domingo, 26 de outubro de 2014


LAPINHA

 

 

(CULTURA E DIVERSÃO: SEMPRE É TEMPO DE SE APRENDER.)

 

 


 

 

            Está em cartaz, no Teatro Clara Nunes (3º piso do Shopping da Gávea), infelizmente, apenas em horários alternativos (4ª feira, às 21h, e 5ª feira e 6ª feira, às 18h30min), um espetáculo musical que deveria ocupar o chamado “horário nobre” e ser visto por todos os que gostam de TEATRO, em função de sua boa qualidade.

 

            Falo de LAPINHA, um “parto quase a fórceps”, para chegar ao palco, tendo como responsável maior a atriz ISABEL FILLARDIS, que protagoniza o espetáculo.

 

            O título da peça pode levar o espectador ao Clara Nunes com expectativas diferentes, entretanto, se ele não ler nada sobre a peça, antes de ir, terá uma grande e agradabilíssima surpresa, pois nunca poderia imaginar que lá está sendo encenada uma história sobre uma cantora lírica e atriz dramática, negra, brasileira, do final do século XVIII e início do XIX, que encantou os amantes da bela música e da bela voz, principalmente no Rio de Janeiro, chegando à Europa (Portugal).

 

            Tudo começou quando o marido de ISABEL, Júlio César, viu, num bar, situado num bairro boêmio carioca, Lapa, um retrato (pintura) na parede, à guisa de decoração, de uma mulher muito parecida com a esposa.  Quis saber de quem se tratava e, impressionado com a semelhança física com ISABEL, fotografou aquela imagem e a enviou à esposa, sugerindo que esta pesquisasse sobre aquela pessoa, o que FILLARDIS passou a fazer, interessando-se, então, por viver, no palco, a história de uma guerreira, como ela própria (ISABEL), que, a despeito de todo o enorme e cruel preconceito racial da época (Seria diferente nos dias de hoje?), conseguiu vencer e ser respeitada, como artista, como uma das maiores cantoras líricas de seu tempo, a única que, por ser negra, mas “devido a seu enorme talento”, recebeu uma “autorização”, por parte da Rainha D. Maria, de Portugal, e do Príncipe Regente, para cantar em terras lusitanas, onde morou durante 14 anos, e só fez crescer o seu sucesso, e também onde conheceu o grande amor de sua vida, o poeta João Sarmento.

 

 



Isabel (Lapinha) e Ivan Vellame (João Sarmento).

 


 

            Apenas por curiosidade, o retrato da cantora passou a ser a logomarca do bar da Lapa, o qual leva seu nome, no diminutivo afetivo, assinada pelo artista gráfico Mello Menezes, o qual, por não contar com nenhuma referência iconográfica de LAPINHA, pintou-a da forma como imaginava ser JOAQUINA MARIA DA CONCEIÇÃO LAPA, seu verdadeiro nome.

 



 




 

 


Isabel Fillardis.

 

 

 

 

UM POUCO SOBRE A PERSONAGEM, ADAPTADO, PRINCIPALMENTE, DA ENCICLOPÉDIA LIVRE WIKIPÉDIA:

 

Sua origem é meio discutível, mas parece que nasceu mesmo em Minas Gerais, transferindo-se, quando moça, para o Rio de Janeiro, na companhia da mãe.

  

Começou a atuar no Rio por volta de 1780.

 

Apresentou-se  [em várias cidades portuguesas, principalmente em Lisboa, de 1791 a 1805.

 

A [edição de 16 de janeiro de 1795, da Gazeta de Lisboa, chegou a citar que "Joaquina Maria da Conceição Lapinha, natural do Brasil, onde se fizeram famosos os seus talentos musicais, já têm sido admirada pelos melhores avaliadores desta capital".

  

Em 6 de fevereiro de 1795, a mesma publicação fez uma crítica mais elogiosa, ao registrar que plateias europeias teriam ficado deslumbradas com a capacidade artística da cantora lírica.

  

Não existem retratos ou uma imagem real conhecida da cantora, mas Joaquina Lapinha era negra e isso acrescentava mais desafios à carreira dela, pelo contexto racista.[  O viajante sueco Carls Ruders (1761-1837) chegou a registrar que ela tinha de disfarçar a cor da pele com tinta branca, pois os europeus julgavam o seu aspecto “inconveniente”.

 

Ruders detalhou que "Joaquina Lapinha é mulata e filha de uma mulata, por cujo motivo tem a pele bastante escura. Este inconveniente, porém, remedia-se com cosméticos. Fora disso, tem uma figura imponente, boa voz e muito sentimento dramático".

