículo incomensurável.
Algumas “pérolas” do texto merecem um
destaque, como uma cena em que o vereador Dilermano corrige o
colega Castelar, o qual insiste em empregar termos “politicamente
incorretos”, quando se refere a pessoas com necessidades especiais. Isso
ocorre no momento em que aquele pede o apoio deste, prometendo-lhe uma “retribuição”,
com relação a um estúpido projeto, batizado de “Programa de Índio”,
pelo qual este vem lutando. Não passa de um detalhe, da “velha política”,
do “toma lá, dá cá”, que domina os nossos legislativos, nas três
esferas. A prolixidade, característica da linguagem parlamentar, está, aqui,
representada pelo discurso que a vereadora Violante insiste em
fazer, logo n início da reunião, no que é, a princípio, interrompida, algumas
vezes, pelo presidente Mondego, de forma bastante autoritária,
até que este a interrompe de vez.
Num determinado momento, um vereador – não me lembro quem –
diz que o que se pratica – e é verdade mesmo -, dentro daquela Casa do
Povo, é a “realpolitik”, termo da língua alemã, que se refere à “política do poder”, um “poder prático”, em detrimento das “políticas baseadas nas considerações morais e éticas”. O termo é usado, com bastante frequência, de forma pejorativa, identificado com “políticas coercitivas, imorais ou maquiavélicas”.
O tão desejado, e necessário, decoro parlamentar é
rompido, numa cena em que os vereadores Pastor Fumero,
considerado influenciador e manipulador, e o veredor Amadeu,
após uma troca de farpas, partem para as “vias de fato”, sendo
contidos pelos colegas.
Patética é a forma como o “decano” dos
vereadores, Gregório, de forma “escorregadia”, a princípio,
e “escancarada”, depois, faz referência a uma vaga, no estacionamento
da Câmara, que era utilizada pelo vereador César,
sem uso, portanto, reivindicando-a para si, já que a sua não era bem
localizada. Tenta impor a dito “antiguidade é posto”.
Talvez como uma forma de fustigar os vereadores, que
não deram a menor importância à atitude de renúncia de César, ou,
talvez, como um “ato falho”, o dramaturgo faz com que, em
todas as vezes que a supervisora legislativa Dalila
procede à chamada dos políticos, a fim de checar o número de presentes à
reunião, para garantir o quórum necessário, o nome do vereador César
é lido, o que sempre causa constrangimento.
O espetáculo conta com uma cenografia, de JULIA
DACACCHE, que apresenta detalhes muito expressivos. No centro do palco, uma
mesa, do presidente, ladeada por cadeiras, dispostas uma ao lado da
outra, de diferentes tipos e modelos, velhas, com destaque para uma com um
rasgo no espaldar, denunciando uma situação de “degradação”, uma metáfora
de uma cidade que vive em função de uma mentira histórica, porque isso
interessa aos poderosos locais. Há, ainda, no canto esquerdo do palco, uma mesa
de serviço, com água, café e lanches, para os vereadores. Quase à frente desta,
uma bandeira da cidadezinha, num mastro. Alguns bancos e mesinhas também podem ser vistos
no espaço cênico. Ao fundo, mais um traço metafórico de um já
citado clima de “degradação” é representado por uma goteira
constante, cuja água é recolhida em baldes e panos de chão, espalhados no palco, o qual vai se enchendo de guarda-chuvas molhados, pertencentes aos
que vão chegando para a reunião, abertos, postos para secar.
TIAGO RIBEIRO vestiu os personagens de uma forma bem
realista, seguindo as características de cada um, suas personalidades, de uma
forma sóbria e simples. O figurino é bem discreto e não atrai maiores
atenções do público, o que considero um grande acerto, uma vez que qualquer
exagero ou algum detalhe que fugisse à “normalidade” poderia se
converter num elemento de distração, para a plateia, tornando-a dispersa, com
relação ao foco central da montagem.
