LAPINHA
(CULTURA E DIVERSÃO: SEMPRE É
TEMPO DE SE APRENDER.)
Está
em cartaz, no Teatro Clara Nunes (3º
piso do Shopping da Gávea), infelizmente, apenas em horários alternativos (4ª feira, às 21h, e 5ª feira e 6ª feira,
às 18h30min), um espetáculo musical que deveria ocupar o chamado “horário nobre”
e ser visto por todos os que gostam de TEATRO,
em função de sua boa qualidade.
Falo
de LAPINHA, um “parto quase a
fórceps”, para chegar ao palco, tendo como responsável maior a atriz ISABEL FILLARDIS, que protagoniza o
espetáculo.
O
título da peça pode levar o espectador ao Clara
Nunes com expectativas diferentes, entretanto, se ele não ler nada sobre a
peça, antes de ir, terá uma grande e agradabilíssima surpresa, pois nunca
poderia imaginar que lá está sendo encenada uma história sobre uma cantora
lírica e atriz dramática, negra, brasileira, do final do século XVIII e início
do XIX, que encantou os amantes da bela música e da bela voz, principalmente no
Rio de Janeiro, chegando à Europa (Portugal).
Tudo
começou quando o marido de ISABEL, Júlio César, viu, num bar, situado num
bairro boêmio carioca, Lapa, um
retrato (pintura) na parede, à guisa de decoração, de uma mulher muito parecida
com a esposa. Quis saber de quem se tratava
e, impressionado com a semelhança física com ISABEL, fotografou aquela imagem e a enviou à esposa, sugerindo que
esta pesquisasse sobre aquela pessoa, o que FILLARDIS passou a fazer, interessando-se, então, por viver, no
palco, a história de uma guerreira, como ela própria (ISABEL), que, a despeito de todo o enorme e cruel preconceito
racial da época (Seria diferente nos dias de hoje?), conseguiu vencer e ser
respeitada, como artista, como uma das maiores cantoras líricas de seu tempo, a
única que, por ser negra, mas “devido a seu enorme talento”, recebeu uma “autorização”,
por parte da Rainha D. Maria, de Portugal, e do Príncipe Regente, para cantar
em terras lusitanas, onde morou durante 14 anos, e só fez crescer o seu sucesso,
e também onde conheceu o grande amor de sua vida, o poeta João Sarmento.
Isabel (Lapinha) e Ivan Vellame (João Sarmento).
Apenas
por curiosidade, o retrato da cantora passou a ser a logomarca do bar da Lapa, o qual leva seu nome, no
diminutivo afetivo, assinada pelo artista gráfico Mello Menezes, o qual, por não contar
com nenhuma referência iconográfica de LAPINHA,
pintou-a da forma como imaginava ser JOAQUINA
MARIA DA CONCEIÇÃO LAPA, seu verdadeiro nome.
Isabel Fillardis.
UM POUCO SOBRE A PERSONAGEM,
ADAPTADO, PRINCIPALMENTE, DA ENCICLOPÉDIA LIVRE WIKIPÉDIA:
Sua origem é
meio discutível, mas parece que nasceu mesmo em Minas Gerais, transferindo-se,
quando moça, para o Rio de Janeiro, na companhia da mãe.
Começou a atuar no Rio por volta de 1780.
Apresentou-se em
várias cidades portuguesas,
principalmente em Lisboa, de 1791 a 1805.
A 16
de janeiro de 1795,
da Gazeta de Lisboa, chegou a citar que "Joaquina
Maria da Conceição Lapinha, natural do Brasil, onde se fizeram famosos os seus
talentos musicais, já têm sido admirada pelos melhores avaliadores desta
capital". edição
de
Em 6 de
fevereiro de 1795,
a mesma publicação fez uma crítica mais elogiosa, ao registrar que plateias
europeias teriam ficado deslumbradas com a capacidade artística da cantora
lírica.
Não existem retratos ou uma imagem real conhecida
da cantora, mas Joaquina Lapinha era
negra e isso acrescentava mais desafios à carreira dela, pelo contexto racista.
O viajante sueco Carls Ruders
(1761-1837) chegou a
registrar que ela tinha de disfarçar a cor da pele com tinta branca, pois os
europeus julgavam o seu aspecto “inconveniente”.
Ruders detalhou que "Joaquina
Lapinha é mulata e filha de uma mulata, por cujo motivo tem a pele bastante
escura. Este inconveniente, porém, remedia-se com cosméticos. Fora disso, tem
uma figura imponente, boa voz e muito sentimento dramático".
