domingo, 30 de junho de 2019


O MISTÉRIO
DE
IRMA VAP

(UM FENÔMENO DE PÚBLICO
E DE CRÍTICA NUMA RELEITURA
ORIGINAL E CRIATIVA.)






            Se for feita uma enquete, entre pessoas que, no período de 1986 a 1997, assistiram à peça “O MISTÉRIO DE IRMA VAP”, o resultado será surpreendente. Se houver uma segunda pergunta, sobre quantas vezes cada um assistiu à comédia, a surpresa será maior ainda.




            Originalmente escrita em três atos, em 1984, pelo norte-americano CHARLES LUDLAM, considerado um inovador do teatro americano da segunda metade do século XX, fundador, em 1967, da sua própria trupe, já que também era ator, a “Ridiculous Theatrical Company”, a peça é considerada o maior fenômeno de bilheteria e de crítica, no Brasil, por ter ficado 11 anos em cartaz, o que lhe garantiu um destaque no “Guinness Book of Records”, a partir de 2003, como a peça que mais tempo se manteve em cartaz, no Brasil, e com o mesmo elenco.




Como IRMA VAP é um anagrama de VAMPIRA, o título original é “The Mystery of Irma Vep”, para ser possível o anagrama* “Vampire”. (*Entende-se por anagrama a transposição de letras de palavra ou frase, para formar outra palavra ou frase diferente (amor, de Roma – ou vice-versa; posa, de sapo; Célia, de Alice, vela, de leva; barco, de cobra; cantiga, de catinga etc.).




            A peça é um exemplo perfeito de um tipo de TEATRO que já fez muito sucesso, no Brasil, e que, ainda hoje, é muito aceito, o “TEATRO besteirol”, no qual predomina a sátira e tem um pezinho nas deliciosas chanchadas. Aqui, numa "salada", os ingredientes são os melodramas vitorianos, a farsa e os filmes Rebecca (1940), um dos clássicos do consagrado cineasta Alfred Hitchcock, e “Pague para Entrar, Reze para Sair”, de Tobe Hooper. Mergulhado na estética dos anos 80, ainda há, na peça, referência ao icônico videoclipe de “Thriller”, de Michael Jackson. Além disso, nesta atual versão, encontramos várias citações de Shakespeare, principalmente de “Hamlet”.




            O autor pretendeu escrever seu texto como peça-paródia de filme de terror, e o conseguiu, com os fartos elementos do “besteirol”, potencializados por cada encenador. JORGE FARJALLA, então, “faz a festa”, com isso.




            A atual montagem é uma idealização de PRISCILA PRADE, fotógrafa e produtora cultural, a qual, desde 2009, detém os direitos autorais da peça, e de MARCO GRIESI, diretor geral do Espaço Porto Seguro, em São Paulo. Os dois convidaram o diretor e encenador JORGE FARJALLA, para pôr a massa na massa. FARJALLA, que sempre faz questão de que, em seus trabalhos, o título da peça venha seguido da informação “Na visão de JORGE FARJALLA”, obviamente, não iria repetir o que fez Marília Pêra, na direção da emblemática primeira montagem, que tinha Marco Nanini e Ney Latorraca no elenco. A ação se passa numa mansão mal-assombrada, como consta na sinopse, entretanto o diretor imaginou a história “como um grande parque de diversão” e criou a trama acontecendo dentro de um trem fantasma, “que é o fio condutor do espetáculo”. Além disso, incorporou, à montagem, quatro jovens atores, “nossos vodus”, como ele os considera (“vodus contrarregras”: FAGUNDES EMANUEL, GRECO TREVISAN, KAUAN SCALDELAI e THOMAS MARCONDES), que auxiliam nas trocas de figurino dos atores LUÍS MIRANDA e MATEUS SOLANO e, também, executam parte da trilha sonora ao vivo, ajudando a contar a história, que é o interesse maior do diretor.




Explico melhor o final, grifado, do parágrafo anterior. O grande atrativo da primeira montagem, o gigantesco “marketing” da peça, era, sem dúvida, a questão das trocas de figurinos, inúmeras e em tempo recorde, o que deixava a plateia atônita. Um ator saía por uma porta, com o figurino de um personagem, e, imediatamente, entrava por outra, com outro figurino, de outro personagem, do sexo oposto. Isso era o grande “mistério” da peça. Era algo que levava as pessoas, por mais de uma vez, ao Teatro Casa Grande (o antigo), no Rio de Janeiro, e em todos os outros por onde o espetáculo passou, Brasil afora. Se perguntarmos, porém, a todos os que viram aquela montagem sobre o enredo, de que tratava o texto, numa curta sinopse (Perdão, pelo pleonasmo!), a grande maioria, certamente, não se lembrará da história. FARJALLA pensou, ao contrário, em que todos pudessem acompanhar a narrativa e entender a peça, apesar de o enredo ser, propositalmente, confuso, e deixar o Teatro com uma história - bizarra, sim; absurda -, mas completa, e com detalhes, na cabeça. E foi além: houve por bem que as trocas dos figurinos fossem feitas à vista do público (Cerca de 90% delas, creio, estatisticamente falando. Só há uma cena em que os dois atores trocam de roupa, várias vezes, atrás de uma porta daquelas do tipo “bangue-bangue” ou “saloon”.), contando com a ajuda dos quatro atores coadjuvantes, como já foi dito.



            Segundo o “release”, primeiramente enviado por ADRIANA BALSANELLI, que fez a assessoria de imprensa na primeira temporada, em São Paulo, onde o espetáculo estreou, no Teatro Porto Seguro, com um sucesso estrondoso, e, depois, também chegado até mim, por BARATA COMUNICAÇÃO (assessoria de imprensa no RIO DE JANEIRO), “Vamos teatralizar a troca de roupas. Eu quero mostrar, para o espectador, o TEATRO como uma grande ilusão e o ator como um grande mago, que pode criar tudo na frente do público e fazê-lo acreditar naquela situação. Quero que a plateia sinta o trabalho do ator e como eles vão dividir esses personagens em um jogo de espelhos. O próprio texto de LUDLAM sugere o jogo teatral e tentamos enfatizar ao máximo a questão dos atores como um duplo”, diz o diretor.







