sexta-feira, 30 de setembro de 2016


5 X COMÉDIA

 

(MUDAM OS TEMPOS;

O HUMOR, TAMBÉM.

MAS A QUALIDADE

CONTINUA A MESMA.)

 
 




            Para outras praças, principalmente na Broadway e em West End, levar mais de 450 mil pessoas ao teatro, numa só temporada ou em mais de uma, para assistir a uma única peça, não é de causar admiração, porém, em se tratando de Brasil, esses números são raros e bastante expressivos, representando o reconhecimento do público a um grande sucesso. Foi exatamente isso o que, há quase vinte anos, nos anos 90, Sílvia Gardenberg, infelizmente já, precocemente, falecida, conseguiu, com a peça “5 X COMÉDIA”, um espetáculo simples, porém de incomensurável bom gosto, que reunia cinco monólogos, escritos por cinco diferentes dramaturgos, interpretados, cada um, por um ator/atriz diferente. 

            A peça fez três vitoriosas temporadas, no Rio de Janeiro e, em turnê, em várias cidades brasileiras, em 1993, 1995 e 1999. Havia um revezamento de textos e atores em cena, todos, sem a menor exceção, expoentes do humor, no TEATRO e na TV.

Foram redatores, nas versões anteriores, Felipe Pinheiro, Hamílton Vaz Pereira, Luís Fernando Veríssimo, Mauro Rasi, Miguel Falabella, Miguel Magno, Patrycia Travassos, Pedro Cardoso, Regiana Antonini, Ricardo Almeida e Vicente Pereira.

Atuaram como diretores, naquelas versões, Hamílton Vaz Pereira, Marcus Alvisi, Mauro Rasi, Miguel Falabella, Miguel Magno, Pedro Cardoso e Regiana Antonini.

            Interpretando os textos, nomes da maior expressividade, no humor brasileiro, como Andréa Beltrão, Cláudia Raia, Débora Bloch, Denise Fraga, Diogo Vilela, Evandro Mesquita, Fernanda Torres, Luiz Fernando Guimarães, Miguel Magno, Patrycia Travassos e Totia Meireles.

O sucesso era tanto, chegando ao ponto de que um teatro, por maior que fosse a sua capacidade, era insuficiente, para reunir tanta gente que queria assistir à peça (eu vi umas três ou quatro vezes), que o Canecão, emblemática casa de “shows” carioca, infelizmente desaparecida, que chegava a comportar 3000 espectadores, serviu para abrigar o espetáculo, com lotação esgotada.

 




            Agora, como homenagem a Sílvia, sua irmã, a cineasta MONIQUE GARDENBERG resolveu montar um “revival” do espetáculo, mantendo, apenas, do original, o título e o formato. Duas décadas se passaram e tudo evoluiu, em ritmo acelerado, de modo que seriam necessários novos textos, interpretados por atores novos, e muito competentes, que representassem, à altura, o frescor do humor moderno.

            Para tanto, MONIQUE foi buscar cinco dos melhores autores de uma geração que já se firmou como representativa do novo bom humor brasileiro, acompanhando as novidades e tocando em assuntos do nosso cotidiano, o do século XXI, com o necessário toque de inteligência e, ao mesmo tempo, atingindo pessoas de níveis culturais e formações e origens as mais diversas. Não se trata de humor sofisticado, e sim de muitíssimo bom gosto e inteligência. JÚLIA SPADACCINI, ANTÔNIO PRATA, JÔ BILAC, PEDRO KOSOVSKI e GREGÓRIO DUVIVIER são os cinco responsáveis pelas boas gargalhadas que não conseguimos represar, durante a peça. São todos autores e dramaturgos premiados e respeitados no mercado.

            O primeiro texto, “BRANCA DE NEVE”, é de JÚLIA SPADACCINI, um dos melhores, para o meu gosto, mais do que valorizado pela excelente interpretação de DÉBORA LAMM, cujo nome dispensa qualquer comentário.