Os jornais brasileiros também costumavam se
referir a ela como “artista de uma voz extraordinária, mas com
um pequeno inconveniente: a tez excessivamente morena”.
“O
contexto social da época era uma questão e tanto para LAPINHA, que ela chegava
a pintar o rosto de branco, para se apresentar nos palcos e sofrer menos
críticas. Usou de um artifício doloroso,
para fazer nascer a sua arte”, no dizer de ISABEL FILLARDIS.
Zezeh Barbosa, Isabel Fillardis e Helga Nemeczyk.
Após o período na Europa, voltou a se apresentar
em óperas do Rio de Janeiro.
A vida de LAPINHA
fez parte do livro Negras Líricas: Duas Intérpretes Brasileiras
na Música de Concerto (Sete Lagoas, 2008), do pesquisador e
músico Sérgio Bittencourt Sampaio,
e foi citada em O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis (1956), do cronista Luís
Edmundo, como aquela que ficava "pisando
como ninguém em tablas (palco)", além de ter sido enredo da escola de samba
Inocentes de Belford Roxo, no carnaval 2014.
O
texto da peça, escrito por JOÃO BATISTA, é uma versão romântica, e
totalmente livre, da vida da personagem, já que são raras as informações a seu
respeito, o que proporcionou ao dramaturgo explorar bastante sua imaginação e criatividade,
levando o público a não encontrar medidas ou limites para acompanhar o autor em sua deliciosa “viagem”, do início ao fim do espetáculo. Trata-se de um texto leve, objetivo e de fácil
assimilação por qualquer pessoa atenta à narrativa, a despeito dos termos de
época, os quais não funcionam como obstáculo à captação das mensagens, em
função do contexto em que estão inseridos.
O texto deixa bem claro a crueldade como se praticava o preconceito
racial, na época em que viveu a heroína da peça, de forma nem um pouco
velada. As cenas são divididas em três
momentos: a infância e adolescência da personagem, que corresponde à menor
parte da trama; sua vida adulta, a maior parte do texto; e o momento presente,
em algumas cenas, passadas num museu, no qual estaria exposto um quadro da
enigmática personagem.
Isabel Fillardis e Ruben
Gabira.
Isabel e Zezeh.
A
direção, a quatro mãos, repetindo a
dose em produções anteriores, é de ÉDIO
NUNES e VILMA MELO, que se
empenharam bastante – conseguiram um ótimo resultado – para contar uma história
de época num tempo tão “moderno”, lutando contra todos os obstáculos que se
colocaram à frente do caminho dos dois, inclusive tendo de ajustar a montagem à
limitação de espaço (Dividem o palco do Teatro
Clara Nunes com outra produção, em horário “nobre” – EM TEATRO, TODO HORÁRIO É NOBRE, não me canso de dizer.). Com parcos recursos, já que a montagem é bem
modesta, em termos de orçamento, os diretores “tiraram leite de pedra” e
realizaram um trabalho correto, da maior honestidade, aproveitando o talento do
elenco para musicais.
Fiquei
totalmente encantado, embevecido mesmo, com a qualidade musical do espetáculo,
quer pela interpretação dos atores/cantores, quer pela ótima qualidade dos músicos,
que ocupam uma das laterais do palco (FELIPE
TAUIL, GABRIEL GRAVINA, ISABELLE ALBUQUERQUE, LUIZ FELIPE FERREIRA e WHATSON CARDOZO). Mas o motivo maior de tal êxtase se deve à
beleza das canções, especialmente
compostas para o espetáculo (letras e
melodias) por um gênio da música e que, de há muito, felizmente, vem pondo
seu talento à disposição dos musicais: WLADIMIR
PINHEIRO, também responsável pelos arranjos
e pela direção musical da peça. Digno dos maiores elogios!!! Uma partitura de difícil execução e que gera
um resultado excelente, um deleite para os ouvidos mais sensíveis.
Quanto
ao elenco, nota-se uma grande
homogeneidade entre os três atores e as três atrizes, que se desdobram em mais
de um papel, à exceção de duas atrizes, que só fazem um papel: ISABEL FILLARDIS (LAPINHA), com uma
forte entrega emocional ao dar vida à personagem, num trabalho deveras comovente, e ZEZEH BARBOSA (MARIA DA
LAPA, mãe de LAPINHA), negra alforriada, que via, no talento da filha, desde criança,
uma porta para a ascensão social, por meio de um “bom casamento”. Os demais são HELGA NEMECZYK, IVAN VELLAME,
NANÁ NASCIMENTO e RUBEN GABIRA. Além da boa atuação, contando com o ótimo
trabalho dos preparadores vocais, ESTER
ELIAS e MARCELO SADER, brindam a
plateia com suas excelentes vozes, excetuando-se ZEZEH, que é mais atriz que cantora, mas que não compromete a qualidade
do espetáculo, quando, em menor escala que os demais do elenco, se arrisca no
canto. Causou-me uma excelente surpresa
o desempenho vocal de ISABEL FILLARDIS,
que até já poderia existir, antes deste espetáculo, entretanto não me lembro de
ter sido apresentado a ele antes; não me recordo de tê-la visto cantando, em
cena, o que me agradou sobremaneira.