Cada vez mais conquistando seu merecido espaço, numa
atividade em que predomina o trabalho criativo de homens, ANA LUZIA DE
SIMONI, uma competente profissional, que vem de uma grande “escola”
em casa (Viva Aurélio de Simoni!), marca sua presença, nesta FICHA
TÉCNICA, criando um desenho de luz importantíssimo, no auxílio à “formatação”
daquele momento, daquela situação. Seu trabalho, perfeito, na minha visão, dialoga com o de ANDRÉA ZENI, que assina a sonoplastia e o desenho
sonoro da peça, quando conjuga a iluminação de relâmpagos com o
som de trovões. O conjunto funciona com total apuro, de modo a levar o
público a acreditar nos efeitos do temporal.
O momento mais marcante, nesta encenação, se dá com a
entrada do vereador César (ARY COSLOV), até então
apenas citado, em “fahshback”, levando ao plenário a revelação
sabida por todos, mas desejada oculta. Mais não digo, até porque acho que já me
excedi.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Tracy Letts
Tradução e Adaptação: José Pedro Peter
Direção: Victor Garcia Peralta
Cenografia: Julia Deccache
Figurinos: Tiago Ribeiro
Assistência de Figurino: Lorenna Santana
Aderecista: Bidi Bujnowski
Costura: Ateliê das Meninas
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Operador de Luz: Marcelo Andrade
Sonoplastia / Desenho Sonoro: Andréa Zeni
Operador de Som / Técnico de Montagem: Betto Britto
Visagismo: Diego Nardes
Assistência de Visagismo: Juliana Pagliacci
Perucas: Lucas Tetteo
Fotos: Cristina Granato
Programação Visual: Felipe Braga
Assessoria de Imprensa: Barata Comunicação e Dobbs
Scarpa
Gerenciamento de Redes: Ralph Rocha
Produção Artística: José Pedro Peter e Marcéu
Pierrotti
Direção de Produção: CultConsult e Escudero Produções
(Elaine Moreira e Denise Escudero)
Produção Executiva: Roy D’Peres
Assistência de Produção: Douglas Ribeiro e Matheus
Beserra
Direção de Palco: Gerson Lobo
Camareira: Iara Azevedo
Realização: PEDROPETERPROD.
SERVIÇO:
Temporada: De 07 de outubro a 13 de novembro de 2022.
Local: Teatro das Artes.
Endereço: Rua Marquês de São Vicente, nº 52 - Shopping
da Gávea, 2º Piso - Loja 264 – Gávea – Rio de Janeiro.
Telefone: (21)2540-6004.
Dias e Horários: Sextas-feiras e sábados, às 21h;
domingos, às 20h.
Valor dos Ingressos: Sexta-feira = R$80,00 e R$40,00 (meia entrada); sábado e
domingo = R$90,00 e R$45,00 (meia entrada.
Duração: 90 minutos.
Classificação Indicativa: 12 anos.
Gênero: Tragicomédia.
Caminhando para desligar o computador, depois de três dias
mergulhado na produção desta crítica, concluo-a, dizendo que a Câmara
de Vereadores de Cerejeiras sempre teve interesse pela “história
oficial”, e não pela real, da mesma forma como ocorre com as histórias
de tantos lugares, como o Brasil, por exemplo. E peço que prestem
atenção à última cena, entre o presidente Mondego e o vereador
Amadeu, e reflitam sobre o paradeiro de César e o
futuro do vereador “questionador”, “o que incomoda”
e se recusa a assinar embaixo da mentira. E que percebam a mensagem
implícita no último ato da supervisora legislativa e de todos os “respeitáveis
e probos” vereadores de Cerejeiras, todos “pessoas
de bem”.
FOTOS: CRISTINA GRANATO
O elenco, com o diretor, entre as duas atrizes.
GALERIA PARTICULAR
(FOTOS: JOÃO PEDRO
BARTHOLO.)
Com Débora Figueiredo.
Com Alexandre Varella e Leonardo Netto.
Com Thiago Justino.
Com Alexandre Dantas.
Com Marcelo Aquino.
Com Ary Coslov.
Com Mario Borges, Roberto Frota e Analu Prestes.
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
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O QUE HÁ DE MELHOR NO