 
 


 
 

 
            Eu tiro o meu chapéu para a enorme criatividade da autora do texto, partindo de uma ideia tão simples: uma princesa, do vasto universo das princesas do mundo Disney, BRANCA DE NEVE, queixando-se (mais do que isso, revoltando-se), por ter sido preterida por duas outras, que estão na moda, Elza e Anna, do desenho animado “Frozen”. E que covardia: duas contra uma, já centenária!!! Isso talvez possa justificar o fato de BRANCA viver à base de Rivotril, lendo Simone de Beauvoir, para ser uma mulher “moderna” e competitiva, para não perder, de vez, a coroa e a majestade. Quem não assistiu à peça não faz ideia do que isso pode render, em termos de bom humor, quando quem está no comando das teclas é JÚLIA SPADACCINI, falando pela boca de DÉBORA LAMM, uma das melhores atrizes de sua geração.

            Quem consegue não rolar de rir, vendo DÉBORA, na pele de BRANCA DE NEVE, com o talento que lhe é peculiar, deprimida, em função do ostracismo, dizendo coisas como estas: Dizem que o mundo mudou, que eu não me adéquo mais, que sou antiquada, careta, casada... Mas, gente, ser casada agora é um problema? Queriam o quê? Uma princesa divorciada? Vivendo pela Lei do Concubinato? Solteira, aos 40, fazendo fertilização ‘in vitro’, barriga de aluguel, colhendo sêmen em banco de esperma alemão?

 
O segundo monólogo, “NANA, NENÊ”, escrito por ANTÔNIO PRATA, é tão hilário e bem construído quanto o primeiro e, também, ganha mais corpo e pujança, por ser interpretado, magistralmente, por BRUNO MAZZEO. É o primeiro texto, para TEATRO, escrito por PRATA, notadamente um grande escritor e roteirista.

 








O personagem, um músico, clarinetista, é um pai, “marinheiro de primeira viagem”, desesperado, numa delegacia, tentando explicar, à delegada, o motivo pelo qua foi levado, algemado, à sua presença. Desesperado, porque não conseguia dormir, havia sete meses, já que seu bebê não o permitia, ele, depois de ter tentado mil fórmulas e “jeitinhos”, para fazer adormecer a criança, foi levado a uma atitude extrema – o grande “lance” do texto -, que não posso revelar, para não acabar com a surpresa que PRATA, inteligentemente, criou. É outra pérola de criatividade, para gerar humor, comparável ao texto de JÚLIA. Estreou com o pé direito o dramaturgo.   

            Apenas uma mostra deste quadro: Vocês acreditam nisso? Acreditam que não tem ‘Alô Bebê 24 horas’?! Se existe alguma coisa que funciona 24 horas neste mundo é um bebê! Nada é mais 24 horas que um bebê! E não tem nenhuma ‘Alô, Bebê 24 horas’! Se eu quiser comprar uma máquina de lavar louça, agora, eu compro! Se eu quiser comprar falafel, agora, eu compro! Se eu quiser sexo ou drogas ou rock 'n' roll, eu compro! Não que eu vá comprar, mas tem!”.

A legião de fãs do BRUNO, na qual me incluo, pode imaginá-lo, em cena, dizendo esse pequeno trecho do seu texto, todo construído no mesmo nível?
 

            A seguir, vem “ARARA VRMELHA”, escrito por JÔ BILAC, um dos mais premiados dramaturgos de sua geração, e representado por FABIULA NASCIMENTO. A cena se passa num “pet shop” e já deu para desconfiar de que FABIULA é a própria ARARA, pendurada num poleiro, reclamando, sem parar, da vida, dirigindo-se a um tal Sérgio, que se supõe ser um outro animal posto à venda, indignada com o mau tratamento que recebe, na loja, em detrimento das regalias que são dedicadas a outros “coleguinhas” do “pet”, principalmente um Poodle Queen, o novo e sensacional mascote do pedaço.

