quarta-feira, 29 de janeiro de 2014


O PASTOR
 
(OH, GLÓRIA!)

ALEXANDRE LINO
 
            Estará reestreando, amanhã, 6ª feira, dia 31 de janeiro, para uma segunda temporada, no Anexo do Teatro do Centro Cultural Solar de Botafogo, o espetáculo O PASTOR, texto de DANIEL PORTO, interpretado por ALEXANDRE LINO, KÁTIA CAMELLO e CESÁRIO CANDHÍ.
            O espetáculo fez uma ótima carreira, no final de 2013, no mesmo teatro, e, pelo menos para mim, foi uma grata surpresa, considerando que é o primeiro texto de um jovem autor de 21 anos.  Aliás, quanto a este aspecto, é muito bom constatar que muitos dramaturgos, jovens, de talento, como DANIEL PORTO, estão surgindo na nova dramaturgia brasileira, juntando-se aos nomes de JÚLIA SPADACCINI, RENATA MIZRAHI, DIOGO LIBERANO, JÔ BILAC, RODRIGO NOGUEIRA e tantos outros.
            O texto não é um monólogo, entretanto o ator principal da peça (ALEXANDRE LINO) ganha destaque sobre os demais, pois é ele, o PASTOR ANTÔNIO, quem conduz o espetáculo, como líder de uma igreja evangélica, durante um culto, contando com as interferências, bastante oportunas, de uma obreira, IRMÃ JANAÍNA (KÁTIA CAMELLO), e de um outro fiel, PAULO (CESÁRIO CANDHÍ), que ali se converte.


SAI, SATANÁS!

            Nunca estive num templo evangélico, mas já testemunhei a pregação daquele tipo de pastor, frequentemente registrada pelas emissoras de TV.  É impressionante como o jovem autor do texto, que deve ter feito um profundo trabalho de pesquisa e observação, conseguiu captar todos os mecanismos utilizados pelo pastor – refiro-me à linguagem - para ludibriar o seu rebanho (e aqui não vai nenhum tipo de crítica àqueles que exercem sua crença e ofício de pastor evangélico com dignidade e honestidade), fazendo uso dos mais absurdos expedientes para extrair-lhes dinheiro. 
DANIEL soube explorar muito bem a linguagem utilizada nesse tipo de culto.  O vocabulário “espetaculoso” do PASTOR e a “lavagem cerebral” que ele faz sobre suas presas, exercendo um poder inquestionável de persuasão, provocam muitas gargalhadas na plateia, mas, ao mesmo tempo, geram um questionamento (pelo menos comigo isso ocorreu): Estou rindo de quê? Que graça há em se enganar incautos, ingênuos, os quais são capazes de abrir mão de seus parcos recursos financeiros, em favor de uma prometida “salvação”?
            É muito bom o texto, que é dito, pelos três personagens, complementado por toda uma “mise-en-scène”, milimetricamente “coreografada” e acompanhada de gritos de bordões (“Tá amarrado, em nome de Jesus!”,  “Oh, Glória!”, "Aleluia!"), o que ajuda, e muito, na tarefa de fazer crescer o rebanho e os cifrões da conta bancária do pregador.



ALELUIA!


            ALEXANDRE LINO compõe muito bem o personagem, tanto na parte física quanto na maneira de falar, de olhar, de gesticular.  Gestos largos, tom de voz alternando entre um volume mais baixo e súbitas elevações, olhares lançados sobre a plateia, na forma de um “Estão ouvindo bem?”, “Prestaram bastante atenção?”, “Já pensaram nisso?”, “Você, irmão, tem de fazer o que eu digo!”.  A primeira visão que se tem do ator, já transformado em personagem, quando se adentra o minúsculo espaço da sala de espetáculos, é mais do que o suficiente para que alguém possa se confundir: será que isto aqui é um teatro mesmo ou um templo religioso?
            A obreira, muito bem interpretada por KÁTIA CAMELLO, passa, por vezes, a imagem de alguém muito ingênua, totalmente subserviente, fiel e crente, com relação às palavras e atitudes do pastor.  Em alguns momentos, porém, fica a impressão de que também faz parte do conluio, sendo, portanto, uma cúmplice daquela farsa.


OH, GLÓRIA!

            CESÁRIO CANDHÍ interpreta PAULO, um homem que vai ao templo “totalmente desprovido de fé”, lamentando-se por sua péssima condição financeira, e sai de lá convertido.  Representa aquele tipo de pessoa mais resistente, mas que acaba se rendendo às promessas de uma vida mais feliz e próspera, nem que, para isso, tenha que investir, transferindo, ao PASTOR, seus míseros bens materiais.  Bastante interessante essa passagem, desde que  o personagem é pinçado no auditório do culto até sua conversão.

TÁ AMARRADO, EM NOME DE JESUS!


            Boa a direção de CARINA CASUSCELLI, cujo trabalho ainda não conhecia.  O espetáculo conta, ainda, com a boa direção musical de ALEXANDRE ELIAS, cenografia e figurinos, simples, mas de acordo com a situação, de KARLLA DE LUCA e iluminação precisa de CRISTIANO GONÇALVES.
            Recomendo o espetáculo, que dever ser visto sem preconceitos e com total isenção de opinião, mas que reflexões e tomadas de posição, quanto ao tema, polêmico e, por vezes, assustador, sejam assumidas por cada espectador; porém apenas após o término do espetáculo.
 
 
(FOTOS EXTRAÍDAS DAS PÁGINAS DOS ATORES DA PEÇA, NO FACEBOOK, E DE MATERIAL DE DIVULGAÇÃO DO ESPETÁCULO.)