SINOPSE:

A trama original se passa em um lugar remoto da Inglaterra e conta a história de LADY ENID (MATEUS SOLANO), a nova esposa do excêntrico LORD EDGAR MONTEPICO (LUÍS MIRANDA), o qual a aguarda muito radiante e ardendo de paixão.

Ela tem que se adaptar a viver em uma mansão mal-assombrada, pelo fantasma da primeira esposa de seu marido, IRMA VAP, lugar onde o filho do casal VÍTOR, que não aparece em cena, foi morto, supostamente, por um lobisomem, também chamado VÍTOR.

Na casa, há uma governanta, JANE (LUÍS MIRANDA), extremamente leal à falecida patroa, que assume a posição de rival da recém-chegada e não admite a possibilidade de outra mulher ocupar o lugar deixado por IRMA VAP, preencher o vazio daquela lúgubre mansão, tornar-se a segunda LADY MONTEPICO. e um serviçal, NICODEMO (MATEUS SOLANO), uma bizarra criatura.

Para fazer jus ao amor de seu marido, LADY ENID “come o pão que o diabo amassou”, nas mãos de JANE, e pratica peripécias divertidas.

Em cena, dois atores interpretam os vários personagens, entre humanos e assombrações.

O final da trama revela uma surpresa.







Segundo o diretor, são cinco os personagens, nesta trama de suspense e terror cômico, contando com a falecida. O primeiro diferencial a ser notado, na atual montagem, que não existia na primeira e que funciona muito bem, é a ideia da direção de criar um prólogo, em que LUÍS e MATEUS entram em cena, com o figurino base, uma espécie de macacão, grudado a seus corpos, como se fossem bonecos de vodu, conversam, improvisam, ainda como pessoas físicas, desejam “MERDA!”, um ao outro, sinal para que as cortinas se abram, deixando à vista o cenário, cuja base permanece inalterada, da primeira à última cena, e, aí, então, começa o desenrolar da história, a qual abusa de referências a (e aparições de) vampiros, fantasmas, múmias e lobisomens. E, para que isso seja possível, a montagem exige, em qualquer modelo de encenação, grande quantidade de efeitos sonoros, adereços, efeitos especiais e trocas rápidas de vestuário.




            Estando em São Paulo, durante a última Semana Santa, fui, a convite de FARJALLA, assistir à peça, no Teatro Porto Seguro, e a revi, há cerca de uma semana, aqui, no Rio, onde acho que o espetáculo cresceu bastante, uma vez que o palco do Teatro OI Casa Grande é bem maior que o de São Paulo, acomodando melhor a cenografia e proporcionando mais espaço e conforto aos atores.




            Não quero, não posso nem devo estabelecer comparações com a montagem do trio Marília, Nanini e Latorraca, uma vez que, cada uma das encenações foi criada com uma proposta distinta, sob estéticas idem e contando com atores, os quatro, de grande talento, mas de estilos diferentes, no modo de interpretar, cada um com sua peculiar personalidade artística e profissional. Gostei das duas, mas, nem sob tortura, revelarei qual a que mais me tocou, até porque não é este o objetivo desta crítica, e, sim, fazer uma modesta análise de “O MISTÉRIO DE IRMA VAP”, “na visão de JORGE FARJALLA”.




            Essa “visão” traz, como marca, o desejo de desconstruir, de provocar, de ser ousado, criativo e inovador, totalmente arcando com as consequências, que estão afetas à reação do público e da crítica. Seus trabalhos – e isso é muito salutar – não visam à unanimidade e, geralmente, dividem, radicalmente, as opiniões: há os que gostam e os que não. Incluo-me, via de regra, no primeiro grupo, com algumas restrições, o que é natural, a um ou outro detalhe desta ou daquela montagem, ainda que, em algumas delas, não tenha conseguido identificar nada que, a mim, não agradasse, como, por exemplo, a sua releitura para “Dorotéia”, de Nélson Rodrigues.




            Com relação à peça em tela, gosto bastante do resultado, porque já parti para o Teatro Porto Seguro, na primeira vez em que a vi, sabedor do que poderia esperar e encontrar e, o mais importante, tendo plena consciência da proposta da direção. Talvez, para alguns saudosistas e/ou pessoas que não se informam, antes de ir ao Teatro, a expectativa não seja alcançada, exatamente porque a atual montagem está na outra margem do largo rio que separa esta da primeira. Ao final do espetáculo, porém, a reação do público é muito boa e, durante os 100 minutos de duração da comédia, todos riem e ouvem-se bastantes gargalhadas, por força do humor contido no texto; dos “cacos” colocados pelos atores, com a aquiescência da direção, quero crer; e pelas soluções criadas pelo diretor.




            FARJALLA é um diretor/encenador consagrado e premiado e vem mantendo a qualidade dos seus trabalhos ao longo dos últimos anos.




            Não há muito a ser dito sobre LUÍS MIRANDA e MATEUS SOLANO, cujos talentos são mais que reconhecidos, principalmente por suas aparições na telinha, embora sejam grandes atores de TEATRO (Já assisti a ótimas peças em que eles atuavam.), que é o que mais importa, já que é no TEATRO -vivo repetindo isso -, com raras exceções, que o ator se revela um bom profissional do ofício de representar, sem recursos tecnológicos, contando, apenas, com sua intuição e seu talento inato. Não me lembro de tê-los visto dividindo o palco, antes, mas a impressão que dá é a de que a dupla já “bateu bola em outros gramados”, tamanhos são o entrosamento, a química, a cumplicidade entre os dois, que - me parece - se divertem muito em cena. Ambos, talentosos e carismáticos, conquistam a plateia, logo na primeira aparição, e não permitem que ninguém se disperse ou perca o interesse pelo espetáculo. Não há protagonistas; ambos o são.