 








            Gostei bastante da ideia, mas, apesar da ótima interpretação da atriz, não consegui atingir um riso contínuo. Alternei gargalhadas com risos e pequenas manifestações de um “achar graça”. Talvez pelo fato de o quadro ter sido antecedido pelos meus dois preferidos, na peça. De qualquer maneira, satisfaz bastante, também faz rir.

            Um dos bons trechos do texto e do quadro: Alá! Espia! Vem ver, Sérgio! Corre! Já tá Poodle Queen se roçando na vitrine, se esfregando, balançando rabinho, se exibindo pros outros! Não pode ver um ser humano, já fica todo se querendo! O mundo tá mesmo perdido, hein! Olha, vou te contar! Se tem uma coisa pior pra mim no mundo, é bicho puxa-saco de humano! Olha, me sobe um ódio! Mas um óoodio! Ser humano prende, vende, sacaneia a gente e tá lá o cachorro babando, fazendo festa!”. Aqui, percebe-se, claramente, uma das funções do humor, que é estabelecer críticas, fazer denúncias, de qualquer tipo.

 

            O penúltimo quadro chama-se “MILHO AOS POMBOS”, título metafórico, que, aparentemente, não tem nada a ver com o que se passa no palco e na plateia. Sim, porque boa parte do esquete é passada na plateia, sendo utilizada uma câmera, que vai captando imagens da atriz, THALITA CARAUTA, agindo e interagindo com o público. As imagens captadas são projetadas numa tela, para que todos possam tomar conhecimento do que está se passando, principalmente os espectadores sentados mais à frente, na plateia, ou na parte superior do teatro.

 
 
 



 


            O texto foi escrito por PEDRO KOSOVSKI, que tem um espaço reservado numa das minhas gavetas de preferências, como grande dramaturgo, dos melhores de seu tempo, já tantas vezes premiado. A história é muito simples, mas carrega uma carga crítica de peso, e gira em torno de uma figurante, uma “endless” aspirante a atriz, que, enquanto aproveita mais um teste de elenco, para fazer jus a um lanche, parece não medir esforços para tirar do sério um paciente (até a página cinco) diretor. Segundo o próprio autor do texto, ele “fala de um lugar de ausência de protagonismos: tudo acontece no mundo – guerras, amores, revoluções -, e eu aqui, na praça, continuo dando milho aos pombos. Fala de um lugar de exclusão e, ao mesmo tempo, um certo comodismo.” O “dar milho aos pombos” soa como algo inútil, infrutífero. Sobre isso, vale a pena ouvir a canção “Dando Milho Aos Pombos”, uma chamada “canção de protesto”, composta por Zé Geraldo, nos anos 70

            Aqui vai um trecho do texto: Vocês não estão me reconhecendo, não? Pronto, aquela ali me reconheceu. Ah, é minha vizinha no Leme, não é não? A gente caminha no calçadão. Tá fazendo figuração também?”. 

 

            Para encerrar a sequência de esquetes, vem “REGRAS DE CONVIVÊNCIA”, escrito por GREGÓRIO DUVIVIER, especialmente para ser interpretado por LÚCIO MAURO FIHO.
 
 



 




            LUCINHO vive o personagem FLÁVIO, casado com uma atriz, MÁRCIA, a qual resolve levar o elenco da peça que estão ensaiando para o apartamento da sogra, que toma por empréstimo, a fim de, por meio de uma “festa”, trabalhar num “laboratório”, para o espetáculo, que incluía um sexo grupal, situação com a qual o personagem se defronta, ao voltar do trabalho.

            FLÁVIO se vê totalmente fora de sua área de conforto, diante daquela insólita situação, e se sente constrangido, em relação a um vizinho, que, de sua janela, consegue ver o que se passa no outro apartamento. FLÁVIO tenta explicar o “inexplicável”, sente-se na obrigação de justificar o “injustificável”. 