 

Os jornais brasileiros também costumavam se referir a ela como artista de uma voz extraordinária, mas com um pequeno inconveniente: a tez excessivamente morena”.

 

“O contexto social da época era uma questão e tanto para LAPINHA, que ela chegava a pintar o rosto de branco, para se apresentar nos palcos e sofrer menos críticas.  Usou de um artifício doloroso, para fazer nascer a sua arte”, no dizer de ISABEL FILLARDIS.

 




Zezeh Barbosa, Isabel Fillardis e Helga Nemeczyk.

 

 


Após o período na Europa, voltou a se apresentar em óperas do Rio de Janeiro.

[] 

A vida de LAPINHA fez parte do livro Negras Líricas: Duas Intérpretes Brasileiras na Música de Concerto (Sete Lagoas, 2008), do pesquisador e músico Sérgio Bittencourt Sampaio, e foi citada em O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis (1956), do cronista Luís Edmundo, como aquela que ficava "pisando como ninguém em tablas (palco)", além de ter sido enredo da escola de samba Inocentes de Belford Roxo, no carnaval 2014.

 

            O texto da peça, escrito por JOÃO BATISTA, é uma versão romântica, e totalmente livre, da vida da personagem, já que são raras as informações a seu respeito, o que proporcionou ao dramaturgo explorar bastante sua imaginação e criatividade, levando o público a não encontrar medidas ou limites para acompanhar o autor em sua deliciosa “viagem”, do início ao fim do espetáculo.  Trata-se de um texto leve, objetivo e de fácil assimilação por qualquer pessoa atenta à narrativa, a despeito dos termos de época, os quais não funcionam como obstáculo à captação das mensagens, em função do contexto em que estão inseridos.  O texto deixa bem claro a crueldade como se praticava o preconceito racial, na época em que viveu a heroína da peça, de forma nem um pouco velada.  As cenas são divididas em três momentos: a infância e adolescência da personagem, que corresponde à menor parte da trama; sua vida adulta, a maior parte do texto; e o momento presente, em algumas cenas, passadas num museu, no qual estaria exposto um quadro da enigmática personagem.

 

 

 


Isabel Fillardis e Ruben Gabira.

 

 

Isabel Fillardis e Zezeh Barbosa: filha e mãe em "Lapinha" (Foto: Leo Viana)

Isabel e Zezeh.

 

 

            A direção, a quatro mãos, repetindo a dose em produções anteriores, é de ÉDIO NUNES e VILMA MELO, que se empenharam bastante – conseguiram um ótimo resultado – para contar uma história de época num tempo tão “moderno”, lutando contra todos os obstáculos que se colocaram à frente do caminho dos dois, inclusive tendo de ajustar a montagem à limitação de espaço (Dividem o palco do Teatro Clara Nunes com outra produção, em horário “nobre” – EM TEATRO, TODO HORÁRIO É NOBRE, não me canso de dizer.).  Com parcos recursos, já que a montagem é bem modesta, em termos de orçamento, os diretores “tiraram leite de pedra” e realizaram um trabalho correto, da maior honestidade, aproveitando o talento do elenco para musicais.


            Fiquei totalmente encantado, embevecido mesmo, com a qualidade musical do espetáculo, quer pela interpretação dos atores/cantores, quer pela ótima qualidade dos músicos, que ocupam uma das laterais do palco (FELIPE TAUIL, GABRIEL GRAVINA, ISABELLE ALBUQUERQUE, LUIZ FELIPE FERREIRA e WHATSON CARDOZO).  Mas o motivo maior de tal êxtase se deve à beleza das canções, especialmente compostas para o espetáculo (letras e melodias) por um gênio da música e que, de há muito, felizmente, vem pondo seu talento à disposição dos musicais: WLADIMIR PINHEIRO, também responsável pelos arranjos e pela direção musical da peça.  Digno dos maiores elogios!!!  Uma partitura de difícil execução e que gera um resultado excelente, um deleite para os ouvidos mais sensíveis.


            Quanto ao elenco, nota-se uma grande homogeneidade entre os três atores e as três atrizes, que se desdobram em mais de um papel, à exceção de duas atrizes, que só fazem um papel: ISABEL FILLARDIS (LAPINHA), com uma forte entrega emocional ao dar vida à personagem, num trabalho deveras comovente, e ZEZEH BARBOSA (MARIA DA LAPA, mãe de LAPINHA), negra alforriada, que via, no talento da filha, desde criança, uma porta para a ascensão social, por meio de um “bom casamento”.  Os demais são HELGA NEMECZYK, IVAN VELLAME, NANÁ NASCIMENTO e RUBEN GABIRA.  Além da boa atuação, contando com o ótimo trabalho dos preparadores vocais, ESTER ELIAS e MARCELO SADER, brindam a plateia com suas excelentes vozes, excetuando-se ZEZEH, que é mais atriz que cantora, mas que não compromete a qualidade do espetáculo, quando, em menor escala que os demais do elenco, se arrisca no canto.  Causou-me uma excelente surpresa o desempenho vocal de ISABEL FILLARDIS, que até já poderia existir, antes deste espetáculo, entretanto não me lembro de ter sido apresentado a ele antes; não me recordo de tê-la visto cantando, em cena, o que me agradou sobremaneira.