            A equipe de criação foi muito bem escolhida, e o somatório de todas as contribuições converge para um resultado final positivo, a começar pelo cenário, de MARCO LIMA, inspirado no filme “Pague para Entrar, reze para Sair”: “...um trem fantasma, com o carrinho utilizado de forma manual, artesanal e mecânica. Tudo construído com madeira, ferro e materiais simples”. Essa é a tal parte fixa a que já me referi. Entra em cena, mais para o final da peça, um sarcófago, que fica numa das laterais do palco. Nota-se um perfeito acabamento na cenografia e detalhes interessantes, que a valorizam, na construção do universo de terror, exigido pelo texto. Todo o palco fica à mostra, incluindo o fundo e as coxias, a despeito da grande dimensão do cenário, cuja movimentação cabe aos quatro “vodus contrarregras”. “A caixa cênica, sem bambolinas, sem rotundas, revelando o maquinário do Teatro e não escondendo nada”, detalha o cenógrafo.






Em função das várias, e rapidíssimas, trocas de roupa, os figurinos, nesta peça, se revestem de uma importância capital, pois, antes de tudo, precisam ser práticos, para facilitar as referidas trocas, e, também, obedecendo à estética da época em que se passa trama e à proposta de “deboche” desta montagem. As perucas e adereços se destacam, no visagismo, e são elementos hilários. É KAREN BRUSTTOLIN quem assina todos os modelos, “tudo todo feito à mão, por uma equipe composta por sapateiro, chapeleiro, costureira, bordadeira, ‘designer’ de adereços e envelhecimento. O tecido utilizado foi o ‘jeans’, para dar um ar contemporâneo”. Ainda retirado do “release”: “São 7 trocas de roupa, referências e universos diferentes, que transitam desde a era medieval até David Bowie” (Não sei por que 7. Baseado em quê? Eu vi muito mais que esse número.). Como as trocas de figurinos precisam ser muito rápidas, a figurinista não enxergou outra maneira de criá-los, que não fosse a técnica de fazê-los “em camadas”, sobre uma roupa “base”, como bonecos de vodu.




            Outro elemento, importantíssimo, para a criação da ambientação macabra, exigida pelo texto, é a iluminação, aqui muito variada e variante, com muitas lâmpadas piscando, freneticamente, sob a responsabilidade de CÉSAR PIVETTI. São, ao todo, 300 movimentos de luz, criando efeitos fantásticos e fantasmagóricos. Ainda relacionada à iluminação, há a utilização de máquinas de fumaça, criando um pântano.




Mais uma vez, o filme “Pague para Entrar, Reze para Sair” serviu de inspiração para um dos profissionais de criação do espetáculo. Falo da trilha musical “quase cinematográfica”, a qual pontua, com muita propriedade, as cenas e as ações dos atores, com canções e sons incidentais (sonoplastia). Ao mesmo tempo que atua de forma caricatural, para formação do ambiente de terror, também carrega consigo um toque de humor. Todo esse trabalho de criação se deve ao diretor musical, GILSON FUKUSHIMA.







FICHA TÉCNICA:

Texto: Charles Ludlam
Tradução: Simone Zucato
Direção, Encenação e Dramaturgia: Jorge Farjalla
Assistente de Direção: Raphaela Tafuri.

Elenco: Luís Miranda, Mateus Solano, Fagundes Emanuel, Greco Trevisan, Kauan Scaldelai e Thomas Marcondes

Cenografia: Marco Lima
Iluminação: Cesar Pivetti
Figurinos: Karen Brustolin
Direção Musical: Gilson Fukushima
Direção de Produção: Priscila Prade e Marco Griesi
Produção Executiva: Daniella Griesi e Fernando Trauer
Fotografia: Priscila Prade (oficiais) e Ricardo Brajterman (gentilmente cedidas)
Comunicação Visual: Kelson Spalato e Murilo Lima
Redes Sociais: Tiago Cunha e Felipe Gonçalves
Mídia: Caio de Jesus
Assessoria Jurídica: Francez e Alonso Advogados
Produção de Elenco: Marcela Altberg
Realização: BricaBraque e TeTo Cultura












SERVIÇO:

Temporada: De 20 de junho a 28 de julho de 2019.
Local: Teatro Oi Casa Grande.
Endereço: Avenida Afrânio de Melo Franco, 290 – Leblon (Shopping Leblon) – Rio de Janeiro.
Estacionamento no Shopping Leblon.
Telefone: (210 2511-0800.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 20h; domingo, às 18h.
Valor dos Ingressos: 5ªs e 6ªs feiras: Plateia Vip/Camarote: R$130,00; Plateia Setor 1: R$100,00; Plateia Setor 2: R$90,00; Plateia Setor 3: R$70,00
Sábados e domingos: Plateia Vip/Camarote: R$150,00; Plateia Setor 1: R$120,00; Plateia Setor 2: R$90,00; Plateia Setor 3: R$70,00.
(Meia entrada para todos os casos previstos por lei.).
Classificação Etária: 12 anos.
Duração: 100 minutos.
Gênero: Comédia.






            “O MISTÉRIO DE IRMA VAP” é, sem dúvida, uma comédia engraçadíssima, montada com muito cuidado e dedicação, “digestiva”, que só tem o propósito de divertir, com bom gosto, inteligência, criatividade e acrescentando alguns toques de críticas, as mais variadas.
            Recomendo o espetáculo, que pede um chopinho, depois, para que a diversão proporcionada pela peça seja esticada.
E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!


A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO, 
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS  DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!








(FOTOS: PRISCILA PRADE - OFICIAIS - 
RICARDO BRAJTERMAN - GENTILMENTE CEDIDAS.)