            Sendo minoria, no grupo, e, pela mulher, o homem tenta algo impossível, que absolutamente se aplica a uma situação como aquela, qual seja estabelecer regras de conduta numa “suruba”. É extremamente hilária a situação do personagem e ótima a atuação do ator. Aliás, a bem da verdade, o quinteto é responsável por uma enorme percentual do sucesso que o espetáculo vem alcançando, desde sua estreia. Todos atuam magnificamente!

            Um trecho deste esquete: Posso só pedir uma coisa? Gostaria que os cônjuges se mantivessem fora do campo visual do seu respectivo cônjuge. Não, Heitor! Se você quiser o seu marido, pode ficar no seu campo visual. Olha, eu tô falando mais especificamente da Márcia. Seria legal se a Márcia ficasse fora do meu campo visual. Pode ser, Márcia?”,

 
O espetáculo, que tem direção, a quatro mãos, de MONIQUE GARDENBERG e HAMÍLTON VAZ PEREIRA, recebe o excelente reforço técnico e o suporte de um ótimo cenário, de DANIELA THOMAS e CAMILA SCHMIDT; uma ILUMINAÇÃO perfeita, de MANECO QUINDERÉ; e ótimos figurinos, de CÁSSIO BRASIL.

Ainda contribuem, nessa parte, os vídeos, de DADO MARIETTI e as imagens, ajundando a compor o cenário, assinadas por RADIOGÁFICA, empresa também responsável pelo projeto gráfico.

Para os que nunca assistiram à peça, recomendo, com bastante ênfase, o espetáculo e, para os que já tiveram a grata satisfação de assistir a ele, em alguma das versões anteriores, também faço a recomendação, mas com um lembrete: não vá, pensando em fazer comparações. Elas não cabem, de forma alguma. Todas as versões anteriores foram ótimas e esta não é diferente.

 
 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
BRANCA DE NEVE
De Julia Spadaccini
Com Débora Lamm
 
NANA, NENÊ
De Antônio Prata
Com Bruno Mazzeo
 
ARARA VERMELHA
De Jô Bilac
Com Fabiula Nascimento
 
MILHO AOS POMBOS
De Pedro Kosoviski, com a colaboração de André Boucinhas
Com Thalita Carauta
 
REGRAS DE CONVIVÊNCIA
De Gregório Duvivier
Com Lúcio Mauro Filho
 
 
Direção: Hamilton Vaz Pereira e Monique Gardenberg
Cenário: Daniela Thomas e Camila Schmidt
Imagens do Cenário e Projeto Gráfico: Radiográfica
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurino: Cássio Brasil
Fotos: André Gardenberg
Vídeos: Dado Marietti
Assistente de Direção: Mila Portella e Sérgio Maciel
Direção de Palco : Jorge Basto
Operador de Luz: Vladimir Freire
Operadora de Som: Joana Guimarães
VJ: Bruno Grieco
Contra Regra: Gabriel Max Serqueira
Maquinista: Patrick Sousa
Caracterização: Sônia Penna
Produção de Figurino: Patricia Sato e Sonja Gradel
Assessoria de Imprensa: Vanessa Cardoso / Factoria Comunicação
Texto Programa: Isabel De Luca
Gerência Comercial: Josy Siqueira e Stefania Dzwigalska
Financeiro: Ângela Matos
Equipe Rio: Marco Aurélio Serqueira, Mônica Lima, Juliana Trimer e Júlia Gonçalves.
Equipe São Paulo: Otávio Ferraz, Tommy Kenny e Vivian Villanova 
Motorista: João Batista Oliveira
Produção Teatro: Dada Maia
Direção de Produção: Clarice Philigret
Diretores Executivos: Carlos Martins e Jeffrey Neale
Idealização: Dueto
Realização: Nós3
 




 

 
SERVIÇO:
  