 




O elenco.

 



            Todos os demais setores envolvidos na montagem em tela cumprem, satisfatoriamente, o seu papel, contudo um destaque especial vai para os figurinos (ESPETACULAR! PRODUÇÕES E ARTES.  Leia-se: NEY MADEIRA, DANI VIDAL e PATI FAEDO).  Brilhante a ideia de utilizar,  basicamente, o azul e o branco, em todos os figurinos, com predominância daquele, misturando tonalidades e texturas, onde cabem casamentos inusitados, com “jeans” e tecidos baratos, como chita e outros panos mais leves, com variações de estampados.  Talvez fique difícil, para quem me lê, visualizar tal descrição e o belo efeito plástico que isso produz; mais um motivo para conferir “in loco”.

 



 
FICHA TÉCNICA:

Texto: JOÃO BATISTA 

Direção: ÉDIO NUNES e VILMA MELO

Letras, Músicas, Arranjos e Direção Musical: WLADIMIR PINHEIRO

Elenco: ISABEL FILLARDIS, ZEZEH BARBOSA, HELGA NEMECZYK, IVAN VELLAME, NANÁ NASCIMENTO e RUBEN GABIRA

Músicos: FELIPE TAUIL, GABRIEL GRAVINA, ISABELLE ALBUQUERQUE, LUIZ FELIPE FERREIRA E WHATSON CARDOZO

Iluminação: AURELIO DE SIMONI

Sonorização: ANDREA ZENI

Cenografia e Figurino: ESPETACULAR! PRODUÇÕES E ARTES (NEY MADEIRA, DANI VIDAL e PATI FAEDO)

Visagismo: MONA MAGALHÃES

Preparação Vocal: ESTER ELIAS e MARCELO SADER

Programação Visual e Fotografia: LÉO VIANA

Direção de Palco e Assistente de Produção: AILIME CORTAT

Operador de Luz: ANDERSON SCHINEIDER

Operador de Som: ARTHUR FERREIRA 

Microfonista: VICTOR LICAZALI

Contrarregra: MARCUS CALLEGARIO

Assistentes de Fotografia: HELOAH BACELLAR e LEONARDO ALVES

Assistente de Sonorização: JOYCE SANTIAGO

Equipe de Montagem de Som: ARTHUR FERREIRA, VICTOR LICAZALI e UBERLAN 

Assistente de Cenário e Adereços de Cena: VINÍCIUS LUGON

Assistente de Figurino: BRUMA NATTRODT

Perucas: DIVINA LUJAN

Confecção de Panier: CLAUDIA TAYLOR

Costura: ATELIER TRÊS MENINAS

Cenotécnica: ANDRÉ SALLES e EQUIPE

Costura de Cenário: ROSÂNGELA LAPAS

Assessoria de Imprensa: WILL COMUNICAÇÃO e LUIZ MENNA BARRETO

Produção Executiva: DEBORAH AGUIAR e ALESSA FERNANDES

Direção de produção: ISABEL FILLARDIS e LETICIA NÁPOLE
 
 
 

 

 

 

 


Helga Nemeczyk.

 

 


Ivan Vellame.

 

 



 
SERVIÇO:
TEATRO CLARA NUNES – Shopping da Gávea (Rua Marques de São Vicente, 52, 3º Piso)

TEMPORADA: Até 19 de dezembro

HORÁRIOS: 4ª feira, às 21h; 5ª e 6ª feiras, às 18h30min.

DURAÇÃO: 80 minutos

CLASSIFICAÇÃO: LIVRE

GÊNERO: MUSICAL
 

 

 


 


Merecidos aplausos.

 

 

 

 
LAPINHA é uma peça que mexe bastante com a sensibilidade do espectador e trata da vitória da coragem, da determinação, da autovalorização, da luta contra a segregação racial sobre a mediocridade e a pequenez dos preconceitos.
 
Recomendo, com muito prazer e consciência, este espetáculo!!!
 

 

 

 

 

(FOTOS: LÉO VIANA)