(GALERIA PARTICULAR:
FOTOS FEITAS NO TEATRO PORTO SEGURO.)


Com Luís Miranda e Mateus Solano (entre uma sessão e outra).


Com os atores e o diretor, Jorge Farjalla (idem).
















































































































































sexta-feira, 28 de junho de 2019


EU,
MOBY DICK

(ESTE É DAQUELES
ESPETÁCULOS TEATRAIS
QUE NOS MARCAM
PARA A VIDA INTEIRA.
ou
“UM BARCO DESGOVERNADO,
COMANDADO POR UM LOUCO”.
ou
SOMOS TODOS 
MOBY DICK OU AHAB,
NUM FRÁGIL PEQUOD,
NUM MAR INÓSPITO?)






            Escrevo sobre um daqueles espetáculos teatrais que nos marcam para a vida inteira e nos dão a mais perfeita dimensão de quão profissional, criativo e tecnicamente perfeito é o TEATRO BRASILEIRO, quando feito por gente que entende do riscado. Na verdade, são os artistas e técnicos brasileiros.




            A peça de que falo é “EU, MOBY DICK”, com dramaturgia de PEDRO KOSOVSKI, ancorada no clássico “MOBY DICk”, do escritor norte-americano HERMAN MELVILLE, uma verdadeira obra-prima, que vem atravessando inúmeras gerações, desde que foi publicado, pela primeira vez, em três fascículos (A obra completa, num volume só, ultrapassa a casa das 600 páginas, dependendo da edição.), em 1851, em Londres. O espetáculo está em cartaz no Centro Cultural Oi Futuro (VER SERVIÇO.).









         A origem do romance, revolucionário, para a época, remonta a dois fatos, segundo os entendidos no assunto. Um deles seria o naufrágio do navio baleeiro Essex, em 1820, comandado pelo capitão George Pollard, que perseguiu, teimosamente, uma baleia e, ao tentar destruí-la, afundou; e a outra fonte de inspiração teria sido o cachalote albino Mocha Dick, supostamente morta na década de 1830, ao largo da ilha chilena de Mocha, a qual, pobrezinha, se defendia dos navios que a perturbavam com premeditada ferocidade.






Mas não pensem que o espetáculo sobre o qual escrevo, simplesmente, seja um romance dramatizado, uma adaptação, para os palcos, de uma narrativa épica. Trata-se de outra proposta, sobre a qual dissertarei, tentando guardar alguns segredos e emoções, para surpreender os futuros espectadores.





            Desde que tomei conhecimento de que estava em curso o projeto de uma montagem teatral, cujo título seria “EU, MOBY DICK”, imaginei, sim, ser mais uma versão teatralizada da obra literária e, com relação ao título, achei que o acréscimo, no início, do pronome pessoal reto, de primeira pessoa do singular, “EU”, teria sido usado para que não se confundisse esta peça com outra, simplesmente chamada de “Moby Dick”, também grande e inesquecível montagem – essa, sim, o romance teatralizado, numa excepcional adaptação -, dirigida, em 2013, por Aderbal Freire-Filho, no Teatro Poeira, com um elenco estelar: Chico Diaz, Isio Ghelman, Orã Figeiredo e André Matos. Mas não é nada disso. O pronome, seguido de uma vírgula, para separar um aposto, é totalmente necessário ao espetáculo, uma vez que a proposta metafórica do dramaturgo faz, de cada um de nós, o violento cachalote branco, terror dos mares, porém vítima da obsessão, da compulsão, da animalidade, da bestialidade e do instinto de vingança do Homem, o dito "ser racional". Somos caças ou caçadores? Por que não somos, também, o ensandecido e vingativo CAPITÃO AHAB, o verdadeiro predador? A baleia branca mata por instinto de defesa ou para se alimentar, puro mecanismo de preservação de sua espécie; o Homem mata por prazer, para alimentar o seu ódio, para colecionar troféus; mata por competição com outros de sua espécie. Triste espécie!!!











SINOPSE:

Na cidade de New Bedford, em Massachusetts, o marinheiro ISMAEL conhece o arpoador QUEEQUEG e, juntos, partem para a ilha de Nantucket, em busca de trabalho no mercado de caça às baleias.

Lá, eles embarcam no baleeiro Pequod, para uma viagem, de três anos, aos gelados mares do sul.

Entre eles, tripulantes de diversas nacionalidades: os imediatos STARBUCK, Stubb e Flask; os arpoadores Tashtego e Daggoo, além de AHAB, o sombrio CAPITÃO, que ostenta uma enorme cicatriz do rosto ao pescoço e uma perna artificial, feita do osso de cachalote.

Obcecado por encontrar a fera responsável por seus ferimentos e que nenhum arpoador jamais conseguiu abater - a temível MOBY DICK -, o CAPITÃO AHAB conduz o baleeiro e toda a sua tripulação por uma rota de perigos e incertezas.

Embarcar no navio Pequod é embarcar numa batalha entre a razão humana e o instinto animal, e confrontar-se com MOBY DICK acaba sendo confrontar-se com os fantasmas que nós mesmos criamos, confrontar a si mesmo, com a simples possibilidade de se estar vivo ou ter que deparar-se com a própria morte.

Logo, a encenação de “EU, MOBY DICK”, proposta por RENATO ROCHA não tem a intenção de ser fiel à história original, da perseguição à baleia branca, descrita por HERMAN MELVILLE, mas, sim, se apropriar de seus personagens, de seus conflitos e suas reflexões, para criar uma dramaturgia aberta e subjetiva, que utiliza, como pontos de partida, questões fundamentais do próprio livro, levantadas pelo autor, como: Quais são as nossas obsessões? Quais os monstros que nós mesmo criamos? Até que ponto ficamos cegos, em uma busca por algo que pode custar tudo o que construímos; no caso, nossa própria vida? Como nos relacionamos com os mistérios de um mundo que não conhecemos; nesse caso, esse oceano que se apresenta em nossa jornada? Qual é a relação entre o percurso do navio Pequod e as escolhas que determinam nosso próprio caminho?