Local: Teatro Oi Casa Grande
Endereço: Av. Afrânio de Melo Franco, 290 – Loja A, Leblon
Telefone: (21) 3114-3712
Temporada: De 08 de setembro a 30 de outubro
Dias e Horários: 5ª fera, 6ª feira e sábado, às 21h*; domingo, às 20h
 
Valor dos Ingressos: 
Balcão Setor 3: R$50,00 (inteira) | R$25,00 (meia-entrada);
Balcão Setor 2: R$70,00 (inteira) | R$35,00 (meia-entrada);
Plateia Setor 1: R$100,00 (inteira) | R$50,00 (meia-entrada);
Plateia VIP e Camarote: R$120,00 (inteira) | R$60,00 (meia-entrada)
 
A bilheteria funciona de 3ª feira a sábado, das 15h às 21h, e, aos domingos, das 15h às 19h.
Aceitamos todos os cartões de crédito e débito.
Venda online: www.ingresso.com
 
Classificação Etária: 14 anos
Gênero: Comédia
Duração: 80 min.
 

 
 
 

 

(FOTOS: ANDRÉ GARDENBERG.)
 
 
 


 


 




 



 
 
 
 
 
 

terça-feira, 27 de setembro de 2016

PARADINHA CEREBRAL


(NEM MELHOR, NEM PIOR;
APENAS UM ESPETÁCULO TEATRAL “DIFERENTE”
E DE EXCELENTE QUALIDADE.)





Para início de conversa, que fique bem claro que o “diferente”, a que se refere o subtítulo, foi empregado com o melhor sentido, unicamente denotativo. É diferente, porque o protagonista (CASSIANO FERNANDEZ – CACÁ) - porque também há uma protagonista (MIRNA RUBIM – MADALENA / MADÁ) - não é um ator profissional (é a primeira vez que atua), embora se saia muito bem no palco, dentro de suas limitações, já que, ao nascer, sofreu uma paralisia cerebral, que o atingiu nos movimentos, “compensando-o” com uma inteligência prodigiosa e uma alegria e força para viver, que servem de exemplo a muitas pessoas ditas “normais”. Por falar nisso, CACÁ é uma das pessoas mais NORMAIS (sem aspas e com todas as maiúsculas) que eu conheço.

Ninguém foi mais crítico do que eu, com relação à infeliz ideia de o Rio de Janeiro, com tantas carências, no campo da educação, da saúde, dos transportes públicos, do saneamento, das moradias, além de outras, sediar e bancar as Olimpíadas e, na garupa, as ParaOlimpíadas. Não posso, entretanto, me omitir e não dizer que, se houve viabilidade, para que “PARADINHA CEREBRAL” fosse encenada, garantindo seu sucesso, tanto de público quanto de crítica, isso só ocorreu graças à condição de o projeto ter sido vencedor de um edital especial, o “Cidade Olímpica”, lançado pela Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro. Tal escolha, além da qualidade do texto e da importância do projeto, deve estar relacionada ao fato de a peça tratar de um tema ligado às limitações físicas e/ou mentais do ser humano. O espetáculo foi programado, cumprindo o já citado edital, para ser encenado, paralelamente, durante a realização dos dois eventos esportivos já citados. E acabou se estendendo até o dia 29 de setembro / 2016.

E digo isso muito feliz, pois valeu muito a pena ter ido, no dia 14, próximo passado, quase ao final, infelizmente, da temporada, à sala 2 do Teatro Fashion Mall, para aplaudir os talentos de CASSIANO e MIRNA.

O texto e a direção da peça são assinados por IURI SARAIVA, um jovem ator, que também joga bem em outras posições.



SINOPSE:

Preocupados com uma curva de baixa audiência, os produtores do “talk show” “Show da Madá” resolvem trazer um convidado inusitado ao programa: o jornalista, cantor lírico, cadeirante e paralisado cerebral CASSIANO FERNANDEZ (CACÁ).