O elenco.
Todos
os demais setores envolvidos na montagem em tela cumprem, satisfatoriamente, o
seu papel, contudo um destaque especial vai para os figurinos (ESPETACULAR! PRODUÇÕES E ARTES. Leia-se: NEY MADEIRA, DANI VIDAL e
PATI FAEDO). Brilhante a ideia de
utilizar, basicamente, o azul e o
branco, em todos os figurinos, com predominância daquele, misturando
tonalidades e texturas, onde cabem casamentos inusitados, com “jeans” e tecidos
baratos, como chita e outros panos mais leves, com variações de estampados. Talvez fique difícil, para quem me lê,
visualizar tal descrição e o belo efeito plástico que isso produz; mais um
motivo para conferir “in loco”.
FICHA TÉCNICA:
Texto: JOÃO BATISTA
Direção: ÉDIO NUNES e VILMA MELO
Letras, Músicas, Arranjos e Direção Musical:
WLADIMIR PINHEIRO
Elenco: ISABEL FILLARDIS, ZEZEH BARBOSA, HELGA
NEMECZYK, IVAN VELLAME, NANÁ NASCIMENTO e RUBEN GABIRA
Músicos: FELIPE TAUIL, GABRIEL GRAVINA, ISABELLE
ALBUQUERQUE, LUIZ FELIPE FERREIRA E WHATSON CARDOZO
Iluminação: AURELIO DE SIMONI
Sonorização: ANDREA ZENI
Cenografia e Figurino: ESPETACULAR! PRODUÇÕES E ARTES
(NEY MADEIRA, DANI VIDAL e PATI FAEDO)
Visagismo: MONA MAGALHÃES
Preparação Vocal: ESTER ELIAS e MARCELO SADER
Programação Visual e Fotografia: LÉO VIANA
Direção de Palco e Assistente de Produção: AILIME
CORTAT
Operador de Luz: ANDERSON SCHINEIDER
Operador de Som: ARTHUR FERREIRA
Microfonista: VICTOR LICAZALI
Contrarregra: MARCUS CALLEGARIO
Assistentes de Fotografia: HELOAH BACELLAR e LEONARDO
ALVES
Assistente de Sonorização: JOYCE SANTIAGO
Equipe de Montagem de Som: ARTHUR FERREIRA, VICTOR
LICAZALI e UBERLAN
Assistente de Cenário e Adereços de Cena: VINÍCIUS
LUGON
Assistente de Figurino: BRUMA NATTRODT
Perucas: DIVINA LUJAN
Confecção de Panier: CLAUDIA TAYLOR
Costura: ATELIER TRÊS MENINAS
Cenotécnica: ANDRÉ SALLES e EQUIPE
Costura de Cenário: ROSÂNGELA LAPAS
Assessoria de Imprensa: WILL COMUNICAÇÃO e LUIZ MENNA
BARRETO
Produção Executiva: DEBORAH AGUIAR e ALESSA
FERNANDES
Direção
de produção: ISABEL FILLARDIS e
LETICIA NÁPOLE
Helga Nemeczyk.
Ivan Vellame.
SERVIÇO:
TEATRO CLARA NUNES – Shopping da
Gávea (Rua
Marques de São Vicente, 52, 3º Piso)
TEMPORADA: Até 19 de dezembro
HORÁRIOS: 4ª feira, às 21h; 5ª e 6ª feiras, às 18h30min.
DURAÇÃO: 80 minutos
CLASSIFICAÇÃO: LIVRE
GÊNERO: MUSICAL
Merecidos aplausos.
LAPINHA é uma peça que mexe bastante com
a sensibilidade do espectador e trata da vitória da coragem, da determinação,
da autovalorização, da luta contra a segregação racial sobre a mediocridade e a
pequenez dos preconceitos.
Recomendo, com muito prazer e
consciência, este espetáculo!!!
(FOTOS: LÉO VIANA)