Exercitem suas reflexões! Com a palavra, o público!








            Nesta versão, em que a plasticidade e a sensorialidade são os grandes destaques, ao lado, evidentemente, das magníficas interpretações do quarteto de atores, da esplêndida direção e de todos os fascinantes elementos técnicos e de criação, que agasalham e potencializam a montagem, a dramaturgia permite que cada ator possa viver mais de um personagem (ISMAEL, CAPITÃO AHAB, QUEENQUEG, MOBY DICK e o próprio navio PEQUOD, personalizado), num revezamento, nunca perdendo a oportunidade de inserir, em determinados momentos, falas em que se apresentam em suas identidades verdadeiras. “Podem me chamar de KELZY”. “Podem me chamar de MÁRCIO VITO”. “Podem me chamar de NOEMIA”. “Podem me chamar de GABRIEL”. Porque somos todos “MOBY DICK”. O dramaturgo seguiu a linha da narrativa, em primeira pessoa do singular, abrindo mão dos diálogos, praticamente. Há um texto declamado, dito, verbalmente, e outro, muito expressivo, codificado em silêncios e muita, muita, mesmo, excelente expressão corporal.




            O comando do navio baleeiro está sob as rédeas do CAPITÃO AHAB, um louco, que só tem um grande objetivo na viagem: caçar e abater MOBY DICK (A “comunista do mar” – grifo, assumidamente, meu, já preparando o leitor para o que ainda virá, em termos metafóricos.), a baleia branca, do tipo cachalote, “o maior animal do globo; a mais formidável, para enfrentar, de todas as baleias”, que lhe arrancara a perna, num encontro anterior dos dois. Para envolver e estimular todos a ajudá-lo naquela ideia obsessiva, AHAB prendeu um dobrão de ouro, no mastro principal da embarcação, que seria conquistado por aquele que avistasse, primeiro, a baleia.





            Durante toda a viagem, STARBUCK, o primeiro imediato, se apresenta como um grande opositor às ideias do CAPITÃO, surgindo, daí, algumas divergências entre os dois. Na verdade, mais pragmático e “pé no chão”, STARBRUCK sabia do risco que todos corriam e desejava, apenas, salvaguardar a integridade física de sua tripulação e evitar que o Pequod naufragasse. (“Lá vem o Brasil, descendo a ladeira!” - Moraes Moreira e Pepeu Gomes – outro grifo meu, no mesmo sentido do anterior.).




            Durante a navegação, o baleeiro mata várias baleias, mas nenhuma delas era o troféu tão desejado por AHAB.






Num belo dia, o CAPITÃO fareja o inimigo; sobe ao mastro e avista MOBY DICK. Reivindica o dobrão de ouro, a recompensa, para si próprio (O CAPITÃO era “esperto” e “experto”, em trapaças. – Tomei gosto pelos grifos.) e ordena que todos os botes sejam arriados, exceto o de STARBUCK. A baleia, com uma mordida, parte o bote de AHAB pela metade (Não foi com uma facada. Chega de grifos "spoilerizantes"!!!), lançando o CAPITÃO para fora e dispersando a tripulação. No outro dia da caça, AHAB deixa STARBUCK no comando do Pequod. MOBY DICK estraçalha os três barcos que lhe vão ao encalço e emaranha suas arpoeiras (cabos que prendem os arpões ao barco). AHAB é salvo, mas sua perna de marfim se perde. STARBUCK implora que AHAB desista de seu pensamento fixo, mas este promete que, no dia seguinte, o cachalote “esguichará seu último jato”.







No terceiro dia da caça, AHAB avista MOBY DICK, ao meio-dia, e tubarões também aparecem. Ele arria seu barco, pela última vez, deixando STARBUCK, novamente, a bordo. MOBY DICK salta sobre dois barcos, destruindo-os. AHAB lança seu arpão, junto com uma praga, contra o odiado cetáceo. MOBY golpeia o barco, lançando seus homens ao mar. Somente ISMAEL não consegue retornar ao navio. Deixado para trás, no mar, é o único tripulante do Pequod que sobrevive ao embate final. O cachalote, agora, ataca, fatalmente, o Pequod. A baleia retorna para AHAB, que a arpoa de novo. O cabo do arpão se enrola no pescoço de AHAB, o qual, “calado, como os mudos turcos estrangulam sua vítima, foi arremessado do bote, antes que a equipagem percebesse que ele se tinha ido”. Por um dia inteiro, ISMAEL flutua nas águas, até que o outro baleeiro, o Raquel, o resgata, para contar a saga.




Para escrever os cinco parágrafos anteriores, o resumo da história original, vali-me das informações da Wikipédia, com omissões e adaptações, incluindo os grifos meus.




          O espetáculo, como já disse, não é uma representação teatral de um romance, mas, sim uma “versão cênica” de um diretor, RENATO ROCHA, num de seus mais felizes momentos profissionais, seguindo a metodologia e filosofia do trabalho / pesquisa, inicialmente em seus espetáculos na Europa e, mais recentemente, no Brasil com o NAI – Núcleo de Artes Integradas, contando com as memórias e experiências de vida dos espectadores, como parte final da obra, “uma obra de dramaturgia aberta, de extrema poesia visual, que leva o público a uma experiência imersiva, multimídia e sensorial”, como consta no completo “release” que me foi enviado por NEY MOTTA (CONTEMPORÂNEA COMUNICAÇÃO ASSESSORIA DE IMPRENSA).