A apresentadora MARIA MADALENA, interpretada pela cantora lírica e preparadora vocal MIRNA RUBIM, que, na vida real, também é professora de canto de CASSIANO, é tomada de surpresa, por um entrevistado livre de neuroses e com um humor peculiar.

Nesse encontro, regado a muita música, rivalidade e recalque, MADÁ terá que encarar seu sonho frustrado de ser cantora lírica e CACÁ lhe dará lições ácidas e divertidas, encorajando-a a realizar o seu tão almejado sonho.







A história de “PARADINHA CEREBRAL” se desenvolve a partir de uma entrevista fictícia, em que o entrevistado não representa uma pessoa sequelada, alguém que sofreu uma paralisia cerebral; é o contrário: uma pessoa com comprometimentos de mobilidade, por conta de ter sofrido uma lesão cerebral, faz um trabalho de ator, representando um personagem sagaz, irônico, perspicaz, mordaz, ferino, cáustico... e, TAMBÉM MUITO ENGRAÇADO.

Com a maior naturalidade, mais para o desinibido, e “exibido”, entrevistado do que para a embaraçada entrevistadora, fala-se de tudo, durante o programa, desde questões ligadas a preconceitos e trabalho, passando por uma invasão na privacidade sexual do entrevistado, não deixando de valorizar – é claro – a discussão sobre o relacionamento das pessoas com quem é portador de alguma necessidade especial e a tão falada inclusão social, muito discutida e pouco praticada.

Gostei muito do formato da peça. Além dos diálogos, durante a “entrevista”, com boa dramaturgia, os dois personagens ainda conversam durante os intervalos de gravação do programa, sem falar nos excelentes vídeos que são projetados, mostrando depoimentos dos pais de CACÁ, bem como cenas do cotidiano do rapaz, em casa, vestindo-se, tentando entrar num ônibus e em ação no trabalho. Sim! CASSIANO é jornalista e publicitário, e trabalha numa das maiores agências de publicidade mundiais, a NBS, o quinto maior grupo de comunicação do mundo, com escritórios espalhados por cento e dez países e nos cinco continentes. Além disso, é o idealizador e administrador da página Código da Ópera, manifestação artística da qual é um grande admirador e conhecedor. Foi editor da coluna sobre ópera do informativo quinzenal do Instituto Brasileiro de Defesa da Pessoa com Deficiência. É, também, um grande fã de novelas e palestrante em eventos sobre pedagogia inclusiva.

Conheci CASSIANO, quando vi a peça, e já o considero meu amigo, por se tratar de uma criatura adorável, extremamente alegre, nos seus 29 anos. Ele se considera – e é mesmo – uma pessoa “descolada”, a despeito de sua condição física. Extremamente inteligente e independente, fala quatro idiomas e frequenta, há cinco anos, as aulas de canto de MIRNA RUBIM. Afirma que é quase impossível alguém o ofender com questões de deficiência e que a ideia de “alfinetar” a personagem MADÁ, em cena, é muito intencional, com o objetivo de “acordar o público”.

CACÁ, de forma muito linda e carinhosa, faz, em cena, um agradecimento a seus pais, os quais ele considera os arquitetos da maneira como ele enxerga, hoje, o mundo, uma vez que era muito comum, quando ele nasceu, e ainda ocorre, com menos intensidade, nos dias de hoje, que os pais evitassem a exposição de um filho deficiente, mantendo-o, quase sempre recluso, em casa, para que não passassem, pais e filhos, por situações “constrangedoras”. Ao contrário disso, seus pais sempre o trataram como qualquer criança, levando-o ao clube, aos “shoppings” e a reuniões sociais, o que lhe possibilitou ter uma visão diferente da sua condição. “Eu sou tão em paz comigo, que, quando eu vejo pessoas que se lamentam por serem deficientes, fico um pouco chateado” — diz CACÁ.