            Quem vai assistir a “EU, MOBY DICK” não pode sair do Teatro, dizendo que viu, apenas, uma peça teatral. Na verdade, o espectador vive, junto com os atores, uma inesquecível experiência sensorial e de vida, que pode acontecer de duas formas: na plateia ou no próprio palco, se optar pelas filas A e B. Por falar em palco, ele foi ampliado, para a frente, e transformado numa gigantesca plataforma, num convés, reproduzindo o baleeiro Pequod. Acho que isso me provoca a, fugindo à regra, começar meus comentários pelo que alguns chamam de cenário - inclusive, é como aparece na ficha técnica -, mas que prefiro reconhecer como uma fantástica instalação de BIA JUNQUEIRA, uma artista plástica de nos causar orgulho. BIA, na verdade, criou uma ambientação, que começa no palco e se estende à plateia, para que o espectador se sinta dentro da ação. No espaço cênico, propriamente dito, além de poucas cadeiras, nas laterais, para acomodar os espectadores que optarem por elas, apenas mais quatro, inicialmente colocadas ao fundo, brancas, de plástico. Tudo é branco, inclusive o linóleo que forra o piso. Das laterais do palco e da plateia, do alto delas, até o chão, pendem panos brancos, finos, para serem esvoaçantes, propícios às projeções, sobre as quais falarei adiante, e para as quais o piso também é utilizado. O grande destaque desta cenografia / instalação é o esqueleto de uma baleia, preso no teto, que começa num dos cantos de fundo do palco e vai até o final do auditório. Uma obra de arte gigantesca. Era um “spoiler” que tentei evitar, mas não consegui me segurar. Uma alusão ao esqueleto que havia no Museu Nacional do Rio de Janeiro, destruído, recentemente, por um incêndio e que é citado na peça. Fica, para os leitores, uma surpresa: de que material, ou objetos, é feito esse esqueleto. É de arrepiar!!!





            PEDRO KOSOVSKI, num momento de extrema felicidade criativa, em acordo com o diretor, durante o processo de criação do espetáculo, foi gerando um texto inquietante, inteligente, mesclando trechos do livro com uma escrita própria, por meio da qual, metaforicamente, faz alusão a um certo CAPITÃO (Precisa desenhar?) e o momento político atual do Brasil. Extraído do já citado “release”: “Associando (...) passagens da história, trechos de narrações e cenas do livro, é construída uma plataforma, que serve de base, para improvisações e composições cênicas do elenco e da equipe de criação. Assim, a partir de como cada artista se relaciona com o material proposto, durante o processo criativo, novos textos, movimentos corporais, cenas imagéticas, gestos, passagens audiovisuais, coreografias, além de trechos de texto e cenas extraídos do próprio livro serão (foram) entrelaçados, para a criação da dramaturgia de PEDRO KOSOVSKI e da encenação de RENATO ROCHA”.





            Nesta montagem, o diretor pôs em prática toda a bagagem aprendida e desenvolvida em muitos anos de experiência no exterior, com os seguintes destaques: “Em Londres, criou espetáculos para a Royal Shakespeare Company, The Roundhouse, LIFT (London International Festival of Theatre) e Circolombia. Criou espetáculos, também, para a Bienal Internacional de Artes de Marselha, National Theatre of Scotland, o Festival Internacional de Dança de Leicester, União Européia e Unicef, além de ter dirigido e colaborado em projetos na Índia, Berlim, Tanzânia, Quênia, Egito, Paris, Nova Iorque, Edimburgo, Estocolmo, Budapeste e Colômbia. Desde de seu retorno ao Brasil, RENATO vem trazendo sua pesquisa internacional para o cenário artístico nacional. Assim, em 2016, fundou o NAI – Núcleo de Artes Integradas, no qual aprofunda sua pesquisa artística multidisciplinar, que vem chamando de ‘processo criativo antropofágico’, e vem ministrando residências artísticas ao redor do mundo. O primeiro espetáculo com o NAI, ‘Antes Que Tudo Acabe’ (‘Before Everything Ends’), de 2016, foi criado a convite do National Theatre of Scotland, especialmente para o Festival Home Away, em Glasgow. Antes do festival, o espetáculo fez temporada na Arena do Sesc Copacabana. O segundo trabalho, ‘S’Blood’, de 2018, transformou a Casa Rio, em Botafogo, num ‘site specific’, numa instalação performativa. Esse espetáculo foi indicado ao Prêmio Shell-RJ 2018, na categoria Inovação. Em outubro de 2019, uma nova pesquisa, o projeto ‘Escombros’, uma experiência imersiva, interdisciplinar e intercultural, transformará a Casa da Glória, num “site specifc”. Foi, também, o diretor artístico da organização Street Child United, que cria projetos com jovens em situação de rua, em 20 países, e um dos diretores artísticos da Circus Incubator, uma plataforma de pesquisa de circo, criada em colaboração entre La Grainerie (França), Circus Info e Cirko (Finlândia), Subtopia (Suécia), La Central del Circ (Espanha), La TOHU (Canadá) e Luni Produções (Brasil). Recentemente dirigiu (no Brasil) os musicais ‘Ayrton Senna – o Musical’ e ‘O Meu Destino é Ser Star’. Além disso, colabora com projetos, em diversos lugares do mundo, no uso da arte, como poderosa ferramenta na transformação social e no engajamento de comunidades e indivíduos em situação de vulnerabilidade, criando intercâmbios de metodologias e treinamentos para professores, facilitadores e agentes comunitários. Atualmente, RENATO está negociando uma nova produção teatral nos EUA, em Nova Iorque.”.





Acho muito importante situar o responsável pela direção do espetáculo, para mostrar que não se trata de nenhum insipiente ou incipiente profissional. Com um currículo desse porte, não me sinto, nem um pouco, à vontade, até por julgar desnecessário, para tecer qualquer comentário particular sobre seu trabalho de direção, em “EU, MOBY DICK”, criativo e inventivo, elevado à mais alta potência.  Imaginem o que quiserem e, lá, no 7º andar do Centro Cultural OI Futuro, verão o que imaginaram; e mais alguma coisa. Um único adjetivo resume todo o se trabalho: GENIAL!!!




            O pequeno palco do Centro Cultural Oi Futuro cresce, literalmente, e parece se agigantar, “numa plataforma multidisciplinar, inspirada num grande universo de destroços, onde são projetadas, por “video mapping”, os subconscientes dos personagens, suas reflexões, medos, anseios e ambições”.





            E, por falar nisso, já passo a tecer comentários sobre um elemento da maior importância para a montagem, sem o qual seria inconcebível esta encenação, que é tudo o que se refere a videografismo, o uso do “video mapping”, trabalho esplendoroso, feito por dois irmãos, considerados, indiscutivelmente, os melhores profissionais no ramo, no Brasil, a despeito da existência de outros, que também são “craques” no assunto: RICO VILAROUCA e RENATO VILAROUCA, os quais, já de há muito, merecem premiações especiais por sua riquíssima e perfeita produção artística. Dos 80 minutos de espetáculo, tenho a impressão, se a memória não me trai, de que, em nenhum momento, ficamos um minuto sem a presença das projeções, sensacionais, em todos os sentidos, e que entram na hora exata, totalmente sincronizadas com as cenas, ajudando – E como! – a criar a ambientação e a contar a história. Já vi inúmeros trabalhos de videografismo, elemento cada vez mais presente nas montagens teatrais atuais, a maioria da melhor qualidade, porém penso jamais ter visto algo tão impactante e tecnicamente perfeito como o que esta montagem nos apresenta. Todas as imagens se relacionam com o que se vê em cena, por parte dos atores, e revela seus interiores, as emoções dos personagens. Mérito, também, para quem opera os projetores.





            Voltando ao texto, e, até, sendo um pouco repetitivo, antes que eu me esqueça, quem já leu o clássico de MELVILLE, reconhece nele muitas metáforas. PEDRO KOSOVSKI não abriu mão desse rico e provocativo recurso. Mas é preciso estar atento a todas as falas e cenas, pois são muito sutis, a não ser numa cena em que uma das atrizes, KELZY ECARD, totalmente dentro do contexto da peça, repete, algumas vezes, a frase nominal “Ele não!”. O fato de AHAB, o louco e incompetente, ser chamado, várias vezes, de CAPITÃO nem precisa ser explicado, não é mesmo? Neste caso, é mais uma analogia que uma metáfora. A visão metafórica de KOSOVSKI se apoia em “temas relevantes da contemporaneidade” e traça um olhar profundo sobre o sujeito contemporâneo. Cada um espectador irá se identificar, ou se reconhecer, no “mocinho” ou no “bandido”, caso consiga diferençar um do outro.







            Assim como não me senti à vontade para falar muito do trabalho da direção, confesso que me custa encontrar palavras para traduzir a excepcional interpretação do quarteto de atores, do qual se destacam dois com mais experiência de palco, mais conhecidos do público do TEATRO e da TVKELZY ECARD e MÁRCIO VÍTOR, aos quais se juntou outra dupla, NOEMIA OLIVEIRA e GABRIEL SALABERT, que não ficam em segundo plano. Mas não ficam mesmo! Todos se entregam, com tenacidade e visceralidade, a cada personagem que representam e conseguem passar toda a angústia, medo e coragem, sensatez e insanidade daqueles que representam, por meio de suas falas e, em grande parte, do brilhante trabalho corporal, o que muito exige dos quatro. A verbalização, por vezes, fica em segundo plano, diante da expressão corporal. São interpretações, por mim, já consagradas, pelo alto nível de complexidade que exigem dos profissionais. Eu diria que, mais do que quatro ótimos atores, estamos diante de um quarteto de excelentes “performers”.
















            FELIPE HABIB e DANIEL CASTANHEIRA, ambos corretíssimos, sempre, no que fazem, a meu ver, se superaram na criação de uma trilha sonora (Os dois são responsáveis pela direção musical.), que abre e encerra o espetáculo, com “sonoridades relacionadas ao universo aquático e baleeiro”. Destarte, estão presentes, na trilha sonora original, “o canto das baleias; o barulho da água, batendo nos cascos das embarcações; o vento; a gritaria, no convés, quando se avista uma baleia; o som de um arpão, perfurando uma baleia; o sibilar das cordas, enquanto a baleia tenta fugir etc.”. Tudo nos seus mínimos detalhes e muitos desses sons, além dos naturais, criados, artificialmente, pela tecnologia musical, dos “samples”, por exemplo. Aliada à cenografia e à iluminação, a trilha sonora também colabora, em muito, para classificarmos o espetáculo como “sensorial”, provocando e aguçando os nossos cinco sentidos, com destaque para a visão e a audição. Mas podemos imaginar texturas, por meio do tato; cheiros do mar, do sangue; e, com um pouco mais de imaginação, provar do sal da água marinha, que “respinga” no convés do Pequod. “Viajar” também me dá muito prazer.





            Quanto aos interessantes figurinos, criados por TARSILA TAKAHASHI, segundo o “release”, “seguem a ideia da direção, de ‘trabalhar com o universo imaginário da alta costura, que busca o conceito por trás da vestimenta e a eterna busca pelo belo e provocador. Mas também diferentes materiais que remetam ao universo baleeiro, como aplicações com cordas e redes, pedaços de metais, anzóis, arpões etc..’”. Talvez pelo fato de eu não entender, absolutamente, nada de alta costura, ainda que aprecie o seu componente “belo”, confesso que não entendi, ou melhor, não consegui enxergar o tal “conceito”, mas posso afirmar que são, os figurinos, bonitos, adequados à situação e salta aos olhos o interessante da predominância total dos tons em branco, neve, gelo e creme. Além de ajudar na composição do ambiente gelado, de onde se dão as ações, também servem de superfícies para as projeções, o que provoca um belo efeito plástico.