A simples ideia da realização do espetáculo é digna de todos os aplausos, até mesmo se ele não fosse de boa qualidade, o que não é o caso, pois é uma oportunidade ímpar de mostrar que qualquer tipo de deficiência, nas pessoas, não deve ser “desculpa” para fracassos e acomodação. Elas têm seu espaço, no universo cultural, e abordar o tema pode ser é uma tentativa de conclamar a população a respeitar e reconhecer o valor daquelas pessoas. Essa é a intenção maior da peça.

            O espetáculo, do ponto de vista técnico, é simples, modesto, mas nem por isso é de qualidade duvidosa. Muito pelo contrário! É mais uma prova de que se pode montar um grande espetáculo de TEATRO com limitados recursos de cenografia, figurino e iluminação, por sinal, três ótimos elementos na peça, desde que sejam colocados a alma e o amor ao TEATRO em primeiro plano.






A propósito, o cenário, assinado por JOÃO DE FREITAS, é formado apenas por um piano de cauda (falso, cenográfico; na verdade, um piano elétrico, acoplado a uma carcaça de um piano de cauda) e uma tela, para projeções, limitada por uma bela moldura de um quadro. Não há necessidade de nada mais.

JOÃO também assina os figurinos, completamente integrados às exigências da peça e condições dos personagens. MIRNA, como a apresentadora de um programa de TV, veste um traje mais sofisticado e CACÁ se apresenta num estilo “casual”, como um jovem classe média de sua idade.

É correta a iluminação, de RAFAEL ANDRADE e também me agradou a trilha sonora da peça, cujo nome do responsável não encontrei, na ficha técnica. Talvez seja de MIRNA RUBIM, que assina a direção musical da peça.

Um crédito especial deve ser atribuído a DANIEL GONÇALVES, responsável pelos vídeos e por toda a parte relacionada à videografia. Esse destaque é merecido por dois motivos; primeiro, pela ótima qualidade do material e do trabalho e, segundo, pelo fato de que ele também sofreu paralisia cerebral.

Depois de tanto ter falado do talento de CASSIANO, preciso, também, destacar a excelente atuação de MIRNA RUBIM, que não é novidade, para quem já a conhece, e uma gratíssima surpresa, para os que nunca tiveram a oportunidade de vê-la, em outros trabalhos, tanto como cantora lírica quanto como atriz, em, por exemplo, “A Noviça Rebelde”, como a Madre Superiora, e em “A Gaiola das Loucas”, como Mme. Renauld, Mme. Dindon, além de ter sido a supervisora vocal do musical. Na televisão, é meio bissexta, embora já tenha atuado em novelas e seriados. É uma das mais requisitadas preparadoras vocais dos espetáculos musicais do Rio de Janeiro e Coordenadora do Núcleo de Teatro Musical da CAL - Centro de Artes de Laranjeiras.


 


Talvez em função do relacionamento profissional e afetivo entre os dois, na vida real, em cena, tudo é muito natural, mérito também para a direção, que, de forma inteligente, procurou não interferir nesse aspecto, fazendo com que o público ganhasse com isso. IURI SARAIVA, além de bom autor de TEATRO, também se apresenta, aqui, como um diretor que demonstra conhecer bem os limites e o potencial interpretativo de seus atores e sabe, e forma perfeita, explorar tais aspectos.


Algumas cenas e detalhes da peça que mais me agradaram:

1)      A exímia atuação, também, ao piano, de MIRNA RUBIM.
2)  A brilhante interpretação de MIRNA, para a canção “Cry Me A River”, de Arthur Hamilton, uma das minhas preferidas.
3)    O tom didático e simples como CACÁ conta a história de Maria Callas, a diva do canto lírico.
4)     A cena em que CACÁ fala sobre a ignorância das pessoas, em geral, acerca do que é a paralisia cerebral, explicando, de forma bem simples, os vários níveis de comprometimento causados pela doença.
5)     A cena em que CACÁ e MIRNA cantam, juntos, um trecho de uma ópera. Ela, com a técnica; ele, com o coração.
6)      O momento em que CACÁ passa da posição de entrevistado a entrevistador, causando um “constrangimento” na apresentadora do programa, provocando as melhores gargalhadas que a peça nos proporciona.
7)    A cena em que MADÁ, incentivada por CACÁ, canta um trecho de “La Traviata”, de Verdi.
8)      A hilária cena em que CACÁ conta uma experiência sexual num motel.




Não se pode classificar o espetáculo como um musical, embora haja alguns bons números musicais da peça.

Segundo CACÁ, é polêmico falar sobre pessoas que vivem reclamando de sua condição de portadoras de necessidades especiais, que vivem maldizendo sua “sorte”,  colocando-se na condição de vítimas. Ele espera que a peça possa levar essas pessoas a esquecer essa vitimização e apostar numa vida “normal”.

Para encerrar esta crítica, por oportuno, deixo a fala final do personagem CACÁ, que é uma lição de vida e um recado muito importante para a conscientização de quem não é cadeirante, ou coisa parecida, e não sabe valorizar o que a vida lhe oferece:


 




ESTA CADEIRA DE RODAS É, PARA MIM, O QUE A MÃE DE CALLAS FOI PARA ELA. 
TODO DIA, A CADEIRA ME DIZ QUE NÃO VOU CONSEGUIR, QUE O MUNDO NÃO TEM ESPAÇO PARA MIM, QUE EU NÃO ME ENCAIXO. 
ÀS VEZES, DEMORA ALGUMAS HORAS, PARA EU PERCEBER QUE NÃO É ELA QUE ME LEMBRA DISSO. SOU EU. 
A CADEIRA DE RODAS É UM CONVITE DIÁRIO À SABOTAGEM. 
NÃO É UM CASTIGO, PUNIÇÃO, PROVAÇÃO. 
SIMPLESMENTE, ACONTECE E NINGUÉM ESTÁ A SALVO. 
ENTÃO, MEUS LINDOS, SE, UM DIA, VOCÊS ESTIVEREM DO LADO DE CÁ, NÃO SE LAMENTEM OU SE VITIMIZEM. 
O DIA SEGUINTE VIRÁ E VAI TE COBRAR, COM OU SEM CADEIRA. 
UM BEIJO DO CACAZINHO!








FICHA TÉCNICA:

Texto: Iuri Saraiva
Direção: Iuri Saraiva.

Elenco: Cassiano Fernandez e Mirna Rubim

Cenário: João de Freitas Henriques
Iluminação: Rafael Andrade
Figurino: João de Freitas Henriques
Videografia: Daniel Gonçalves
Direção Musical: Mirna Rubim
Fotografia: Fabrício Mota
Projeto Gráfico: Aline Carrer
Assessoria de Imprensa: Contexto e Comunicação
Conceoção e Produção: Lara Pozzobon.
Produção Executiva: Tiago Moreno
Patrocínio: Secretaria Municipal de Cultura / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro










SERVIÇO:

Temporada: De 20 de julho a 29 de setembro.
Local: Teatro Fashion Mall – Teatro 2
Endereço: Estrada da Gávea, 899 – loja 213 – São Conrado – Rio de Janeiro
Telefone: (21) 2422-9800
Dias e Horários: Às 4ªs e 5ªs feiras, às 21h30min
Valor do Ingresso: R$60,00 (Com direito a meia-entrada a todos os que fizerem jus ao benefício.)
Indicação Etária: 12 anos




(FOTOS: FABRÍCIO MOTA
e DIVULGAÇÃO)

Cassiano Fernandez, Iuri Saraiva (autor do texto e diretor),
Mirna Rubim e a atriz Giulia Nadruz.



Cacá, Iuri Saraiva, Mirna Rubim e eu.