            A iluminação, de RENATO MACHADO, é uma de suas mais brilhantes criações do artista, e funciona dramatúrgica e poeticamente. Melhor explicando: acompanhando, de perto, as ações dos personagens, emoldura, na medida do necessário, cada cena e utiliza, para isso, uma paleta de cores que tornam, lindas, plasticamente, cada uma delas, mesmo as que estão relacionadas a situações de luta, dor e morte. A iluminação ajusta-se, no ponto, com as projeções, formando um diálogo lindo e surpreendente.




            Jamais poderia ficar de fora destes comentários, o competentíssimo trabalho de PAULO MANTUANO, à frente da direção de movimento, um elemento que, nesta montagem, se reveste da maior importância. Aplauso para a preparação corporal dos atores, a sua postura em cena, com um navio em pleno alto mar revolto. O que pode parecer gratuito, em ternos de movimentos e expressão corporal, em todas as cenas, não o é. A movimentação dos atores, em cena, transporta o público para o convés do Pequod, ao sabor dos aterrorizantes vagalhões, num mar furioso, ameaçador e assassino, muito mais que a baleia perseguida. E se o labor de MANTUANO é excelente, também o é, por parte do elenco, a sua execução, resultado de um profundo trabalho de pesquisa de corpo e preparação corporal.









FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia: Pedro Kosovski, a partir da obra-prima de Herman Melville.
Direção: Renato Rocha
Assistência de Direção: Rafaela Amodeo

Elenco: Kelzy Ecard, Márcio Vito, Noemia Oliveira e Gabriel Salabert

Cenário: Bia Junqueira
Figurinos: Tarsila Takahashi
Iluminação: Renato Machado
Videografismo: Rico Vilarouca e Renato Vilarouca
Direção Musical: Felipe Habib e Daniel Castanheira
Direção de Movimento: Paulo Mantuano
Programação Visual e Marketing Digital: Raquel Alvarenga
Registro Fotográfico e Videográfico: Caio Gallucci (Fotos oficiais) e Ricardo Brajterman (Fotos gentilmente cedidas.)
Coordenação de Projeto: MS Arte e Cultura
Direção de Produção: Aline Mohamad e Carla Torrez Azevedo
Produção Executiva: Fernanda Alencar e Gabriel Salabert
Assistência de Produção: Renan Fidalgo e Naomi Savage
Administração Financeira: Natália Simonete
Idealização: Aline Mohamad, Gabriel Salabert e Renato Rocha
Assessoria de Imprensa: Ney Motta






(Ensaio.)










SERVIÇO:

Temporada: De 06 de junho a 28 de julho.
Local: Centro Cultural Oi Futuro.
Endereço: Rua Dois de Dezembro, 63, Flamengo, Rio de Janeiro (próximo ao Metrô Largo do Machado).
Dias e Horários: De 5ª feira a domingo, às 20h.
Informações: Telefone: (21) 3131-3060.
Valor dos Ingressos: R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia entrada).
Vendas, na bilheteria, de 3ª feira a domingo, das 14h às 20h, ou pelo “site” www.ticketplanet.com.br
Lotação do Teatro: 63 pessoas.
Classificação Indicativa: 14 anos.
Duração: 80 minutos.
Gênero: Drama.
Atendimento à Imprensa: Ney Motta (Contemporânea Comunicação Assessoria de Imprensa).
Telefone celular / whatsapp: (21) 98718-1965.
neymotta@gmail.com








Nestas observações finais, digo que, “pelo andar da carruagem”, é bastante previsível o final da história, o que, em nada, lhe tira o valor, uma vez que o mais interessante é como se chega a ele e a mensagem que fica para o leitor / espectador. Não era de se esperar que o insano AHAB terminasse flutuando num “mar de rosas”, é claro! O insano e irresponsável CAPITÃO teve o final que merecia. “A lição filosófica da obra é que o homem, quando se dá por, extremamente, ambicioso, acaba perdendo tudo o que mais preza; no caso da metáfora construída, o Pequod e a vida”.




Com a morte de seu melhor amigo, QUEEQUEG, ISMAEL estava sozinho, em meio aos escombros e aos corpos (todos mortos). Fazendo uso de um caixão, que flutuava, “o marinheiro é levado para casa. Tempos depois de ter vivido o sabor da sua amarga aventura e ter visto o quanto o homem pode ser tolo por razões tão naturais, como o instinto animal, e criar seus fantasmas, justamente por sua pretensão, ISMAEL não tem mais vontade de voltar para o mar. Deveras, já vira de tudo.”.







            Para mim, a grande sensação deste ano, até agora, em termos de TEATRO, no Rio de Janeiro, embora ainda estejamos apenas fechando o primeiro semestre, é “EU, MOBY DICK”, correspondendo, na minha avaliação, àquilo que representou, em 2017, “Tom na Fazenda” e, em 2018, “Tebas Land”, ainda que sejam três temas totalmente diferente e igualmente geniais, em termos de concepção e realização teatral. Mas ainda temos um semestre inteiro pela frente, e que venham mais produções à altura deste grandioso espetáculo.




             Sempre é bom lembrar que, para existir, um espetáculo - e de tal envergadura - precisa de um pontapé inicial e de quem garante a infraestrutura, para que ele venha à luz. Neste caso, a idealização de "EU, MOBY DICK", se deve a ALINE MOHAMAD, GABRIEL SALABERT e RENATO ROCHA.





            Não só recomendo a peça como já estou providenciando um outro dia, para revê-la.



E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO, 
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS  DIVULGAR 
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!







(FOTOS: CAIO GALLUCCI - FOTOS OFICIAIS -
e
RICARDO BRAJTERMAN - FOTOS 
GENTILMENTE CEDIDAS.)




GALERIA PARTICULAR
(FOTOS: JOÃO PEDRO BARTHOLO.)



Com Kelzy Ecard e Renato Rocha.


Com Márcio Vito.


Com Gabriel Salabert.


Com Noemia Oliveira.